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O seguro DPEM e a importância de sua cobrança compulsória

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Por Anna Guiomar Vieira Nascimento (*)

foto anna guiomar1. O Seguro DPEM - Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga, instituído pela Lei nº 8.374/91 tem sido objeto de trabalhos que estão sendo elaborados por Comissão Especial criada pela SUSEP visando debater e propor soluções para sua atual situação. Este assunto é de grande importância, pois o seguro DPEM só vem sendo comercializado pela Bradesco Seguros de forma deficitária, levando a que esta Seguradora pretenda suspender a sua oferta. Um dos fatores que leva o Seguro DPEM a ser deficitário reside na questão de se dever ou não a indenização em caso de sinistro, mesmo sem que tenha havido o pagamento do prêmio.

2. Entretanto, antes de enfrentar a matéria técnica, é importante colocar que por trás do não pagamento do Seguro DPEM existe um drama de grandes dimensões e que deve sensibilizar a todos que atuam na área securitária. Na região amazônica é muito comum acidentes muito graves com mulheres que navegam com “voadoras” como são chamados pequenos barcos naquela região, e que por descuido das grandes embarcações têm seus cabelos presos pelos motores de barcos grandes sofrendo escalpelamentos parciais ou totais do couro cabeludo e algumas vezes também de orelhas, sobrancelhas e por vezes uma enorme parte da pele do rosto e pescoço, levando a deformações graves e até à morte.

3. Este estudo pretende abordar questionamentos centrais que devem ser respondidos a fim de que se tenha uma visão ampla das soluções ou caminhos a serem trilhados em busca de um Seguro DPEM que funcione de forma efetiva: (i) quando o prêmio da embarcação identificada e envolvida no sinistro não for pago, a quem caberá o pagamento da indenização?; (ii) quem pagará o prêmio se nenhuma das embarcações envolvidas no sinistro forem identificadas?; (iii) o FIE-DPEM foi criado para cobrir indenizações em que circunstâncias?; (iiii) qual seria a solução ou o caminho para que o Seguro DPEM possa ser comercializado sem que haja prejuízos para as Seguradoras que venham a ofertá-lo ao público?

4. Para compreender o Seguro DPEM é necessário o conhecimento do seu histórico. A Lei nº 9.932/99 dispôs sobre a transferência das atribuições do IRB - Brasil Resseguros S.A. para a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, que por sua vez foi revogada pela Lei Complementar nº 126/07, sendo esta lei adiante abordada. Além disso, a SUSEP a partir dali passou a ter competência para determinar as diretrizes para as operações de resseguro, de retrocessão e de corretagem de resseguro, bem como para a atuação dos escritórios de representação dos resseguradores admitidos.

5. A Lei Complementar nº 126/07 ao revogar a Lei nº 9.932/99 consolidou a competência da SUSEP como órgão de regulação das operações de co-seguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação. Além disso, outra importante regra foi a de que o IRB-Brasil Resseguros S.A. ficou autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local. A Resolução CNSP nº 31/00 continuou a vigorar por ter todas as suas disposições em harmonia com a Lei Complementar nº 126/07.

6. E o que tem a transferência de atribuições do IRB BRASIL Re com o seguro DPEM? O Fundo para Indenizações Especiais do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações – FIE-DPEM e o Fundo de Catástrofe – FC-DPEM, foram instituídos pela Circular PRESI-036, DPEM-001, de 6 de agosto de 1993, do IRB Brasil Re, com a finalidade de cobrir os sinistros ocorridos com embarcações não identificadas e eventos catastróficos, respectivamente.

7. Pela Lei nº 9.932/99 (art. 10) houve a transferência de atribuições do IRB para a SUSEP. Foi baixada, assim, a Resolução CNSP nº 31/00 através da qual se determinou que a administração dos recursos do FIE-DPEM fosse exercida pelo Gestor do Convênio, instrumento este envolvendo todas as sociedades Seguradoras autorizadas a operar o Seguro DPEM. Essas Seguradoras passaram a responder solidariamente pelas indenizações daquele seguro. Na mesma resolução consta que o IRB BRASIL RE deveria providenciar a liquidação do FC-DPEM no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação daquela norma sendo seus recursos transferidos para o FIE-DPEM. Neste ponto, nota-se que houve a extinção do FC-DPEM. Finalmente, a transferência das funções de administrador do FIE-DPEM dos valores disponíveis no IRB iriam para o gestor do convênio a ser firmado pelas Seguradoras atuantes no ramo. Os termos do convênio deveriam ter sido encaminhados por aquelas Seguradoras à SUSEP no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data de publicação daquela resolução. A transferência do FIE-DPEM deveria ter ocorrido no prazo de 30 (trinta) dias da data de aprovação pela SUSEP do acordo já mencionado. Vale ressaltar que essa resolução é do ano de 2.000 e até o momento não há convênio assinado.

8. Sendo assim, há as seguintes hipóteses de sinistros envolvendo embarcações a fim de definir o pagamento da indenização: as duas embarcações estão identificadas e com Seguro DPEM pago, caso em que a indenização será paga pela embarcação onde a vítima era transportada; se a vítima não era transportada ou não sendo possível identificar em qual embarcação era transportada, a indenização será paga em partes iguais pelas seguradoras envolvidas no sinistro; se estão envolvidas no acidente embarcações identificadas e não identificadas, a indenização será paga pelas seguradoras das embarcações identificadas; se o prêmio do Seguro DPEM não tiver sido pago e sendo a embarcação identificada, qualquer das Seguradoras devidamente autorizada a atuar neste ramo é que deve pagar a indenização e depois propor a ação pertinente para reaver do responsável pela embarcação o valor pago (art. 11 da Lei nº 8.374/91 e art. 26 da Resolução CNSP nº 128/05); se a embarcação está identificada e houve culpa ou dolo do seu responsável, a Seguradora poderá cobrar o valor excedente pago pela indenização do segurado (§2º, do art. 8º da Lei nº 8.374/91 e art. 27 da Resolução CNSP nº 128/05); se a morte ou invalidez permanente foi causada exclusivamente por embarcações não identificadas o pagamento será feito pelo Fundo de Indenizações Especiais - FIE-DPEM (art. 10 da Lei nº 8.374/91 e §4º, do art. 18, da Resolução nº 128/05). Desta forma, as vítimas de escalpelamento só terão as suas indenizações pagas pelo FIE-DPEM se a(s) embarcação (ões) envolvida(s) no acidente não for(em) identificada(s), porque nas outras hipóteses as Seguradoras é que serão responsáveis pelo pagamento da indenização. Através do FIE-DPEM não poderão ser indenizados os gastos com despesas médicas.

9. Dando continuidade à última observação no parágrafo supra há que se fazer observações importantes neste ponto: o art. 10 da Lei nº 8.374/91 e o §3º do art. 18 da Resolução CNSP nº 128/05 determinam que caso as embarcações envolvidas no sinistro não sejam identificadas o pagamento das indenizações por morte e invalidez permanente será feito pelo Fundo de Indenizações Especiais - FIE-DPEM. Não estão incluídas no FIE-DPEM as indenizações por despesas de assistência médica. Compreende-se essa omissão ao se fazer um paralelo dessa mesma indenização no Seguro DPVAT. Observa-se que no caso do Seguro DPVAT, no § único do art. 15 da Resolução CNSP nº 273/12, prevê o valor efetivo de despesas de assistência médica observado o limite previsto nas normas vigentes na data de ocorrência do sinistro poderá ser estimado pela seguradora líder do consórcio DPVAT, “com base em preços praticados pelo mercado e tendo como limite mínimo os valores da Tabela do Sistema Único de Saúde (SUS).”  Além disso, no artigo 17 da mesma resolução , tal assistência médica pode se dar por pessoa física ou jurídica do SUS, caso em que não haverá reembolso, ou, se a vítima optar, pelo sistema privado, havendo o reembolso nos termos já colocados, e com apresentação da documentação comprobatória dos gastos. O mesmo se dá com o Seguro DPEM, sendo que, essa indenização não será paga pelo FIE-DPEM e sim por qualquer seguradora autorizada a operar no ramo, tendo em vista a falta previsão normativa específica, e levando em conta que os danos pessoais estão cobertos pelo Seguro DPEM independente do pagamento do prêmio. Se os gastos com despesas médicas por parte da vítima estiverem cobertos por planos de saúde privados também não cabe reembolso, a não ser de parcela não coberta.

10. Corroborando o entendimento de ser devida a indenização do Seguro DPEM bastando a simples prova do acidente e do dano, tem-se o Recurso Especial a seguir transcrito do E. Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO SECURITÁRIO. MORTE EM NAUFRÁGIO. SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR EMBARCAÇÕES OU SUAS CARGAS (DPEM). LEGISLAÇÃO PRÓPRIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO É DA SEGURADORA DA EMBARCAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

1. O seguro obrigatório de danos pessoais causados por embarcações ou por sua carga (DPEM), instituído pela Lei n. 8374/1991, tem por finalidade conferir cobertura a pessoas transportadas ou não, inclusive aos proprietários, tripulantes e/ou condutores das embarcações, e a seus beneficiários e dependentes.

2. A indenização em caso de acidente náutico decorre da simples prova do sinistro e do dano, independentemente da existência de culpa e, sendo identificável a embarcação, a seguradora desta é a responsável pelo pagamento da verba indenizatória - em caso de morte é atualmente estipulada em R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais).De fato, por não se presumir a responsabilidade, e à mingua de regra legal expressa, a indenização será paga apenas pela seguradora da embarcação identificada, conforme reza o § 2.º do art. 9.º da Lei n.8.374/1991.

3. No caso, o naufrágio envolveu embarcação identificada, denominada Pescadeiro I e devidamente registrada na Capitania dos Portos sob o número 401-081409-8, possuindo seguro DPEM ao tempo do acidente, contratado com a Porto Seguro Cia. de Seguros Gerais, que inclusive pagou a indenização no valor de R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais). Há, pois, ilegitimidade passiva ad causam da Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT, seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1295046/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 21/06/2013)”
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11. Na verdade o que se observa na legislação que rege o Seguro DPEM é que há uma fragilidade na sua cobrança como ocorreu no início do Seguro DPVAT. O Seguro DPVAT foi instituído pela Lei nº 6.194/74 (alterada posteriormente pela Lei nº 8.441/92) , sendo que, posteriormente, o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP baixou a Resolução nº 001/75 que estabeleceu as suas normas disciplinadoras. Estas normas estabeleceram a obrigatoriedade do seguro DPVAT a ser pago pelos proprietários dos veículos automotores sujeitos a registro e licenciamento, conforme o Código Nacional de Trânsito. Nesse início não havia qualquer vinculação dos DETRANs no processo de pagamento do seguro, o que levou a uma grande inadimplência. O seguro era obrigatório, mas a sua cobrança estava fragilizada, inviabilizando que o mesmo cumprisse a sua função social. A partir da Resolução nº 06/86 ficou estabelecido que as Seguradoras formariam um “convênio específico” para a operacionalização do Seguro DPVAT. Foi criado o Convênio DPVAT formado por seguradoras que instituíram a Federação Nacional das Empresas de Seguros - FENASEG como sua gestora. A FENASEG celebrou Convênios de Cooperação Operacionais com o DENATRAN e com os DETRANS estaduais. Esses convênios foram de extrema importância para a operacionalização do Seguro DPVAT. O convênio em questão estipulou que qualquer das seguradoras pagaria a reclamação que lhe fosse apresentada pelos segurados (item 1.2 da Resolução CNSP nº 06/86). A partir da Resolução CONTRAN nº 721/88 o Seguro DPVAT além de ser um encargo cujo pagamento deveria ser feito anualmente juntamente com o IPVA, passou a ser também um requisito fundamental para permitir o licenciamento anual de veículos. A impressão dos formulários de licenciamento acompanhados do bilhete de seguro foi outro fator essencial para uma efetiva arrecadação do seguro obrigatório. Em consequência disso houve uma significativa melhora na arrecadação do Seguro DPVAT. Posteriormente foi criada a Seguradora Líder DPVAT a partir de 1º de janeiro de 2008, que passou a fazer a gestão do Seguro DPVAT e deu continuidade aos convênios com os Departamentos Estaduais de Trânsito. Essa trajetória deve servir como caminho norteador para uma efetiva arrecadação e cumprimento da função social do Seguro DPEM.

12. Finalmente, pode-se concluir que a solução para a fragilidade da cobrança do Seguro DPEM deve ter início em colocar em prática a compulsoriedade tornando o seu pagamento pré-requisito para a inscrição, provisão de registro, termo de vistoria ou certificado de regularização da embarcação na Capitania dos Portos ou em repartições por esta designada. Aquele seguro obrigatório, a exemplo do Seguro DPVAT, do ponto de vista jurídico já é requisito fundamental para a embarcação poder navegar, de acordo com a Lei nº 7.652/88, ocorrendo, entretanto, uma falha na sua arrecadação. Por tais motivos é de vital importância a cobrança do Seguro DPEM em um mesmo documento para a inscrição da embarcação na Capitania dos Portos ou em repartição por esta designada, pois este seria um mecanismo eficiente para o seu pagamento. Em um momento preliminar deverá haver a associação das Seguradoras atuantes neste ramo, seja através de convênio, como já estipulado em resolução, ou de consórcio, a ser devidamente regulamentado, a fim de que seja deslanchado todo o procedimento para formalizar convênio com a Capitania dos Portos.

(*) Anna Guiomar Vieira Nascimento é graduada em Direito, obteve o título de Mestre em Direito em 2003, ambos pela Universidade Federal da Bahia. Exerceu o cargo de Procuradora Federal de 1984 a 2015, sendo que de 2011 a 2015 trabalhou na Procuradoria Federal junto à Susep/SP. Atualmente é advogada autônoma atuando nas seguintes áreas: Direito Administrativo, Contratos, Seguros, Resseguros, Títulos de Capitalização , Previdência Privada e Direito Digital. É fluente em inglês. Lê e traduz bem francês e espanhol. anna.guiomar@gmail.com

Fonte: Editora Roncarati, em 17.02.2016.