Coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB participa de audiência pública sobre o uso de cigarros eletrônicos por crianças e adolescentes e destaca efeito viciante do vape
O coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. Ricardo Meirelles participou na tarde desta terça-feira (6), de audiência pública realizada por meio da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados para discutir sobre a utilização de cigarros eletrônicos por crianças e adolescentes. O debate foi proposto pelo deputado Allan Garcês, que é contrário à legalização dos cigarros digitais.
Durante sua apresentação sobre os danos do cigarro eletrônico para a saúde, maior dependência de nicotina e a ação da nicotina no cérebro de crianças e adolescentes, Dr. Ricardo destacou o efeito viciante e o uso precoce de vapes por parte dos adolescentes brasileiros. “Os fumantes de cigarro digital, sobretudo os adolescentes, são os mais afetados pela dependência da nicotina, por estarem em uma etapa de amplo desenvolvimento das funções cognitivas”.
Ainda segundo Meirelles, a dependência nessa fase inicial da vida prejudica o desenvolvimento do jovem em atividades de aprendizagem, já que a nicotina altera o funcionamento cerebral, com o aumento da ansiedade e dos déficits de memória e de atenção.
Também estiveram presentes no debate representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, especialistas em Educação Médica e Avaliação Profissional, de instituições de ensino superior com cursos de Medicina e de associações de estudantes de Medicina.
VEJA – Artigo: OAB da medicina: “Primeiro, os pacientes. Os médicos que se preparem melhor”
A última edição da Demografia Médica no Brasil, realizada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, aponta que o país passa por um crescimento vertiginoso no número de médicos em atuação.
Hoje, são quase 600 mil p rofissionais, marca que será ultrapassada ainda este ano. E as projeções apontam tendência é de alta por pelo menos mais uma década.
Parece algo a se comemorar, certo? Mas, na verdade, a qualidade da formação destes profissionais preocupa, alerta César Eduardo Fernandes, presidente da AMB, em entrevista à VEJA SAÚDE.
A entidade defende a realização de um exame de proficiência para os graduandos e formandos em Medicina, nos moldes do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A prova, chamada de “OAB dos médicos”, está sendo discutida em um projeto de lei que tramita no Senado.
Abaixo, Fernandes explica o posicionamento e comenta outros destaques da pesquisa, como a expansão das escolas de medicina, a porcentagem de médicos especialistas e desigualdades na distribuição de profissionais pelo país.
VEJA SAÚDE: Houve um aumento expressivo no número de médicos no Brasil nos últimos 10 anos. Esse crescimento é positivo?
César Eduardo Fernandes: Tenho duas leituras sobre esse dado. Primeiro: será que precisamos de mais médicos? Em números absolutos, estamos bem. Nossa razão de médicos é de 3 profissionais para cada mil habitantes, maior do que Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.
Mas ainda temos áreas que são vazios assistenciais, e temos que promover acesso ali. Só que não é formando mais médicos que resolveremos esse problema.
Em algumas regiões, o mercado já está até saturado, enquanto em outras faltam profissionais. E eles não vão a essas áreas porque não há atratividade.
Todas as políticas de saúde dos últimos governos foram de contratação por caráter efêmero, mas é preciso criar uma política de estado, de provisionamento de médicos, para que ele se fixe no local e construa uma carreira. E isso inclui também oferecer condições para o bom exercício da profissão, com estruturas adequadas, boas equipes de enfermagem, remuneração justa…
As pessoas confundem medicina com sacerdócio, mas o médico é um profissional, que vai trabalhar em locais onde possa exercer suas competências.
E qual é a segunda leitura sobre o aumento do número de médicos?
Me preocupa a velocidade e a fúria na formação de novos profissionais. Em breve, teremos um número excessivo de médicos – imagina-se que, em 10 anos, serão 5 por habitantes –, e médicos muito mal preparados.
São médicos que estudam em escolas onde faltam docentes, falta campo de ensino, que também cresceram significativamente. E o médico não se forma assistindo vídeos ou fazendo provas, mas sim atendendo pacientes, tendo contato constante com os professores. E isso falta nestas escolas.
Até por isso, defendemos o exame de proficiência médica. Do jeito que está hoje, a pessoa sai da faculdade com o certificado de conclusão de curso e já ganha seu registro profissional, e está, portanto, habilitado legalmente a atender pacientes. Mas não sabemos a qualidade desta formação.
Como avalia a expansão dos cursos de medicina? É necessário seguir abrindo faculdades e vagas?
Temos 440 escolas de medicina, mais 95 escolas autorizadas a abrir, em municípios pequenos, e cerca de 190 com processo judicial com ganho de causa.
Ou seja, chegaremos em breve a mais de 700 escolas de medicina, o que é um descalabro total. O Brasil já é o segundo país com mais escolas médicas do mundo, só perde para a Índia, que tem 600, mas com uma população 6 vezes maior que a nossa.
Isso começou com uma ideia provavelmente boa, de aumentar a disponibilidade de médicos no país, mas se perdeu com o tempo e muitas destas instituições viraram grandes negócios. É preciso haver regras mais rígidas.
Como a qualidade destas instituições é aferida?
Essa é uma responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem uma iniciativa sem peso legal de avaliação, mas não é punitiva e não tem braços para fazer todo o trabalho. Entre 10 e 15 escolas são avaliadas por ano. Na AMB, também não temos instrumentos para isso.
Mas é certo que o MEC precisa criar um mecanismo de fiscalização com consequências, como restrição de vestibular, de abertura de vagas, caso a escola não atenda aos requisitos de qualidade.
A última avaliação do Enade [Exame Nacional de Avaliação de Desempenho de Estudantes] mostrou que 25% das escolas médicas são consideradas ruins. E o que acontecerá com elas? Nada.
A Demografia Médica aponta que 60% dos médicos possui registro de especialista e 40% não. Como o senhor avalia essa taxa?
O problema é que o médico generalista hoje não sai da faculdade pronto para atuar. Hoje ele é um médico sem formação adicional nenhuma.
Já 60% de especialistas a princípio é um bom número, o ponto é que não estão bem distribuídos. Há uma carência significativa em cidades menores e estados mais carentes.
Além disso, precisamos aumentar as vagas e melhorar a qualidade da residência médica, que forma os especialistas. Hoje, ela é avaliada por uma Comissão Nacional de Residência, que no momento não tem o aparato necessário para fazer a fiscalização.
A palavra de ordem diante disso tudo é qualidade. Falamos muito de números hoje, mas não discutimos a qualidade, que não está bem aferida. Será que os tantos especialistas que temos são de boa qualidade? Não sei, não medimos isso.
Qual a visão da AMB sobre a “OAB dos médicos”? Como ela deveria funcionar?
Somos a favor. Há duas possibilidades: fazer um exame de proficiência para todos os egressos de Medicina, ou uma avaliação seriada ao longo do curso. Isso deve ficar a cargo do MEC.
Idealmente, seria a mesma prova para todos os estudantes do Brasil, feita por uma instituição independente, e uma avaliação prática também, da relação médico-paciente e das condutas do profissional.
O projeto de lei atualmente em tramitação no senado é bom, mas precisa ser melhor discutido. E há muita gente contra ele, achando que a medida “ataca o médico recém-formado”. Mas coitado é o paciente, que será atendido por um profissional que não tem as competências necessárias.
Primeiro, o paciente. E o médico que se prepare melhor para refazer seu exame se necessário.
Qual é o impacto para a saúde da população do aumento de médicos mal formados? Isso tem relação com a desinformação propagada por alguns profissionais?
Não sei se há uma conexão. Se é um problema na formação que faz o médico veicular informações falsas ou se é uma pessoa que tem vícios éticos, então não posso dar essa resposta. Mas, de todo modo, é recriminável que médicos procedam deste modo.
Agora, o profissional mal formado pode ter muito mais dificuldades reais para estabelecer diagnósticos corretos, e atrasar tratamentos que poderiam oferecer mais qualidade de vida ao paciente.
Além disso, ao fazer diagnóstico equivocados, ele irá oferecer tratamentos equivocados, pedir mais exames, onerar o sistema de saúde… Então certamente a má formação médica pode oferecer riscos à população.
Fonte: AMB, em 07.05.2025.