Nova edição da Revista da Previdência Complementar: Paulo Tafner fala sobre as resistências de implantação do modelo de capitalização na Reforma da Previdência*
*Edição n° 451 (março e abril de 2024) da Revista da Previdência Complementar –
publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.
Entrevista com Paulo Tafner, por Paulo Henrique Arantes
Autor renomado e Presidente do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), o economista Paulo Tafner possui doutorado em Ciência Política (IUPERJ / University of California – San Diego), é pesquisador associado da FIPE/USP. Quando atuou como pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), ele coordenou o Grupo de Estudos Previdenciários. Foi integrante da equipe que elaborou a Reforma da Previdência, mas nem por isso ficou plenamente satisfeito com ela, especialmente porque o modelo de capitalização por ele proposto foi logo abandonado. “Muitos deputados eram radicalmente contra, argumentando de forma equivocada e mal-intencionada que capitalização equivale a ‘roubar o dinheiro do trabalhador e entregar aos bancos”, lamenta.
A previdência, prioridade do governo conforme mensagem presidencial enviada ao Congresso no início do presente ano legislativo, entre outros assuntos, é tratada nesta entrevista exclusiva de Paulo Tafner à Revista da Previdência Complementar. Confira a seguir:
O senhor participou ativamente da elaboração da reforma da Previdência. Quais as maiores resistências enfrentadas ao longo do trabalho?
Paulo Tafner: Em síntese, houve resistência à capitalização, que foi excluída prontamente, e à mudança da aposentadoria rural, que também foi excluída, mantendo-se apenas algumas alterações de requisitos, sem qualquer mudança em termos de idade para a sua obtenção. Também houve resistência em relação à igualdade de idade de aposentadoria entre homens e mulheres, que acabou tendo como resultado a redução da diferença de cinco para três anos, à mudança na aposentadoria por invalidez (hoje denominada incapacidade), e nas regras de pensão.
No âmbito dos RPPS, a resistência ocorreu em relação à regra de transição para a aposentadoria por tempo de contribuição, idade e pensão. Também em relação ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), as proposições foram progressivamente rechaçadas de modo que, ao final, não restou nada. Por fim, havia a proposta de mudança do abono salarial, que foi retirada do Projeto.
Para “compensar”, o Congresso propôs – como tem sido prática – o aumento de imposto na CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Isso gerou um aumento de receita de R$ 19,2 bilhões, mas uma significativa perda de potência fiscal. Em relação ao projeto original, perde-se R$ 473,9 bilhões em 10 anos, aproximadamente 36%. O mais grave, porém, é que se perdeu a chance de implementar a capitalização e começar a alterar o [benefício] rural e o BPC.
A última e grave resistência ocorreu na parte referente aos RPPS estaduais e municipais. Por razões de natureza política, pela primeira vez em nossa história, esses RPPS ficaram fora da reforma, cabendo a cada um deles fazer sua própria revisão. Isso gera consequências graves, pois temos no Brasil um emaranhado de regras distintas, de modo que um servidor do Acre, por exemplo, se aposenta com regras diferentes do servidor da União ou de outro estado ou município. Enfim, algo completamente inusitado.
E quanto ao salário mínimo?
Paulo Tafner: A reforma propunha a desindexação dos pisos previdenciário e assistencial ao salário-mínimo. Isso rapidamente se perdeu. Em meu entendimento, garantir o poder de compra é algo a ser mantido e isso se faz reajustando o benefício pela inflação média. Salário-mínimo é uma instituição associada intrinsecamente ao mercado de trabalho, e não deve ser utilizada para fins previdenciários.
A que o senhor atribui o abandono da opção pelo regime de capitalização logo no primeiro relatório da reforma da Previdência?
Paulo Tafner: Entendo que houve um conjunto de razões. A primeira delas é que muitos deputados, especialmente aqueles de partidos de esquerda, eram radicalmente contra, argumentado de forma equivocada e mal-intencionada que capitalização equivale a “roubar o dinheiro do trabalhador e entregar aos bancos”. É de um primarismo vergonhoso. Outra razão é o fato de que começaram a sair notícias dando conta de que no Chile, berço do sistema puro de capitalização, havia idosos recebendo 20% ou 30% de um salário-mínimo local, o que de fato é muito baixo.
A questão é que no sistema chileno de capitalização, que já foi reformado, há duas características que não são mencionadas e que determinam esse resultado. O primeiro é que a poupança previdenciária é feita exclusivamente com aportes dos trabalhadores, não havendo qualquer contrapartida do empregador. A segunda é que a contribuição não era compulsória, ou seja, o trabalhador poupava se quisesse. É evidente que a não compulsoriedade reduz a taxa de poupança. Afinal, ter que escolher, por exemplo, entre aniversário de filho e contribuição previdenciária, leva a um resultado óbvio: façamos o aniversário e para frente a gente poupa. O resultado é que a densidade contributiva média do trabalhador chileno era de 3 a 3,5 contribuições por ano, o que é muito pouco.
Quão importante é a participação do empregador na constituição da poupança previdenciária?
Paulo Tafner: A participação do empregador na constituição da poupança previdenciária parece necessária para evitar problemas futuros. Obviamente que essa participação deve ser baixa para não desestimular a geração de empregos. Alíquotas entre 5% e 8% seriam adequadas em um sistema equilibrado. No caso brasileiro, a alíquota patronal básica é de 22%, o que é muito elevado.
Outro aspecto relevante é que o então Ministro Paulo Guedes “bateu o pé” na posição de que não deveria haver contrapartida patronal. Isso uniu os parlamentares de esquerda àqueles mais moderados, que aceitariam a implantação progressiva de um sistema de capitalização, desde que houvesse contrapartida patronal. Como se costuma dizer: o ótimo é inimigo do bom, e assim se perdeu a capitalização. Uma pena.
Na maneira como ficou, a Previdência atenderá ao trabalhador do futuro? Ou o ritmo das mudanças demográficas no Brasil vai exigir uma nova reforma em breve?
Paulo Tafner: A nova Previdência reduz o ritmo de agravamento do quadro, mas está longe de resolver a questão previdenciária brasileira. O fato é que se nada for feito, o déficit vai crescer bastante e a chance de inadimplência será elevada. Costumo dizer que a demografia conspira contra nosso regime de repartição. É simplesmente insustentável, ainda que haja espaço para melhoria, como aqueles pontos que ficaram fora da reforma de 2019. Se não encararmos a realidade de que é necessário implementar o quanto antes um sistema em pilares, estaremos fadados a quebrar a previdência.
(Continua…)
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Fonte: Abrapp em Foco, em 05.04.2024.