Por Voltaire Marenzi (*)
Um caso curioso foi objeto de divulgação no site datado de 11/07/25, estampado no informativo diário do Sindsegrs, destacado pelo Centro de Qualificação do Corretor de Seguros – CQCS – que trouxe a seguinte notícia: “Motorista toma Zolpidem, esquece trajeto e perde seguro por “apagão de memória.”
Segundo o relato da sobredita reportagem, “um trajeto de volta para casa terminou em acidente e em uma longa disputa judicial. O caso aconteceu durante a madrugada, na Rodovia Anhanguera, onde uma motorista colidiu com a defensa lateral da pista. O carro ficou destruído e a segurada, que havia autorizado a condutora a dirigir o veículo, buscou a indenização junto à seguradora. A cobertura, no entanto, foi negada.
A razão da negativa da indenização securitária determinante seria o uso do medicamento controlado Zolpidem, prescrito como indutor do sono. Segundo a própria condutora, ela havia ingerido o remédio antes de sair de casa, e sequer se lembrava do momento em que passou por um pedágio”.
A discussão, prossegue a reportagem, foi parar na Justiça de Limeira, interior de São Paulo. A segurada alegou que o uso da medicação não teve relação direta com o acidente e sustentou que não houve agravamento do risco. Disse ainda que a motorista estava lúcida no atendimento médico e que a perda da direção foi a verdadeira causa do acidente.
A empresa de seguros, por sua vez, afirmou que a negativa da indenização foi legítima calcada em cláusula contratual. Destacou, ainda, que a condutora relatou, em sindicância realizada após o acidente, ter tomado o medicamento na noite dos fatos e que, segundo informações médicas, o Zolpidem causa “apagão de memória”.
A negativa da seguradora, teria sido baseada na cláusula 6.1.1, alínea ‘n’, das Condições Gerais do seguro automóvel, que exclui cobertura quando o condutor estiver sob efeito de medicamentos contraindicados para condução de veículos. Sustentou, outrossim, que houve “agravamento intencional do risco, nos termos do art. 768 do atual Código Civil, afirmando que a própria condutora “correlacionou o uso do medicamento com o acidente”.
A seguradora também alegou que a bula do Zolpidem “expressamente adverte sobre sonolência, redução do estado de alerta e contraindicação para condução de veículos”.
Na sentença, o juiz Rilton José Domingues, da 2ª Vara Cível daquela Comarca, reconheceu em sentença prolatada no dia 4/7, que houve vínculo entre o uso do medicamento e o acidente. Segundo ele, “a condutora declarou, conforme teor de áudio […], que, no dia dos fatos e no período da noite, fez o uso do medicamento Zolpidem”. E acrescentou: “A própria condutora informa que, em esclarecimento prestado por médico, foi informada de que o medicamento causa ‘apagão de memória’, afirmando que sequer se recorda do momento em que passou pelo pedágio”.
Para o magistrado, “tal condição reduziu significativamente a percepção e reflexos da condutora, o que contribuiu para a ocorrência da colisão”. E concluiu que “a recusa da seguradora ré é justificada baseada em cláusula contratual e no artigo 768, do nosso Código Civil”.
O pedido de indenização securitária e de danos morais foi julgado improcedente.
Na análise que dissertei em relação à Seção XII da Nova Lei de Seguro, formatado em livro digital, recentemente publicado, registrei:
“O sinistro, no contrato de seguro, é a materialização do risco previsto, sendo o fato gerador do dever de indenizar do segurador. Sua caracterização exige a análise das condições contratuais, especialmente os riscos excluídos. Ou, melhor ainda:
“Rischio assicurato è invece quella ou quelle possibilità di evento che sono contemplate dal contrato o, in mancanza, dalla legge, come coperte dal l’ assicurazinone, sai nella loro nature, sia nelle loro delimitazioni causali, spaziali e temporali”.
Em lapidar síntese o jurista italiano, referia-me a Antigono Donati, arrematou: “Un contrato di assicurazione non può coprire tutti i rischi che incombono sulla sfera economica di una persona, ma soltanto uno o più rischi determinati o il complesso dei rischi che incombono per un’ attività determinata”.
Pois bem. Neste pensar, diz a nossa Nova Lei:
“Ao tomar ciência do sinistro ou da iminência de seu acontecimento, com o objetivo de evitar prejuízos à parte seguradora, o segurado é obrigado a:
I - Tomar as providências necessárias e úteis para evitar ou minorar seus efeitos;
II - Avisar prontamente a seguradora, por qualquer meio idôneo, e seguir suas instruções para a contenção ou o salvamento;
III - Prestar todas as informações de que disponha sobre o sinistro, suas causas e consequências, sempre que questionado a respeito pela seguradora.
Em verdade, nosso atual Código Civil, que será revogado integralmente na parte que se refere ao contrato de seguro, quando passar a viger a nova lei de seguros disciplina esta matéria dentro de suas Disposições Gerais, tratando atualmente, de modo lacônico, o agravamento do risco.
O Código Civil ainda vigente no Capítulo XV, quando trata dos contratos em espécie, preceitua em seu artigo 768, que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.
A nova norma, de modo mais claro e objetivo, visando proteger o equilíbrio contratual evitando comportamentos abusivos por parte do segurado, dispõe em seus três incisos supra referenciados medidas a serem seguidas pelo segurado, estabelecendo obrigações para impedir prejuízos à seguradora.
Foi, em resumida síntese, o que não aconteceu no caso relatado resultando, por consequência, a perda da garantia segurada nos exatos termos da decisão em comento.
(*) Voltaire Marenzi é Advogado e Professor.
Porto Alegre, 13 de julho de 2025