O PLP 74/2025 e a Profissionalização da Administração das Entidades Fechadas de Previdência Complementar


Aparecida Pagliarini [1]
Danilo Ribeiro Miranda Martins [2]
O ilustre Senador Marcio Bittar, representando seus eleitores, apresentou o Projeto de Lei Complementar - PLP nº 74, de 2025, com o propósito de alterar o texto do art. 11 da Lei Complementar nº 108, que passaria a contemplar singelamente o § 3º:
Art, 11. A composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade.
(...)
§ 3º Os presidentes da diretoria executiva e os membros do conselho deliberativo de entidades fechadas de previdência complementar, representantes da União, de suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e de outras entidades públicas, escolhidos entre pessoas de ilibada reputação e de notória competência, serão nomeados pelo Presidente da República depois de aprovados pelo Senado Federal.
Segue a Justificativa, que se encerra com a seguinte afirmação:
(...)
No entanto, a sistemática atual, de livre nomeação de membros de órgãos estatutários em entidades fechadas de previdência complementar de empresas estatais, não passa pelo crivo do Parlamento, o que pode levar à nomeação de dirigentes desprovidos da devida competência para gerir entidades que recebem recursos públicos. Consideramos que não apenas o presidente da diretoria executiva, mas os membros do conselho deliberativo devem passar pelo crivo da nomeação do Senado Federal, pois o conselho deliberativo é o órgão máximo da estrutura organizacional de um fundo de pensão. (grifo nosso)
Pois bem. Como é sabido, nem sempre a Lei ou o “crivo do Parlamento” significam a necessária competência para o exercício de qualquer função, seja ela de natureza pública ou privada.
Em artigo publicado este ano[3], Eduardo Jordão e Julia Martel apontam problemas decorrentes da excessiva politização nas nomeações para dirigentes de agências reguladoras, propondo alterações na sistemática atual.
No que diz respeito à previdência complementar fechada, embora a justificativa mencione a “livre nomeação de membros de órgãos estatutário”, não é isso o que prevê a legislação.
A Lei Complementar nº 109/2001 define os requisitos mínimos para que membros dos conselhos deliberativo e fiscal e da diretoria executiva exerçam suas funções: comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria; não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado; não ter sofrido penalidade administrativa por infração da seguridade social ou como servidor público; e, para os membros que comporão a diretoria-executiva, a Lei acrescenta ter formação de nível superior.
Ora, como a Lei Complementar fala em requisitos mínimos, o estatuto de cada entidade pode estabelecer outros, sempre elevando a régua da especialização, uma vez que a sua atividade fim é administrar patrimônio de terceiros (participantes e assistidos), com visão estratégica de longo prazo. Tão longo que somente se esgotará quando for pago o último benefício ao último participante ou beneficiário, o que exige dos dirigentes preparo e conhecimento especializado.
Outra razão está na natureza da atividade de tais entidades como investidores institucionais. Nunca é demais lembrar (nos tempos atuais, especialmente) que o Conselho Monetário Nacional, na Nota Explicativa nº 6 que acompanhou a Resolução nº 460, de 1978, identificou as entidades na sua posição real: a de importantes investidores institucionais, mas não de instituições financeiras, vedando-lhes a possibilidade de atuar como instituições financeiras, por se constituir numa burla à legislação existente sobre o Sistema Financeiro Nacional.
A vocação de instituidor institucional é mais um fator que exige requisitos profissionais para dirigentes e conselheiros de entidades fechadas de previdência complementar, sejam eles indicados pelos patrocinadores ou eleitos por participantes e assistidos.
Não só isso. Em 2004, o então Conselho de Gestão da Previdência Complementar aprovou a Resolução nº13 (em vigor até hoje) que acrescentou outros requisitos àqueles mínimos da Lei Complementar nº 109 (e repetidos na Lei Complementar nº 108), especialmente: manter e promover conduta permanentemente pautada por elevados padrões éticos e de integridade; impedir a utilização da entidade fechada de previdência complementar em prol de interesses conflitantes; tem como imprescindível a competência técnica e gerencial, compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções exercidas, em todos os níveis da administração da EFPC, mantendo-se os conselheiros, diretores e empregados permanentemente atualizados em todas as matérias pertinentes às suas responsabilidades.
Mais recentemente a Resolução CNPC nº 39/2021 passou a exigir ainda que tais dirigentes possuam reputação ilibada, o que envolve honestidade, integridade e boa conduta.
Logo o receio de nomeação de dirigentes desprovidos da devida competência para gerir entidades que recebem recursos públicos (ou privados) para constituir reservas de planos de benefícios já deveria ser afastado com essa legislação, que exige não só a qualificação como também a integridade necessária para desenvolvimento da função.
Se há, como expressa o parlamentar, a percepção de que isso não está ocorrendo na prática, deve-se perquirir se a solução passa por mais interferência política ou por menos interferência política.
Note-se que a interferência política é apontada, não só no Brasil, como um dos fatores de risco para a governança de entidades de previdência com patrocínio público. Isso torna a solução proposta, portanto, no mínimo discutível.
Desse modo, embora suscite reflexões e debates sobre tema de extrema relevância, consideramos que o PLP nº 74/2025 parte de premissas inadequadas, indicando um caminho que tende a pouco contribuir para a melhor governança e profissionalização dessas entidades e, por consequência, para a efetiva proteção dos participantes e assistidos.
[1] Advogada formada pela Universidade de São Paulo especializada em previdência complementar, membro do Conselho Deliberativo do IPCOM - Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar, presidente da Comissão Especial de Previdência Privada da OAB/SP.
[2] Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, mestre em direito previdenciário pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, membro do IPCOM. Foi Procurador-Chefe da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC.
[3] Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/que-tal-mudar-o-processo-de-nomeacao-para-agencias-reguladoras>.
[4] Nesse sentido, vide: Governance and Investment of Public Pension Reserve Funds in Selected OECD Countries, OCDE Working Papers on Insurance and Private Pensions, n. 15, 2008.
(08.05.2025)