Empresas economizam com “pejotição” de contratos,
mas causam prejuízos a médicos e pacientes
A pejotização de contratos na área médica tem levado à deterioração da qualidade dos serviços prestados à população e a terceirização tem forçado médicos a atuarem fora das suas atribuições. Esta é a avaliação do integrante da Câmara Técnica de Medicina do Trabalho do Conselho Federal de Medicina (CFM) José Carlos Duarte Ribeiro, que falou durante roda de conversa sobre medicina do trabalho e instituições estratégicas, no XI Fórum de Medicina do Trabalho na última sexta-feira (15), em Brasília.
Segundo Ribeiro, as empresas visam economizar recursos com essas modalidades de contratação, mas prejudicam os profissionais de saúde e os pacientes. “Nós, médicos do trabalho, devemos lutar contra isso. Para exercer a atividade com honra e dignidade, necessitamos de boas condições de trabalho e sermos remunerados de forma justa. Os médicos terceirizados também são colocados para realizarem atividades fora das suas atribuições; só que eles têm as mesmas responsabilidades daqueles contratados diretamente”, ressaltou.
Ele também destacou que o médico do trabalho atua na condução de atividades que promovem a saúde do trabalhador. “Atuei numa empresa que havia diversos processos de fadiga e desidratação de colaboradores pelo calor da Bahia em determinado período do ano. E o pessoal trabalhava com roupas sintéticas que diminuem a evaporação corporal. Diante da situação, nós trocamos energéticos por sucos de fruta e também por pedaços de fruta, para melhorar a oxigenação, e zeramos os casos de desidratação”, contou.
Iniciativa semelhante foi feita com o estabelecimento de home office para parte dos funcionários. “Nós traçamos o perfil de quem trabalharia de casa, estabelecendo critérios. Ninguém se tivesse qualquer tipo de relação conflitante em casa, por exemplo, ou diagnóstico de depressão – para não retirar a pessoa do convívio social. Começamos a proceder assim e visitamos cada casa para fotografar e corrigir o posto de trabalho domiciliar”, comentou.
O juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT 10) João Otávio Fidanza Frota também avalia que a maior parte dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais são evitáveis ou atenuáveis. Segundo ele, o País precisar tratar, em primeiro lugar, a cultura prevencionista. “O Poder Judiciário pode auxiliar na prevenção do acidente e da doença. Nosso papel é difundir a cultura de prevenção. Os tribunais têm de ajudar não só julgando processos, mas dialogando”, observou.
Na roda de conversa, o advogado do trabalho José Francisco de Araújo lembrou que o ordenamento jurídico evoluiu bastante nas últimas décadas. De acordo com ele, que atuou em uma grande construtora de Brasília nos anos 1980, muitos trabalhadores da construção civil se acidentavam, no período da manhã, por não terem tomado café da manhã antes do expediente e, no período da tarde, pela ingestão de álcool no almoço. “Eu sei o quanto é importante o cuidado com a saúde do trabalhador. Felizmente, as regras melhoram bastante”, explicou.
Apesar da melhora, o engenheiro de segurança do trabalho José Luiz Pedro de Barros lembrou que faltam médicos do trabalho ocupando cargo de auditor fiscal do Ministério do Trabalho. “Hoje, não chega a 10 a quantidade. E há uma previsão de que não haverá mais nenhum nos próximos anos. Assim, não tem como funcionar assim. Como um profissional não médico vai acessar um prontuário médico de algum trabalhador afastado, por exemplo?”, questionou.
Primeira conferência discute a importância da
puericultura para uma longevidade saudável
Na manhã desta sexta-feira (15), a primeira conferência do V Fórum Virtual de Pediatria do CFM abordou o tema “A importância da puericultura para a criança que vai viver até 100 anos”, amplamente discutido por Samir Buainain Kassar, membro da câmara técnica de pediatria do Conselho Federal de Medicina. “A Academia Americana de Pediatria recomenda que o paciente passe por trinta e duas consultas de puericultura até completar 21 anos. Isso mostra uma preocupação crescente com o desenvolvimento saudável da população”, afirma Kassar.
A puericultura – área da medicina que promove o cuidado com o paciente desde a infância até a adolescência – tem ganhado espaço à medida que doenças infecciosas e nutricionais foram controladas e a pediatria avança em cuidados preventivos e promoção de uma longevidade saudável. “Nosso papel será de mentor de saúde; é claro que continuaremos trabalhando para erradicar doenças que podem ser evitadas com profilaxia básica e vacinas, mas é preciso pensar além. O pediatra não deve apenas contribuir para a redução da mortalidade infantil, mas para que o paciente tenha uma vida saudável até a terceira idade”, complementa.
Áreas de atenção – o conferencista apresentou pesquisas que demonstram que epigenética materna e paterna influenciam na saúde do feto mesmo antes da concepção: fatores como abuso de álcool e drogas, exposição a poluentes, dieta inadequada e idade avançada podem produzir alterações transmissíveis às gerações futuras. Entretanto, a intervenção pediátrica nos primeiros mil dias de vida da criança pode minimizar tais efeitos.
Cuidado global – de acordo com o pediatra Samir Kassar, a consulta de puericultura deve começar desde o pré-natal, com o acompanhamento da gestante e orientação quanto a imunizações fundamentais, nutrição e hábitos diários. “Após o nascimento, a mãe precisa ser acompanhada para que saiba amamentar, alimentar, avaliar desenvolvimento motor do filho e consiga estabelecer vínculos afetivos e sociais de qualidade. É esse conjunto que garantirá que as crianças de hoje sejam adultos saudáveis e centenários”, finaliza Kassar.
Vidas serão salvas no futuro por trabalho em parceria
de médicos e máquinas, diz palestrante
“Seremos substituídos?”. Esta é uma pergunta muito comum que profissionais de diferentes áreas, incluindo médicos, fazem diante do avanço da Inteligência Artificial (IA). E o integrante da Comissão de IA na Medicina do Conselho Federal de Medicina (CFM) Francisco das Chagas Neto, que tratou do tema no XI Fórum de Medicina do Trabalho, fez questão de responder para acalmar os profissionais da saúde. Segundo ele, o médico estará sempre no comando e a IA é apenas uma ferramenta. “Mas os profissionais adaptáveis às novas tecnologias terão 60% mais chances de promoção na área”, ressaltou.
Na avaliação do palestrante, a IA é a maior alavanca já criada pela humanidade, que possibilita hoje a uma criança de sete anos colocar um comando, num Chatbot, e redigir um texto com praticamente a mesma qualidade de Machado de Assis. “Parece ser absurdo o que estou falando, mas isso já é verificado. A IA avança muito rapidamente. Estamos na primeira fase, muito boa e específica para uma única tarefa”, comentou.
Segundo Neto, em 2035 haverá a super IA, com promessas de descoberta de novas medicações para a longevidade humana, a cura do câncer, entre outras. “A IA consulta dados e a partir daí consegue gerar novos dados ou fazer previsões a partir deles. Hoje, já sabemos se um colaborador de uma empresa desenvolverá uma Lesão por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), se será afastado da sua escala, se pode desenvolver outros problemas e prevenir o que irá acontecer”, explicou.
O anestesiologista que estuda machine learning disse que isso já é extremamente comum em times de futebol, inclusive no Brasil. Com essas tecnologias, os clubes já conseguem prever se um atleta terá lesão muscular com meses de antecedência. “Então, quando a gente fala isso para empresas, muitos ficam assustados. Mas no mundo de alto rendimento esportivo já é realidade. Isso possibilita afastar o atleta dos campos por um período para evitar lesão. O mesmo raciocínio vale para as empresas e seus colaboradores. Se você investir R$ 50 mil em IA, o retorno será de R$ 350 mil a R$ 700 mil à sua empresa. A satisfação dos médicos é de 85%”, comentou.
Além da prevenção mental, também há como prever lesões físicas em fábrica de manufaturas, com cruzamentos de dados de biotipo, sexo e condições de saúde (sem tem diabetes ou não, etc.) dos trabalhadores com informações sobre horas trabalhadas, posição que trabalha e movimentos repetidos. Segundo ele, isso resulta na possibilidade de afastar ou antecipar férias do funcionário.
“Infelizmente, o Brasil ainda não tem uma cultura de que todas as decisões têm de ser baseadas em dados. Se você decide afastar ou contratar um colaborador, deveria se basear em dados, mas infelizmente apenas 3% dos dados no País viram insights. Ou seja, ainda temos um mundo para desenvolver a IA preditiva. Precisamos transformar os dados em prevenção”, alertou.
Seremos substituídos? O integrante da Câmara Técnica de IA do CFM disse que haverá problemas se a humanidade não atribuir para a máquina a função dela e homens e mulheres não fizeram a nossa parte. “Quando a gente fala em medicina, independente da especialização, a palavra mágica é conexão. A máquina não vai conseguir se conectar com o ser humano. A gente consegue. Se a gente for competir com um robô para fazer análise de dados, para dar diagnóstico, esqueça. Daqui a pouco tempo nenhum médico vai diagnosticar tão bem quanto à máquina. Parece absurdo alguém dizer isso. Mas é verdade. A máquina consegue avaliar bilhões de informações. Ela acessa 250 livros e lhe dá uma resposta em um segundo. Como tenho condições de competir com isso? Não tenho. Mas eu consigo me conectar com o paciente, passar confiança. E isso gera todo um ciclo”, disse.
Ele ressaltou que o médico do trabalho, assim como todos os demais profissionais da saúde, tem de fazer uma consulta digna, olhar no olho do paciente e se preocupar com as questões identificáveis para assinar, por exemplo, um atestado de saúde ocupacional. “Estamos robotizando ou negligenciando nosso contato com os pacientes? A gente tem que fazer uma consulta digna, olhar no olho do paciente, temos que nos preocupar com isso, pois a máquina não consegue”, finalizou.
Encontro debate impactos do burn-out na saúde
do trabalhador e ações para prevenção ao suicídio
A saúde mental do trabalhador brasileiro pautou os primeiros debates do XI Fórum da Câmara Técnica de Medicina do Trabalho do Conselho Federal (CFM). A discussão foi coordenada pelo psiquiatra e médico do trabalho Alberto Carvalho de Almeida, conselheiro federal pelo estado de Mato Grosso na gestão 2014-2019 e secretariada pelo também médico do trabalho Neimar de Souza, conselheiro regional do Conselho Regional de Medicina do Estado do Mato Grosso (CRM-MT), ambos membros da Câmara Técnica do CFM.
O evento foi trasmitido pelo canal do CFM no YouTube e pode ser assistido AQUI.
O debate teve início com uma apresentação sobre a síndrome de burn-out, conduzida pelo psiquiatra Estevam Vaz de Lima, perito oficial do Tribunal Regional de Trabalho da 2ª Região (TRT-2). Na palestra, o médico falou sobre as especificidades do diagnóstico do distúrbio emocional causado pelo estresse constante e excessivo no ambiente de trabalho e apresentou pontos de vista de estudiosos do tema, que indicaram o burn-out como transtorno específico do trabalho e a causalidade entre esse estado de exaustão física, emocional e mental causado pelo esgotamento profissional e a depressão.
Prevenção ao suicídio – “Falar sobre suicídio não incentiva ninguém a tirar a vida. Pelo contrário: falar pode salvar”. A opinião foi apresentada pelo conselheiro federal Flávio Freitas Barbosa, pós-graduado em Psiquiatria e membro da Câmara Técnica. Ele destacou a importância da atuação do médico na prevenção a esse ato extremo e considera o cuidado com a vida “um compromisso de todos”.
O palestrante destacou a importância do diálogo sobre o tema, “uma das principais causas de morte no Brasil e no mundo”, alertou o palestrante. Na apresentação, Flávio Freitas analisou mitos e verdades sobre o suicídio, entre elas a de que “falar sobre suicídio não coloca a ideia na cabeça de ninguém”, de que “quem ameaça se matar não está só querendo chamar atenção”, além da avaliação de que “pessoas que tentam suicídio muitas vezes querem parar de sofrer”.
O conselheiro indicou ainda as medidas necessárias para ajudar uma pessoa em sofrimento, como a escuta com respeito e sem julgamentos, a atenção a qualquer ameaça de suicídio, o auxílio à pessoa para que procure ajuda profissional ou serviços de amparo em casos de emergência, como o Centro de Valorização da Vida (CVV) e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
Mesa-redonda discute desafios e estratégias para promover
a saúde mental de pediatras
A palestra “prevenção do burnout em pediatras” abriu a rodada de mesas-redondas do V Fórum Virtual de Pediatria do CFM, nesta sexta-feira (15). O médico Cláudio Orestes Britto Filho abordou os principais fatores estressores que podem levar o pediatra à estafa. “Longas jornadas, plantões noturnos, falta de autonomia e de apoio psicológico, somados a condições precárias de trabalho e dificuldade de conciliar vida profissional e pessoal podem desencadear o adoecimento físico e psicológico”, afirma.
De acordo com Orestes, os sintomas tendem a se acentuar em pediatras mulheres. “Com frequência, essas médicas sofrem assédio moral e sexual de seus superiores, além de muitas serem chefes de família, o que as sobrecarrega ainda mais”. A consequência, segundo o médico, seria um alto índice de depressão, burnout e até suicídio.
Prevenção – a palestra demonstrou que o estresse extremado pode ser evitado com a adoção de medidas individuais e institucionais: cada pediatra deve estabelecer uma rotina saudável e, sempre que possível, contar com uma rede de apoio. Do ponto de vista das instituições, é fundamental que haja programas de apoio emocional, além de garantir condições adequadas de trabalho. “Por fim, é preciso que o próprio pediatra saiba reconhecer suas fragilidades e procurar ajuda”, conclui Cláudio Orestes.
Logo em seguida, foi a vez de Adelma Alves de Figueirêdo palestrar a respeito de práticas de autocuidado para pediatras e a construção de ambientes de trabalho saudáveis. Coordenadora da região norte da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Adelma relatou o que vive e o que ouve dos colegas de prática pediátrica. “Há um imaginário coletivo de que nós somos infalíveis e estamos sempre dispostos a nos colocar em segundo plano, suportar qualquer dor; essa máxima adoece o profissional de saúde”. Entre as estratégias para dirimir o estresse no ambiente de trabalho, Adelma Alves de Figueirêdo propõe que o pediatra saiba hierarquizar suas prioridades em âmbito físico, social e profissional. “Cada um tem seus pilares. Todos devemos criar estratégias para atingi-los, pois é isso que nos manterá fiéis às nossas escolhas”, conclui.
Ao final, todos os palestrantes e conferencistas foram convidados a responder perguntas enviadas por espectadores que acompanharam a mesa-redonda por meio de transmissão on-line.
Fonte: Portal CFM, em 18.08.2025.