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Novo Mercado: O Mundo como modelo

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Por Martha E. Corazza

A partir de 2017 o mercado de capitais brasileiro deverá viver um novo ciclo de aperfeiçoamento da governança corporativa das companhias, a começar pela atualização das regras do Novo Mercado e do Nível 2 de governança da BM&FBovespa. Esses segmentos especiais de governança da Bolsa passam no momento pela segunda etapa de um processo de revisão e atualização de regulamentos, que começou com uma consulta pública encerrada em maio passado e agora está em audiência pública, que será encerrada no próximo dia 09. Em seguida virá uma audiência restrita que irá de 07 de novembro deste ano até 06 de fevereiro de 2017. Durante essa terceira etapa as companhias irão decidir sobre as alterações dos respectivos regulamentos de listagem. Se não houver voto contrário de mais de um terço delas, as medidas serão implementadas.

As discussões incluem a participação de diversas associações representativas do mercado e representantes dos fundos de pensão, por meio da Abrapp. “O processo é uma evolução natural para que esses regulamentos se mantenham como um benchmark forte internacionalmente e, para isso, é preciso verificar se os nossos patamares de governança estão alinhados aos de outros países”, explica a diretora de Regulação de Emissores da BM&FBovespa, Flávia Mouta.

A opinião dos gestores de fundos de pensão é um aspecto fundamental nesse debate, eles foram convidados para um workshop temático promovido pela Bolsa na fase inicial das discussões e no final de agosto terão reunião para discutir os principais pontos encaminhados na audiência pública, informa a diretora. “Depois da consulta pública, feita por meio de um questionário, reabrimos em junho a discussão com todos os participantes do mercado, já com o texto proposto, e além de receber manifestações por escrito organizamos reuniões para conversas estruturadas com companhias, investidores e associações”. O tema é tão relevante para os fundos de pensão que um Grupo de Trabalho foi formado pela Comissão Técnica Nacional de Investimentos da Abrapp exclusivamente para discutir o assunto e elaborar sugestões a serem encaminhadas à audiência pública, informa o coordenador da CTN, Maurício Wanderley.

Alinhamento - A preocupação com o alinhamento às práticas internacionais permeia todo o trabalho de revisão do regulamento e muitos dos avanços certamente são inspirados em exigências dos investidores globais. O objetivo é não só atualizar a estrutura dos segmentos especiais como também simplificar alguns aspectos de modo a ampliar a transparência das empresas que estão nos melhores níveis de governança do mercado. A proposta pretende alinhar as regras à sistemática do Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários da BM&FBOVESPA – lançado em fevereiro de 2014 e em vigor desde agosto de 2015 para as empresas listadas –, além de racionalizar a organização do documento. As principais mudanças dizem respeito a tópicos ligados à administração das companhias, explica Flávia, e alguns deles encontram maior resistência por conta dos impactos sobre os custos, que as empresas estão analisando.

Conselhos de Administração - Entre as principais mudanças está a nova estrutura dos Conselhos de Administração. “A proposta altera significativamente essa estrutura pois torna obrigatória uma política clara de indicação para compor o Conselho, assim como a divulgação das renúncias de conselheiros independentes na data em que ocorrerem”, explica Flávia. Além disso, a avaliação da independência dos Conselhos terá que ser feita ao menos uma vez ao ano e, embora não seja obrigatória a divulgação de seus resultados, será mandatória a divulgação do tipo de avaliação feita. Foi mantido o mandato unificado de dois anos e, ainda que tenha sido mantido o percentual de 20% de conselheiros independentes, muda o próprio conceito do conselheiro independente. Cônjuges dos controladores ou dos administradores, por exemplo, não podem ser considerados independentes.

Também foi eliminada a regra do arredondamento no cálculo do percentual, ou seja, se a conta apontasse 1,4 de conselheiros independentes, por exemplo, esse número era arredondado para baixo, agora ele passa a ser arredondado para cima e o mínimo será de 2 conselheiros independentes. A regra segundo a qual o mínimo será de 20% ou dois conselheiros independentes, o que for maior, é um ponto sensível de administração das companhias, observa Flávia. A existência de um órgão de fiscalização e controle, compliance, controles internos e auditoria também foi sugerida, são itens que não existem no atual regulamento e passarão a existir se a regra for aprovada porque são essenciais no mundo atual, diz Flávia. Ela admite, entretanto, que essa sugestão terá que ser avaliada com uma lupa, com muito cuidado porque sua aplicação terá custos expressivos.

 “Toda a proposta de revisão é muito positiva e necessária porque o mercado, por conta dos acontecimentos dos últimos anos, mostrou que havia falhas de governança em muitas empresas listadas nos segmentos especiais”, avalia o consultor especializado em governança corporativa e mercado de capitais, Renato Chaves. Ele considera fundamentais as mudanças nas regras de free float (entre outros pontos, manutenção de 25% ou 20% de ações em circulação, desde que mantido ADTV mínimo de R$25 MM nos últimos 12 meses) e elogia a inclusão da divulgação de remuneração, assim como os pontos sugeridos para os Conselhos de Administração e as políticas de divulgação de informação mais detalhadas mas lamenta a não inclusão de uma regra estabelecendo a obrigatoriedade de Conselhos Fiscais: “Em levantamento que fiz recentemente, 65% das empresas do Novo Mercado já tem CFs, ou seja, o mercado sinaliza que quer essa regra mas muitas companhias ainda resistem a isso e há uma certa simpatia pelos comitês de auditoria estatutário”.

Flávia explica que o modelo compreendido como mais adequado pela BM&FBovespa é mesmo o do comitê de auditoria estatutário que assessora do Conselho de Administração. “Mas sabemos que ele não substitui o Conselho Fiscal, são órgãos com funções diversas e que não se misturam”.

Remuneração de administradores – Um ponto delicado e que provoca resistência das companhias há décadas, promete ser uma das grandes evoluções dessa revisão, alinhando finalmente um aspecto essencial de governança às melhores práticas internacionais. A divulgação das remunerações mínima, média e máxima dos administradores é um grande avanço, reconhece Renato Chaves. “Essa é uma mudança importantíssima para a maior transparência e não faz sentido algumas companhias listadas nos segmentos especiais continuarem se escondendo sob uma liminar para fugir ao comprimento de uma regra da CVM”, critica Chaves.

De acordo com a proposta em discussão, será exigida a divulgação da remuneração máxima, média e mínima dos administradores que estão no Novo Mercado e no Nível 2, assim como a vedação à acumulação de cargos, como presidente do conselho e diretor presidente da empresa, com prazo de 60 dias para a tomada de providências e de um ano para cessar a acumulação do caso de vacância. As companhias também terão de realizar manifestações em caso de ofertas públicas de aquisição (OPA) e criar comitês de assessoramento estatutários, de auditoria, que deverá ser único, e de outros para a avaliação de indicação e remuneração de conselheiros.

”Um número significativo de companhias no Novo Mercado ainda não divulgam a remuneração de seus administradores e não cumprem a norma da CVM por conta de uma liminar obtida na justiça”, explica Flávia. Ela conta que houve uma intensa discussão e a conclusão foi de que era preciso trazer luz para essa questão: “As companhias que estão no mais elevado nível de governança devem cumprir integralmente a regulação da CVM, não estamos discutindo o mérito da ação judicial mas essa é uma obrigação para ter alinhamento com o que acontece em outros países”.

Regras de saída – As sugestões para alterar as regras de saída voluntária do Novo Mercado são fruto de uma discussão de muitos anos e havia duas posições mais fáceis, explica Flávia. Uma delas seria deixar tudo como está para agradar as companhias, a outra seria mudar integralmente as regras para atender os investidores. Preferimos ficar no meio do caminho e a proposta está sendo muito bem aceita, as pessoas estão se propondo a discutir. A sugestão é para que o cancelamento de registro e a saída do Novo Mercado não precisem mais ser aprovados antes em assembleia, que decidirá depois se aceita a oferta (OPA) dos controladores. A OPA poderá ser feita a preço justo, com pagamento à vista em moeda corrente com quórum de aceitação de 50%, considerando os acionistas na data de divulgação da intenção de sair do segmento.Além disso, há a possibilidade de dispensa da OPA por assembleia geral, com maioria da minoria.

Fonte: Diário dos Fundos de Pensão, em 03.08.2016.