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O novo entendimento do STJ a respeito do direito à indenização de seguro de vida em caso de suicídio: avanço ou retrocesso?

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Por Alice Saldanha Villar (*)

Resumo: Em relação ao seguro de vida, há tempos a jurisprudência do STF e do STJ é no sentido de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. Nesse sentido são as Súmulas 61 do STJ e 105 do STF. Recentemente, todavia, STJ mudou seu entendimento, afastando a aplicação dos referidos verbetes sumulares.

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. O julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS em abril de 2011. 3. O julgamento do REsp 1334005 GO em abril de 2015. Conclusão.

Palavras-chave: Suicídio. Indenização securitária. Súmula 105 do STF. Súmula 61 do STJ. Artigo. 798 do CC/2002.


 1. Considerações iniciais

 O contrato de seguro constitui um acordo de transferência da titularidade dos prejuízos econômicos decorrentes da materialização do sinistro, pelo qual a seguradora se obriga ao pagamento de um valor em pecúnia ao segurado ou a terceiro beneficiado, caso o evento previsto na apólice venha a ocorrer.[1]

A Súmula 105 do STF, criada em 1963, estabeleceu a obrigatoriedade de pagamento do seguro, ressalvando apenas a hipótese de suicídio premeditado. Confira:

Súmula 105/STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.

Dessa forma, a jurisprudência firmou-se no sentido de que apenas o suicídio não premeditado ou involuntário encontraria-se abrangido pelo conceito de “acidente pessoal” para fins de seguro. Sendo assim, é inoperante a cláusula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio não premeditado. Este entendimento culminou na edição da Súmula 61/STJ em 1992, verbis:

Súmula 61/STJ: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

Em 2002, o art. 798 do CC/2002 tratou do período conhecido pela doutrina como “prazo de carência”. Segundo esse dispositivo, “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato (...).” Esta inovação legislativa veio de encontro ao posicionamento até então predominante na jurisprudência do STF e do STJ de que somente o suicídio premeditado, ou seja, cometido no intuito de fraude à seguradora, afasta o dever de efetuar o pagamento do prêmio ao beneficiário do seguro de vida contratado pelo suicida.

O advento do art. 798 do CC/02 fez surgir o entendimento segundo o qual a ocorrência de suicídio no interregno de 02 anos após a celebração do contrato de seguro seria capaz de acarretar a exclusão do dever de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado.  Surgiu então a seguinte questão: qual a forma correta de se interpretar o art. 798 do CC/02?

2. O julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS em abril de 2011

A controvérsia chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, por expressiva maioria, afirmou através da sua 2ª Seção que a interpretação do art. 798, do CC/ 2002 não pode ser literal, mas deve realizar-se de modo a compatibiliza-se com o disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil.[2] Além desse aspecto sistemático-teleológico interpretativo, considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.

Como bem destacou a ilustra Nancy Andrighi:[3]

“Com base nessa orientação, não é razoável admitir que o legislador pátrio, em prejuízo do beneficiário de boa-fé, tenha deliberadamente suprimido o critério subjetivo para aferição da premeditação do suicídio. O período de dois anos mencionado pela norma brasileira, dessa forma, não deve ser examinado isoladamente. É necessário promover a análise das demais circunstâncias que envolveram sua elaboração, pois seu objetivo certamente não foi substituir a prova da premeditação do suicídio pelo mero transcurso de um lapso temporal, para fins de recebimento de indenização. Não se trata, porquanto, de dispensar a discussão acerca da premeditação, de fundamental relevância em hipóteses como a dos autos, nas quais o segurado cometeu suicídio antes do decurso do prazo previsto pelo art. 798 do CC/02. É importante esclarecer, nesse contexto, que o planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. Isso porque o princípio segundo o qual a boa-fé é sempre pressuposta, enquanto a má-fé deve ser comprovada, é perfeitamente aplicável à espécie.”

Em suma, a presunção de boa fé prevalece sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02, que deve ser interpretado da seguinte forma: após 2 anos da contratação do seguro, presume-se que o suicídio não foi premeditado, mas o contrário não ocorre; se o ato foi cometido antes desse período, haverá a necessidade de prova, pela seguradora, da premeditação.

Como se vê, de acordo com essa linha interpretativa, o artigo 798 do CC/2002 não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. Vale dizer, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/ STF e 61/STJ.[4]

3. O julgamento do REsp 1334005 GO em abril de 2015

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a reacender a polêmica a respeito do direito à indenização de seguro de vida em caso de suicídio. Em julgamento realizado em abril de 2015, a 2ª Seção do STJ muda o entendimento que vinha sendo aplicado pela Corte desde 2011 a respeito do período de carência previsto no art. 798 do CC/2002.

O recurso recentemente analisado na 2ª Seção foi afetado pela 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O Ministro votou para que fosse mantida a tese firmada em abril de 2011 no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, contrária à que agora prevaleceu.

O ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no  AgRg no Ag 1244022 RS adotou a linha jurisprudencial fixada no AgRg no Ag 1244022 RS , opinião com a qual concordamos.

Confira:

“A partir da conjugação desses métodos hermenêuticos [interpretação sistemática e teleológica do art. 798 do CC⁄20020], concluiu-se que o sentido correto do enunciado normativo em questão é de que, no caso de suicídio do segurado dentro do período de dois anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Essa orientação mostra-se correta, pois a boa-fé (subjetiva) é presumida, devendo ser comprovada a má fé de qualquer pessoa na condução dos seus negócios e demais atos da vida civil. Isso mostra-se especialmente adequado no caso de suicídio do segurado em contrato de seguro de vida, por constituir ato de extremo desespero vital, decorrendo de grave moléstia psíquica, infelizmente cada vez mais comum na sociedade contemporânea, que é a depressão. Assim, não é crível presumir, de forma absoluta, mesmo por decreto, a premeditação ou a má fé do segurado, que pratica esse ato extremo. Naturalmente, pode ocorrer, em alguns casos, a premeditação do suicídio pelo segurado, mas o ônus probatório será da própria seguradora, conforme corretamente fixado pela jurisprudência desta Segunda Seção” (STJ - REsp: 1334005 GO, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 2ª Seção, DJe 23/06/2015).

Entretanto, no dia 8 de abril de 2015, no julgamento do REsp 1334005 GO, a Segunda Seção do STJ decidiu, por sete votos a um, que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida.[5]

A decisão efetua uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002, que traz um critério temporal objetivo, não dando margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. A ministra Isabel Gallotti apontou que o Código Civil atual não possui referência à premeditação ou não do suicídio. Segundo a ilustre Ministra, a intenção do novo Código é justamente evitar a difícil prova de premeditação.

Aplicando essa linha de raciocínio, vários Tribunais de Justiça já vinham decidindo no sentido de que o com o advento do art. 798, do CC/2002, que exigiu o tempo como única restrição ao pagamento do seguro, a seguradora está isenta do pagamento da indenização se ocorrer suicídio do segurado dentro de 2 anos após o início da vigência do contrato, sendo irrelevante o suicídio ser ou não premeditado. Confira:

 “(...) O entendimento jurisprudencial pátrio anteriormente à vigência do novo Código Civil firmou-se no sentido de que cabia às seguradoras comprovar que o suicídio seria premeditado, para que pudessem deixar de pagar a indenização securitária decorrente desta espécie de morte, pois o suicídio não premeditado se equipararia ao acidente, tendo o beneficiário do seguro o direito de receber a indenização correspondente à morte acidental.- Não obstante, a partir da vigência do novo Código Civil esta controvérsia já não mais se sustenta, haja vista a adoção de critério objetivo no próprio texto do seu art. 798 para a exclusão do risco da seguradora para suicídios ocorridos nos dois primeiros anos da contratação. (...)”  TJ-MG – AC 10194110056190003 MG, Rel. Luciano Pinto, 17ª Câmara Cível, DJ 04/02/2014.

 (...) 2. A discussão central sobre a cobertura de seguro de vida, nos casos de suicídio, sempre foi se houve premeditação ou não pelo segurado. O tema acabou originando a edição de duas súmulas, uma do Supremo Tribunal Federal e outra do Superior Tribunal de Justiça. A Súmula nº. 105 do STF foi assim editada: "Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual da carência não exime o segurado do pagamento do seguro." Já a Súmula nº. 61 do STJ consagra: "O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado". Com a edição do Código Civil, a questão acerca da premeditação restou afastada, já que o seu art. 798 veda expressamente o pagamento do capital segurado quando o suicídio ocorrer nos dois primeiros anos de vigência contratual. (...)" TJPR, 8ª Câm. Cív., Ac. 9182, Rel. Des. Macedo Pacheco, DJ 07/12/2007

CONCLUSÃO

Em relação ao seguro de vida, há tempos a jurisprudência do STF e do STJ é no sentido de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. Nesse sentido são as Súmulas 61/STJ e 105/STF.

Entretanto, o advento do art. 798 do CC/2002 fez surgir o entendimento de que a ocorrência do suicídio no interregno de 2 anos após a celebração do contrato de seguro provocaria a exclusão do dever da seguradora de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado.  Surgiu então a seguinte pergunta: qual a interpretação correta a ser dada a esse artigo?

Em 2011, o STJ deu uma interpretação sistemática e teleológica ao art. 798 do CC/2002 e afirmou que a presunção de boa-fé deve prevalecer sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02, que deve ser interpretado da seguinte forma: se o ato foi cometido durante o período de carência de 2 anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.

Em 2015, a 2ª Seção do STJ mudou entendimento, optando por fazer uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002 e decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida.  Diante desse quadro, verifica-se que as Súmulas ns. 105 do STF e 61 do STJ foram superadas pelo nova orientação do STJ sobre a matéria, e tendência é que venham a ser canceladas.

Artigo publicado originalmente na revista Consulex - ano XIX- nº 445 - 1º de agosto de 2015.

Notas:

[1] Cf. STJ - Voto da Ministra NANCY ANDRIGHI (Relatora) no REsp 1188091 MG, 3ª Turma, DJe 06/05/2011.

[2] Cf. STJ - AgRg no Ag 1244022 RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 2ª Seção, DJe 25/10/2011

[3] Cf. STJ - Voto da Ministra Nancy Andrighi no REsp 1077342 MG, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, 3ª Turma,  DJe 03/09/2010

[4] Cf. STJ - AgRg no AREsp 42273 RS, Rel. Min, Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJ 18/10/2011.

[5] Cf. STJ - REsp 1334005 GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª SEÇÃO, DJe 23/06/2015.

(*) Alice Saldanha Villar é Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.

Fonte: VILLAR, Alice Saldanha. O novo entendimento do STJ a respeito do direito à indenização de seguro de vida em caso de suicídio: avanço ou retrocesso?. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.54808&seo=1>. Acesso em: 24 nov. 2015.