Por Voltaire Marensi (*)
Foram julgados recentemente, quer em grau de admissibilidade de recursos especiais, quer através dos ministros componentes do Superior Tribunal de Justiça, alguns processos que subiram à Corte pertinentes a matérias que tratavam da forma como uma notificação tem efeito ope legis, na situação em que o devedor fiduciário estaria inadimplente em relação ao seu credor.
Faço esta ligeira introdução para constatar, a meu sentir, a mesma regra que se passaria no contrato de seguro a teor da súmula 616 do STJ, que diz:
“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”.
A pergunta que me ocorre é a seguinte: Poderia a seguradora comunicar previamente por intermédio de e-mail seu segurado?
Em situação semelhante julgada através do Aresp número 1.346.219/SC foi realizada notificação via e-mail, ocasião em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que se exige a comprovação da mora mediante a notificação extrajudicial do devedor, efetuada por meio de carta registrada, enviada por Cartório de Títulos e Documentos, e entregue no domicílio do devedor, sendo desnecessária a notificação pessoal.
Em outro caso, vale dizer, no Aresp 1.358.819, aquele Tribunal assentou que “embora o e-mail tenha sido enviado ao endereço eletrônico fornecido pelo devedor no contrato, evidentemente, não veio acompanhado do necessário aviso de recebimento, devidamente assinado, não se prestando para tal fim, a mera declaração de envio e recebimento. Não houve, portanto, a regular constituição em mora do devedor, sobretudo a teor do artigo 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969.”
É verdade que nestes dois processos acima ventilados a matéria diz respeito, como salientei no preâmbulo deste ensaio, ao instituto da alienação fiduciária em que se destacou como um dos seus corifeus o saudoso jurista baiano Orlando Gomes.
Impende sublinhar que no debate do tema se destacou que se caracterizaria a mora, diante da falta de comprovação de notificação extrajudicial, cuja tentativa se deu em desacordo com as disposições insertas no Decreto-Lei nº 911/69, porquanto remetida via e-mail, inexistindo, portanto, pressuposto indispensável ao desenvolvimento regular e válido do processo, ensejaria, a rigor, a extinção da ação sem julgamento de mérito.
Em sentido diverso, todavia, na mesma linha do entendimento manifestado em acordão recorrido, se faz oportuna a referência aos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. MORA DO DEVEDOR. COMPROVAÇÃO. ENVIO DE E-MAIL. INVALIDADE. FORMA NÃO PRESCRITA EM LEI.
Resp 1.863.285/SC, Rel. Ministra Fátima Nancy Andrighi, publicado no DJe de14/08/20.
Na mesma toada se colhe a seguinte ementa:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ENDEREÇO INDICADO NO CONTRATO. ENVIO. CONSTITUIÇÃO EM MORA. ENTREGA NÃO COMPROVADA.
HARMONIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. AgInt no Resp 1.861.436/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA. DJe 12/06/2020”.
Destarte, penso adequado e inteiramente pertinente que em se cuidando de contrato de seguro é de bom alvitre que o segurador promova, quando no atraso do pagamento do prêmio por parte do segurado, uma comunicação, rectius, uma Notificação/Interpelação judicial nos termos do artigo 726 do Código de Processo Civil, que diz:
“Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito”.
A comunicação tem o efeito de alcançar um efeito pragmático de que, de fato, o segurado tome ciência inequívoca de que não se trata de qualquer ato jurídico vedado em lei. Ao revés.
Todavia, a publicidade e a autenticidade deste documento poderão ser efetivadas, a meu pensar, até por meio extrajudicial, desde que o interessado/segurado purgue a mora e seja devidamente informado de sua inadimplência junto à seguradora que acoberta seus riscos.
E mais: como o prêmio é elemento básico e essencial para a cobertura do risco sua satisfação deve ser exteriorizada com a mais ampla publicidade para que não haja, eventualmente, qualquer vício que possa acoimar o negócio jurídico formalmente contratado entre as partes devidamente interessadas naquele contrato-tipo, também conhecido como de adesão e, modernamente, como típico contrato relacional aonde subjaz os princípios básicos daquele instituto jurídico previsto na legislação substancial e também em leis extravagantes que devem, de sua vez, ser aprimoradas e codificadas para melhor interpretação de seus clausulados.
Enfim. A comprovação da entrega da comunicação/ notificação é elemento indispensável para que o segurador prove que o segurado não honrou com sua obrigação e, dessarte, assim procedendo perca sua oportunidade para estar devidamente acobertado pelo risco contratado.
É o que penso, s.m.j.
(*) Voltaire Marensi é Advogado e Professor.
Porto Alegre, 26/04/2023.