O atuário é o profissional mais qualificado para contribuir com o Judiciário nas lides em que a matéria prima é a Ciência Atuarial


Por Marco Pontes (*)
O Instituto Brasileiro de Atuária – IBA foi criado em 1944, três anos após a publicação da primeira edição da Revista Brasileira de Atuária. Já o Decreto nº 66.408, de 3 de abril de 1970, veio regulamentar o exercício da profissão de Atuário, de acordo com o Decreto-lei nº 806, de 4 de setembro de 1969.
O IBA é a legítima Casa dos Atuários. Além de representar a classe profissional, tem como atribuição regulamentar a atividade, estabelecer os limites da atuação profissional dos atuários, qualificar e certificar, mediante um criterioso processo de qualificação. O IBA é o lugar que nos reunimos para discutir os temas relacionados à Ciência Atuarial nos diversos segmentos de atuação, de modo a garantir que os serviços prestados por seus associados sejam prestados de forma correta à sociedade.
Destaco esse fato porque, sob a ótica institucional, o IBA tem feito um trabalho incansável de esclarecimento contínuo junto aos órgãos competentes do Judiciário, escritórios de advocacia, Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e empresas que comercializam produtos ou soluções em que a Ciência Atuarial, que é a matéria prima da atividade com a finalidade de destacar o quão importante é a contribuição do atuário na elucidação para Justiça nos temas em que a Ciência Atuarial está presente, tais como: saúde suplementar, previdência social, pública e complementar (aberta e fechada), seguros em suas diversas modalidades, resseguros, capitalização e mais recentemente em temas relacionados a exigência de capital adicional por tipo de risco em diversos segmentos da atividade econômica.
Não à toa a Casa dos Atuários tem atuado na condição de amicus curiae, perante o STJ em inúmeros casos.
“A nossa participação nesta condição tem sido uma garantia de suporte técnico e científico que contribui de forma inequívoca para dar respaldo a uma decisão judicial”, conforme destacou o Professor Heitor Rigueira.
Ele prossegue ao afirmar: “que nos últimos anos, face ao aumento das demandas judiciais relacionadas aos temas que destacamos neste documento, temos observado, com preocupação, o fato de algumas perícias, de natureza eminentemente atuarial, serem requeridas e entregues a profissionais de outras profissões, fato que vai de encontro A diretriz traçada pelo legislador processual civil e expõe o poder judiciário ao risco de não cumprimento de seu precípuo papel".
Mais recentemente, em um evento, ouvi o testemunho de um profissional que utilizou em sua base de argumentação uma analogia estapafúrdia para defender que profissionais não atuários atuassem na condição de perito em demandas relacionadas aos planos de saúde, que na atualidade tem gerado um número expressivo de demandas devido ao alto nível de judicialização.
Compartilho a seguir parte do conteúdo de sua argumentação:
“Um engenheiro que inventa um modelo de carro não pode ser o único profissional habilitado para dirigi-lo. Ele faz para que outros o façam, da mesma forma que um atuário que é o responsável técnico pela criação de um produto de saúde não é o único profissional habilitado para atuar na condição de perito, visto que não é preciso possuir a qualificação de atuário para atualizar ou corrigir o valor dos prêmios de um plano de saúde”.
Quem dera as demandas judiciais, nos campos da saúde suplementar ou de qualquer segmento da atividade econômica que fiz menção anteriormente se resumisse a uma visão retrospectiva tão somente de atualização de valores monetários – não é! Essa visão simplória demonstra total desconhecimento de aspectos mais complexos que cercam tais temas, que caso não venha ser analisado de forma apropriada, pode levar o juízo ao erro.
A importância do trabalho do atuário é de tal magnitude que os órgãos de supervisão tais como: PREVIC, CVM, SUSEP e ANS reconhecem nos institutos legais, isto é, nas regulamentações que produzem para disciplinar o mercado, a obrigatoriedade da assinatura do profissional atuário na condição de responsável técnico habilitado nos temas destacado
São inúmeras as razões que qualificam o atuário para o desempenhar o papel de perito nos temas em que a Ciência Atuarial está presente, inclusive na saúde suplementar. A seguir destaco algumas dessas razões:
a) Conhecimento técnico: os atuários passam por um extenso programa de formação acadêmica e profissional que abrange matemática, demografia, economia, finanças, estatística, probabilidade e teoria dos seguros. Essa base de conhecimento nos capacita a entender e analisar complexos modelos estatísticos e financeiros envolvidos na avaliação de riscos nas áreas que destacamos acima e em diversas outras frentes que têm gerado demandas para o atuário.
b) Análise de riscos: os atuários são treinados para avaliar e quantificar riscos sob diversos contexto. Na perícia de saúde e de previdência complementar, ´podemos avaliar os riscos associados A longevidade, morbidade, custos médicos, hospitalares, a sinistralidade e outras tantas variáveis relevantes. Essa análise de riscos ajuda a determinar as perdas esperadas, cobertas por provisões técnicas e as perdas não esperadas não esperadas, cobertas por capital de risco adicional e os prêmios de seguros necessários à sustentação dos planos de saúde e de aposentadoria.
c) Modelagem estatística: os atuários são especialistas em modelagem estatística e matemática aplicada. Estão capacitados para analisar grandes conjuntos de dados relacionados à saúde e aposentadoria para identificar padrões, tendências e correlações relevantes. Essas análises estatísticas fornecem informações valiosas para entender e prever os custos futuros de saúde e os requisitos aplicáveis aos planos de aposentadoria, por exemplo.
d) Conhecimento regulatório: os atuários estão familiarizados com as regulamentações e leis que governam os planos de saúde, de aposentadoria e de seguros entre outros. Faz parte do cotidiano do atuário acompanhar as mudanças nas legislações e diretrizes, garantindo que suas avaliações e recomendações estejam em conformidade com as normas e requisitos legais, bem como a sua atualização. Ademais, os atuários possuem habilidade em comunicar informações técnicas complexas de forma clara e compreensível para diversos públicos, como também de traduzir dados e resultados de análises em relatórios e apresentações para que possam ser mais bem interpretados e compreendidos por tomadores de decisão, segurados e outras partes interessadas, especialmente por aqueles que atuam no Judiciário.
e) Avaliação de sustentabilidade financeira: os atuários são treinados para avaliar a sustentabilidade financeira de planos de curto, médio e longos prazos tais como: de seguros, planos de saúde e aposentadoria para citar alguns. Modelamos análise de fluxo de caixa, reservas matemáticas, provisões técnicas, capitais de risco de crédito, subscrição, liquidez e mercado e os investimentos associados a esses produtos, identificando ameaças e recomendando medidas para garantir a viabilidade no curto, médio e longo prazo.
f) Projeção e planejamento de longo prazo: os atuários têm habilidades para projetar e planejar a longo prazo e ajudar na definição de estratégias para garantir que os planos de saúde, aposentadoria e seguros sejam financeiramente sólidos e capazes de atender as necessidades futuras dos participantes e segurados que adquiram esses produtos para sua proteção.
Os atuários são os profissionais mais bem qualificados para atuar nos temas em que a Ciência Atuarial é a questão central que se discute. A sua formação técnica abrangente, combinada com habilidades analíticas e conhecimento regulatório, os tornam especialistas valiosos para contribuir para sociedade nos trabalhos junto ao Judiciário seja na qualidade de perito atuarial ou de assistente técnico.
(*) Marco Pontes é atuário com formação em Estatística e APG em Administração e Liderança. É diretor do Instituto Brasileiro de Atuária – IBA (biênio 2023 – 2024), membro do comitê de benefícios a empregados, do comitê de previdência pública – RPPS e do Comitê de Perícia Atuarial do IBA. É sócio da LGP Consultoria Atuarial, empresa que fundou em 2009, autor de diversos artigos técnicos sobre tema relacionado aos mercados em que o atuário está presente.
30.06.2023