Novas regras para o seguro viagem, judicialização da saúde suplementar e regulamentação do Seguro Auto Popular foram os destaques do 4º Seminário Direitos & Deveres do Consumidor de Seguros


Evento, realizado pelo INEC com apoio da CNseg e da Escola Nacional de Seguros, reuniu representantes do setor de seguros, de entidades de defesa e direito do consumidor e do Poder Judiciário em Porto Alegre
Durante os debates que permearam a programação do 4º Seminário Direitos & Deveres do Consumidor de Seguros ficou clara a posição, tanto dos órgãos de defesa e direito do consumidor quanto da iniciativa privada e do Poder Judiciário, de que se faz necessária uma maior interação entre os agentes. Grande parte dos palestrantes que compuseram os painéis do evento apontou o fortalecimento do intercâmbio de informações como peça-chave para a construção de uma nova agenda de relacionamento com o consumidor.
Logo na abertura do seminário, a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e vice-presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), Solange Beatriz Palheiro Mendes, disse que eventos dessa natureza são uma fonte de conhecimento e de aperfeiçoamento para a atividade seguradora, ressaltando ainda a importância da proximidade com os Procons.
Em sua fala, Solange apontou, ao lado do diretor de Ensino Superior da Escola Nacional de Seguros, Mario Couto Soares Pinto, e do presidente do Instituto Nacional de Educação do Consumidor e do Cidadão (INEC), José Luiz da Silva, o foco na educação em seguros como ponto primordial para o desenvolvimento do setor. “Estamos convictos de que temos que dar informação à sociedade. Informação e conhecimento significam empoderamento. Desta forma, o consumidor tem que se sentir parte da cadeia produtiva. Ele precisa deter informação para ter o poder e a capacidade de decisão”, pontuou.
Em linha com esse posicionamento, o diretor Geral Executivo da CNseg, Marco Antonio da Silva Barros, disse que a relação do mercado segurador com o consumidor é muito próxima, uma vez que a interação se dá nos momentos de reparação de patrimônio, de mitigação de situações críticas e na entrega de sonhos. “É por meio desses eventos, dessas discussões, que nós podemos cada vez mais ampliar o nosso conhecimento sobre aquilo o que devemos fazer para estarmos cada vez mais presentes e com mais clareza para os nossos consumidores”, afirmou.
Liberdade de escolha
A liberdade de escolha foi o tema central escolhido pelo diretor de Pesquisas e Projetos do Instituto Brasileiro do Direito Público (IDP) e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Ricardo Morishita Wada, para conduzir a palestra ‘Liberdade e Igualdade nas Relações Jurídicas de Consumo e de Seguros: desafios para a construção de um novo futuro’. Em sua explanação, Morishita disse que espaços em eventos como este são importantes porque eles reafirmam a defesa do consumidor como um tema de interesse público. Ele defendeu que a liberdade de escolha é um direito tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas fez várias reflexões ao longo da sua apresentação. “O consumidor é livre para escolher? Em qualquer situação? E se houver uma vulnerabilidade? É justo tomar uma decisão sem ter informação?”, questionou, enumerando que a liberdade de escolha pressupõe um ato consciente e livre do consumidor, informação adequada e ausência de coação, constrangimento ou enfraquecimento da posição do consumidor. “A educação tem uma correlação direta com a adversidade ao risco”, frisou.
Seguro Viagem
As novas regras para o produto que entraram em vigor há pouco mais de um mês, no dia 26 de março, nortearam os debates no painel que abordou ‘As novidades regulatórias dos seguros de viagem e o novo modelo das assistências para a promoção de maior confiabilidade e transparência nas relações de consumo’. O diretor da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) e mentor da Comissão de Assuntos Jurídicos da Federação, Washington Luís Bezerra da Silva, disse que, a exemplo de que quando o seguro de garantia entendida foi regulamentado como um produto de seguro, o seguro viagem também passou a trazer mais segurança para o consumidor. “Porque exige uma série de regras que permite uma solvabilidade muito maior para o consumidor”, sinalizou.
Na sequência, os representantes da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Adriana Hennig e Diogo Jorge, destacaram as principais diferenças do produto antes e depois da nova regulamentação e ressaltaram dados globais sobre a utilização do seguro viagem. Segundo eles, nos Estados Unidos, um atendimento médico hospitalar simples não custa menos de US$ 7 mil, por exemplo, e em Cuba, na Venezuela e na Austrália este tipo de seguro é obrigatório em viagens turísticas. Ainda de acordo com eles, no exterior, os problemas podem ser agravados, pois, além de não conhecer as leis e os costumes locais, o viajante pode não ter recursos suficientes para pagar as despesas necessárias. Eles ressaltaram que o seguro viagem deve oferecer, no mínimo, as coberturas básicas de morte acidental e/ou invalidez permanente total ou parcial por acidente. Eles também sinalizaram que o seguro viagem não funciona como o seguro saúde e que todas as coberturas oferecidas possuem um limite máximo indenizável.
O diretor executivo do Procon municipal de Porto Alegre (RS), Cauê Vieira, que também compôs a mesa, disse que a implementação das novas regras representou um grande avanço no direito básico do consumidor, o direito à informação clara e ostensiva. Ele salientou que as empresas precisam se certificar de que o cliente realmente tenha acesso a todas as informações adequadas referentes aos produtos. “Esse é o grande desafio que se apresenta às seguradoras. Adequar o produto às necessidades do cliente é o grande avanço que essa resolução traz. O óbvio muitas vezes precisa ser dito e colocado em letras garrafais”, ponderou.
Saúde Suplementar
Em um universo onde são realizados mais de um bilhão e 200 mil procedimentos ao ano o que representa uma média de três milhões de procedimento ao dia, a judicialização da saúde suplementar e a sustentabilidade do sistema estão entre as discussões que vêm ganhando cada vez mais escala no setor de seguros. Isso porque as discordâncias e os conflitos entre as operadoras de planos de saúde e de seus clientes têm parado cada vez mais nas mãos do poder judiciário.
Neste aspecto, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Werson Rego, sustentou a sua dissertação sob o pilar de que justiça quer dizer dar a cada um o que é seu por direito. De acordo com ele, está ocorrendo uma transferência de poder que é muito perigosa. “A pior ditadura que existe é a ditadura do judiciário. Se nós deixarmos que cada um dos 17 mil juízes que existem decidam casos concretos de acordo com as suas concepções íntimas de justiça, a gente estabelece o caos”, afirmou, alertando para o fato de que questões que seriam de alçadas de outros poderes da esfera pública estão sendo transferidas para o judiciário. “O Judiciário está virando ordenador de despesas e realizador de políticas públicas, sociais e econômicas. A sua função não é esta. Mercados precisam de estabilidade. Mercados precisam de segurança e de regras claras. Este é que deve ser o principal papel do julgador. Zelar para que as regras do jogo sejam cumpridas da forma que foram estabelecidas pelos poderes competentes. Isso é muito importante na área da saúde suplementar porque ela trabalha com recursos finitos. Ela trabalha com recursos limitados”, assinalou.
Para a presidente da FenaSaúde, a discussão começa pelo modelo de saúde adotado no país, um modelo de saúde pública para todos aqueles que se encontram em território nacional, sendo estes brasileiros ou não. “Convive com este sistema público o sistema privado, que é regido pelas regras do direito empresarial e pelo princípio da livre iniciativa. Portanto, ele tem que estar calcado nos contratos firmados entre as partes, em um equilíbrio contratual. Mas quando se fala de equilíbrio contratual e se fala de saúde, é aí que começa o problema”, destacou. Para ela, o consumidor sempre terá o direito de questionar judicialmente, mas há uma preocupação em relação à indústria de liminares que incentiva cada vez mais comportamentos dessa natureza nem sempre buscando algo que esteja no contrato ou nas coberturas obrigatórias. “Falta compreensão da natureza de mutualidade do sistema”, avaliou, ressaltando que a crescente fila de processos que pedem tratamentos ou medicamentos não cobertos pelos convênios, desequilibra o setor e acaba prejudicando os próprios consumidores. “Se alguns conseguem algo que não contribuíram, esse ônus é repassado a todos os demais”, afirmou, indicando que a principal causa da judicialização é que aquele pleito que não respeita o contrato, que não respeita a regulamentação, será atendido pelo Judiciário. “Então, como resolver isso?”, indagou, informando que não há mais tempo, que o assunto é urgente, que se faz necessária uma rediscussão do modelo de saúde brasileiro atual e que a saúde suplementar está fechando no vermelho.
Seguro Auto Popular
As regras e os critérios para a operação do Seguro Auto Popular no Brasil, por meio da Resolução nº 336 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), foram amplamente debatidas durante o painel que reuniu representantes do setor de seguros, do órgão regulador do setor, a Susep, e do Procon-RS. De acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), o novo produto chega com a possibilidade de suprir um mercado potencial de cerca de 20 milhões de veículos com idades entre seis e 20 anos de uso, que circulam pelo país sem qualquer tipo de cobertura.
Em sua apresentação, o diretor Regional da SulAmérica e vice-presidente do Sindicato das Seguradoras no Rio Grande do Sul (SindSegRS), Gilson Bochernitsani, demonstrou que as seguradoras já possuem uma estrutura de atendimento para os consumidores e rede referenciada pronta e habilitada para receber os carros e repará-los, mas antecipou que ainda não há seguradoras comercializando este produto.
Ele reiterou um dos principais pleitos do mercado segurador em relação à circular da Susep: a oferta de peças que atenda a demanda de sinistros com garantia de qualidade. Segundo ele, além das peças usadas já autorizadas pela Lei Federal 12.977, conhecida como a ‘Lei do Desmonte’, será necessária a utilização de peças genéricas, compatíveis com as peças originais, para que haja uma oferta mínima que atenda aos serviços contratados pelo consumidor e que torne o produto competitivo. “A peça genérica não é uma peça de baixa qualidade até, porque a seguradora irá assumir a responsabilidade sobre o conserto do veículo. Estamos falando de peças do mesmo fabricante da peça original, mas que não tem o ‘selo’ da marca. Será obrigatória a informação sobre a procedência das peças”, elucidou.
O contraponto do painel ficou a cargo da diretora executiva do Procon-RS, Flávia do Canto, que falou sobre a função social do contrato de seguro, mas questionou a proteção ao consumidor na pré-venda. “Eu me preocupo com a fase pré-contratual de como isso será ofertado ao consumidor. Quem dará a garantia sobre a peça genérica?”, indagou, ponderando que trata-se de um produto novo, um produto bom, mas que requer treinamento para as seguradoras e instrução aos consumidores. “A educação ao consumo passa pelos dois pólos, consumidor e fornecedor, e a partir daí conseguiremos harmonizar para que nós, Procons, não precisemos atuar com poder de polícia. Apenas na mediação”, finalizou.
A representante da Susep, Rosana Dias, falou sobre outros pontos que as seguradoras estão questionando como a idade dos veículos que podem contratar o seguro auto popular. “Nós discutimos internamente, com os procuradores e o corpo técnico da Susep, e o nosso entendimento foi de que deve caber ao consumidor decidir se ele irá contratar esse seguro ou não. Ele que decidirá se escolhe por perder a garantia de fábrica, se ele tiver um carro com cinco anos ou três anos de garantia, e optar por uma peça remanufaturada, ou não”, disse, citando ainda que as seguradoras precisarão oferecer, no mínimo, a cobertura contra colisão.
Capitalização
A capitalização pode ser uma primeira experiência para aqueles que buscam adquirir disciplina para acumular. Foi o que disse a advogada especialista em Direito do Seguro, Relações de Consumo e Responsabilidade Civil, Angélica Carlini, sobre o produto, que no Brasil, nasceu em 1929 com a SulAmérica (Sulacap). “A capitalização é um produto em que parte dos pagamentos realizados pelo subscritor é usada para formar um capital que será pago em moeda corrente em um prazo máximo estabelecido. O restante do valor dos pagamentos é usado para custear os sorteios (quase sempre previstos nesse tipo de produto) e as despesas administrativas das sociedades de capitalização”, explicou, enfatizando que o consumidor precisa estar consciente de que ele jamais irá resgatar a totalidade daquilo que ele colocou na ponta do título. “Capitalização não é poupança e não é um produto financeiro. É um produto de acumulação de recursos”, frisou.
O superintendente da SulAmérica Capitalização e presidente da Comissão de Produtos e Coordenação da Federação Nacional de Capitalização (FenaCap), Natanael Aparecido de Castro, alertou para o fato de que a capitalização não pode ser comparada a um jogo. “Há quatro modalidades de capitalização. E elas transitam em uma dualidade. Dependendo do público para o qual se destinam, há um peso maior em acumulação ou em sorteios. Sem dúvidas, a modalidade tradicional, que é basicamente vendida por meio do canal bancário, é a grande responsável pela maior parte do volume do mercado”, informou, dizendo que a transparência na informação que é passada ao consumidor é sempre fundamental.
Para a diretora executiva de Marketing e Canais da Icatu Capitalização e presidente da Comissão de Comunicação da FenaCap, Aura Emília Rebelo Fioretti, a comunicação é um dos grandes desafios dos produtos de capitalização. Segundo ela, o consumidor precisa estar convicto de que o produto escolhido é o certo para o objetivo que está sendo buscado. “Tem três aspectos que precisamos trabalhar na comunicação da capitalização. O primeiro é em relação à expectativa de retorno financeiro que o consumidor quer ter desse produto. O segundo é sobre como acontecem os sorteios e o terceiro aspecto é a questão do resgate, porque se o resgate for feito de forma antecipada ao que se estabelece em contrato, haverá uma penalidade (multa)”, detalhou.
Nas últimas considerações do painel, o diretor da Caixa Capitalização e vice-presidente da FenaCap, Ryvo Matias Pires dos Santos, informou que a Federação está criando um comitê de auto-regulação para aprimoração do mercado.
Boletim Consumidor.Gov
Como uma plataforma de informação, interação e compartilhamento de dados, monitorada pelos Procons e pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, com o apoio da sociedade, o Consumidor.Gov é um grande canal para soluções de conflitos. Esta foi a opinião da diretora do Procon-PR e presidente da Associação ProconsBrasil, Claudia Francisca Silvano. “A empresa que despreza o Consumidor.Gov, que não adere ao Consumidor.Gov é uma empresa que parou na história. O consumidor de hoje precisa de uma resposta rápida e mais do que isso: uma resposta dada por aquele que criou o problema, que é o fornecedor”, colocou. Segundo ela, o canal é uma das formas pela qual as empresas conseguirão recuperar a confiança do consumidor.
Já a ouvidora da Icatu Seguros e membro das comissões de Ouvidoria e de Relações de Consumo da CNseg, Gabriela Ourivio Assmar, falou sobre o Boletim Consumidor.Gov que a Confederação está desenvolvendo e finalizará ainda este semestre para o mercado de seguros. “A grande democracia que o Boletim traz é um encontro de stakeholders, de atores deste mercado que é interdependente”, falou referindo-se aos 70% das empresas do setor de seguros que já estão cadastradas no Consumidor.Gov. De acordo com ela, essa presença da empresa já demonstra uma credencial de transparência já que este é um canal onde a empresa escolhe se quer participar ou não ao contrário de outros. “Nas redes sociais, por exemplo, o consumidor está se tornando hiper-suficiente, já que a reclamação viraliza e a resposta (da empresa) não viraliza”, pontuou. “Estar no Consumidor.Gov quer dizer: eu sou uma empresa que quer resolver o seu problema”, concluiu.
Na mesma linha, a ouvidora da Bradesco Seguros e membro das comissões de Ouvidoria e de Relações de Consumo da CNseg, Gisele Garuzi Oggioni de Araújo, falou sobre o papel cada vez mais estratégico e importante que as ouvidorias têm dentro das empresas. “As ouvidorias têm o papel de captar o que na relação empresa-mercado não está funcionando bem para melhorar processos. Nós, as empresas, recebemos mais esse recurso que é o Consumidor.Gov de braços abertos”, finalizou.
O evento
A quarta edição do Seminário de Direitos & Deveres do Consumidor de Seguros, promovido pelo INEC e pela revista Consumidor, com apoio da CNseg e da Escola Nacional de Seguros, reuniu, na última sexta-feira, dia 29/4, em Porto Alegre (RS), cerca de 170 pessoas entre representantes do mercado segurador, do poder judiciário e de entidades de Defesa e Direito do Consumidor, que debateram sobre novas propostas e esforços para ampliar a confiabilidade e a transparência nas relações com o “novo consumidor”.
Fonte: CNseg, em 03.05.2016.