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Lições com o acidente do navio Log In Pantanal – a importância do seguro

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Por Aparecido Mendes Rocha (*)

Aparecido Mendes RochaO acidente

O acidente de navegação envolvendo o navio porta-containers Log In Pantanal (IMO 9351799), ocorrido na madrugada do dia 11.08.2017 no Porto de Santos, causou perdas expressivas e prejuízos aos proprietários das cargas embarcadas, ao Armador, e possivelmente ao meio ambiente. Consequentemente, outros intervenientes com participação direta ou indireta ou que possam ter influência e contribuído para ao causa da origem do acidente poderão ser responsabilizados solidariamente.

Enquanto o navio estava fundeado na área de ancoragem do porto de Santos, onde os navios esperam uma vaga no cais, 47 contêineres que estavam no convés da embarcação deslocaram-se de suas posições e caíram ao mar. Outros 31 contêineres que estavam estivados nas bays 14 e 34 tombaram e as mercadorias neles contidos podem estar avariadas. Com a queda, alguns contêineres acabaram abertos e os produtos que transportavam se espalharam pelo mar.

O Log In Pantanal operava em cabotagem, em on-forwarding de importação, recebeu em transbordo 252 contêineres descarregados dos navios CSAV TOCONAO (Viagem 3) e SANTOS EXPRESS (Viagem 727W), que traziam mercadorias embarcadas em portos chineses. No dia anterior ao acidente, foram embarcados outros 341 contêineres no Terminal da Embraport, e a viagem seguiria para a entrega das cargas nos portos do Rio de Janeiro e Vitória.

O navio Log in Pantanal foi construído em 2007, tem capacidade nominal para 1.700 TEUS e 23.821 tpb. A Armadora proprietária da embarcação é LOG-IN INTERNATIONAL GMBH (Alemanha), gerenciada pela empresa brasileira LOG-IN Intermodal S.A.

Investigação

Por motivo ainda a ser esclarecido, o Log In Pantanal teve que liberar o berço de atracação do Terminal da Embraport para a entrada de outro navio, ficando de retornar posteriormente para o complemento de suas operações. Enquanto o navio aguardava uma janela de atracação para operar na Brasil Terminal Portuário (BTP) ocorreu o acidente.

As investigações estão sendo conduzidas pela Capitania dos Portos de São Paulo, órgão da Marinha que fiscaliza a segurança da navegação no complexo marítimo. Dentre as possibilidades da causa e origem do sinistro, está sendo averiguado se a estiva dos contêineres estava de acordo com o “manual de deck” (deck operating manual), e se houve alguma desconformidade na estiva programada pelo Terminal, podendo este ser responsabilizado por alguma atitude que tenha contribuído para o acidente. A previsão para a conclusão do inquérito administrativo pela Autoridade Marítima para apurar as causas e responsabilidades pelo acidente é de 90 dias.

Responsabilidades

No dia 15.08.2017, o comando de bordo do Log In Pantanal ratificou o protesto marítimo na 2ª Vara Cível da Comarca de Santos (processo nr 1022879-54.2017.8.26.0562), alegando que o acidente ocorreu por motivo de força maior. O acidente foi descrito como ocorrido em duas etapas, por volta de 01h20 e 02h53, e causado quando ondas de 3.5/4.5 metros atingiram a embarcação que adernou em 25º, provocando a queda dos 47 contêineres ao mar.

No protesto consta que “uma vez que a tripulação, sob o comando do Requerente, tomou todas as medidas cabíveis e possíveis, antes e durante o evento, bem como considerando que o sinistro foi causado por força maior, irresistível, e na magnitude que se apresentou, imprevisível, foi lavrado o devido protesto marítimo ainda a bordo da embarcação – que ora se pede ratificação”.

Nas alegações do comando constam ainda que, “ diante do ocorrido, temendo a possibilidade de ter havido outros danos à carga e/ou ao navio, a fim de resguardar sua responsabilidade, bem como a de seus principais e demais interessados na expedição marítima, o Requerente lavrou a competente Nota de Protesto a bordo contra quaisquer danos ao navio e/ou à carga resultante do mau tempo sofrido, bem como efetuou os respectivos registros no Diário de Bordo”.

A tentativa do Armador de atribuir o evento como de força-maior muito dificilmente prevalecerá, devido aos fortes indícios de má estiva e peação (fixação da carga nos porões ou conveses da embarcação, visando evitar avaria pelo balanço do mar), e principalmente pelo fato de não ter sido registrado evento climático excepcional (irresistível e inesperado). A Marinha do Brasil, por intermédio do inquérito em curso, determinará a causa e responsabilidade pelo acidente, analisando a possível interferência de fatores “humano, operacional e material”.

Do ponto de vista da analogia, é fato que nenhum dos 24 navios que aguardavam em área de fundeio na barra de Santos reportou qualquer dano significativo.

Logo após o acidente, a Log-In iniciou uma varredura no fundo do mar para identificar e remover cargas que tenham caído do navio. Os trabalhos continuam sendo realizados em uma área com cerca de 47 quilômetros quadrados submarinos. Até agora foram localizados 18 contêineres e os procedimentos para resgate já começaram a ser planejados.

Ainda no âmbito da responsabilidade civil, a investigação mostrará se houve alguma atitude ou orientação do Terminal que pudesse ter influenciado para o acontecimento da tragédia, e se confirmado algum arranjo nesse sentido, a configuração do sinistro poderá ter um novo contexto e mais de um culpado.

Seguros envolvidos

Sempre que um acidente marítimo ocorre, desperta atenção para a importância do seguro. Esse episódio com o Log In Pantanal envolve diferentes tipos de seguros, tais como: seguro para cobrir os danos à embarcação; garantia do P&I para a responsabilidade civil do armador por danos às cargas e a terceiros, incluindo danos ao meio ambiente;  seguro de transporte internacional para os proprietários das cargas; seguro de responsabilidade civil e erros e omissões para os agentes de cargas/NVOCCs; e o seguro de responsabilidade civil do terminal portuário.

Seguro da embarcação – Eventuais danos ao navio poderão ser cobertos pelo seguro de casco marítimo que é contratado com seguradoras especializadas (Hull Underwriters) e resseguradores internacionais que oferecem cobertura para o casco do navio, motor e maquinário. Pelas informações noticiadas, o navio também foi avariado e os custos da reparação estarão cobertas pelo seguro do casco contratado.

P&I – Garante os riscos de responsabilidade civil de natureza acidental de danos materiais causados pelo navio por: colisão a outra embarcação; danos provocados ao cais, docas, equipamentos ou instalações portuárias por choque; danos às cargas transportadas; lesão corporal de membros da tripulação e passageiros enquanto na embarcação; poluição ambiental; e, riscos de guerra. Os sinistros amparados pelo P&I são rateados entre todos os membros do clube. Logo após o acidente, representantes do P&I Club do Armador – Steamship Mutual, pertencente ao International Group, foram enviados ao porto de Santos para avaliar as condições do Log In Pantanal e das demais cargas que não se perderam no acidente. P&I Club (Protection and Indemnity) funciona como seguradora, mas não é seguradora, é um sistema de mutualismo formado pelos armadores e donos de navios. O P&I será responsável pelo pagamento dos prejuízos à armadora do navio (Log-In), já que esta muito possivelmente será responsabilizada em ressarcir os custos de todas as cargas perdidas com a queda dos contêineres no mar e as cargas avariadas nos contêineres que tombaram dentro do navio. Não há previsão para o ressarcimento, mas certamente não será rápido e dependerá das investigações e do inquérito instaurado pela Capitania dos Portos de São Paulo. A Autoridade Marítima deve indicar se o acidente aconteceu por uma falha na estivagem da carga, por algum problema do navio, ou ainda por influências externas.

Seguro das cargas – Para os donos das cargas transportadas, existe o seguro de transporte internacional com cobertura contra os riscos de perdas e danos de causa externa às mercadorias, como acidente, avaria particular, molhadura, incêndio, explosão, extravio e roubo, avaria grossa, operações de carga e descarga, entre outros riscos. Pela lista divulgada dos contêineres que caíram no mar e os que tombaram dentro do navio, já se sabe que alguns estavam sem seguro. Dessa forma, para esses importadores sem seguro, só resta fazer a reclamação contra o Armador, e dependendo de seu posicionamento, entrar com uma ação de ressarcimento pelas perdas ou danos às cargas lhes entregue para transporte. Os importadores com seguro próprio devem acionar suas seguradoras e a indenização deverá ser feita no prazo de até trinta dias contados da entrega dos documentos exigíveis conforme estabelece o contrato de seguro. Na importação CIF (cost, insurance and freight), em que o seguro é contratado pelo exportador no exterior, a situação fica muito complicada, pois geralmente a cobertura do seguro termina com o desembarque no porto de destino, e no caso das mercadorias importadas e transportadas pelos navios procedentes da China, com passagem pelo porto de Santos e destinadas a outros portos brasileiros, a cobertura do seguro terminou com o desembarque no porto de Santos, exceto se foi incluído no seguro a cobertura adicional de transbordo.  O caso do Log In Pantanal poderia ainda ser pior se fosse decretado “avaria grossa”, pois nessa possibilidade seria cobrado de cada proprietário com cargas no navio, um percentual sobre o valor da carga e frete. As despesas com avaria grossa estão cobertas pelo seguro de transporte internacional e para quem embarcar sem seguro, além de amargar seu prejuízo ainda teria que contribuir com essa despesa extraordinária.

Seguro de responsabilidade civil para o agente de cargas e NVOCC  – De acordo com as leis brasileiras, os agentes de cargas respondem civilmente por perdas ou danos causados às cargas sob a sua responsabilidade, como também por perdas financeiras sofridas pelos seus clientes (importadores e exportadores). No entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o agente de cargas tem responsabilidade objetiva (independente de culpa) pela carga que lhe foi confiada para transporte, e é responsável civilmente por serviços da mesma natureza do transportador. Para a atividade de agenciamento de cargas, existe o seguro de responsabilidade civil e erros omissões que garante ao agente de cargas o pagamento ou reembolso das quantias que lhe forem impostas judicialmente em ações indenizatórias promovidas pelos proprietários das cargas e, em especial ações regressivas de ressarcimento das companhias de seguros. No caso do Log In Pantanal, os agentes de cargas com seguro de responsabilidade civil com cobertura para o ressarcimento dos prejuízos em caso de atribuição de responsabilidade, estão protegidos, e essa proteção lhes conferem mais credibilidade que outros que não oferecem essa garantia.

Seguro de responsabilidade civil do terminal portuário – Para a atividade dos terminais portuários, existe o seguro de responsabilidade civil com cobertura para danos materiais, corporais, perdas e ou custas decorrentes de riscos cobertos e causados a terceiros. No sinistro com o Log In Pantanal, na hipótese da confirmação no inquérito, de estiva inadequada orientada pelo Terminal, esse risco de imprudência estará amparado pelo seguro de responsabilidade civil do Terminal Portuário.

O seguro é a única certeza para evitar perdas financeiras em casos de acidentes, por esta razão, todas as empresas envolvidas na cadeia de transporte jamais devem atuar sem o seguro adequado a sua atividade.

(*) Aparecido Mendes Rocha é especialista em seguros internacionais.

Fonte: Blog do Rocha, em 29.08.2017.