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Investimento Responsável – Apenas o início de uma longa jornada

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Por Evandro Buccini e Victor Tâmega (*)

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Desde o acometimento da pandemia do COVID-19 no início de 2020, as discussões sobre investimentos responsáveis vêm ganhando enorme proeminência mundialmente, com destaque ainda maior no Brasil. Podem parecer perguntas simples, mas como explicar esse fenômeno? Será que existe uma relação entre uma crise generalizada de saúde pública e preocupações com mudanças climáticas e desenvolvimento de comunidades locais?

Antes de mais nada, faz-se importante citar que a abordagem ESG ao processo de investimento remonta ao final da década de 90 e início dos anos 2000 com o IFC E&S Performance Standards e os Princípios do Equador, respectivamente. Seus objetivos primazes eram identificar e gerenciar riscos de grandes projetos de infraestrutura de grande impacto ambiental e social de forma objetiva e pragmática, ou seja, a agenda ESG se originou com a preocupação de bancos de fomento em mitigar riscos e impactos na concessão de financiamento, estabelecendo benchmarks de determinação, avaliação e monitoramento destes riscos e impactos.

Além disso, o investimento responsável vai além do investimento sustentável. Aqui, sem a pretensão de estabelecer definições formais, o próprio PRI (Principles for Responsible Investments) defende que investir com responsabilidade integra o compromisso fiduciário ao investimento sustentável, buscando mitigar riscos ESG materiais com vistas a proteger o capital dos investidores, os asset owners.

Por fim, vale citar outros dois conceitos que vêm sendo usados com frequência nas relações entre investidores e investidas e intrinsecamente ligados ao investimento responsável: o capitalismo de stakeholders e o princípio de stewardship; o primeiro abarca todas as partes envolvidas – ou stakeholders – nas decisões de investimento, não se limitando a acionistas e credores, mas incluindo consumidores, colaboradores, fornecedores, a comunidade local e a própria sociedade como um todo através da inclusão de variáveis menos óbvias e diretas ao processo, como uso dos recursos com perspectivas intergeracionais (atual vis-à-vis o futuro), impactos ao meio ambiente e ao clima e desenvolvimento socioeconômico regional. Stewardship está diretamente ligado à pauta de governança e ao dever fiduciário, definido com agir com ética, diligência e cuidado na gestão dos recursos, sejam estes financeiros ou não.

Seguindo esta breve introdução, podemos voltar para as perguntas acima, afirmando que a pandemia acelerou as discussões sobre investimento responsável e a integração de aspectos ESG nas tomadas de decisões de companhias, gestores de investimentos e asset owners, além do sinal de alerta para o stewardship. Para se ter uma ideia, somente em 2020, o crescimento no número de signatários ao PRI foi de 28%, atingindo US$ 103 trilhões de ativos sob gestão no mundo, equivalente a 20% de aumento em US$. Ademais, atores dos mercados financeiros globais que antes não tinham participação agora aderiram, como agências de rating e grandes seguradoras e mutual funds. No caso brasileiro, o crescimento do número de signatários foi ainda mais impressionante, de 67%, chegando a 87 adesões em fevereiro de 2021 ante janeiro de 2020.

Muito se especula sobre o que teria causado esses números, este comportamento generalizado, e as razões mais plausíveis incluem os esforços governamentais em combater a pandemia, através dos vultosos pacotes de estímulos (EUA e o “Green Deal” europeu); os estímulos ao mercado financeiro capitaneados pelas agências multilaterais com os COVID-bonds e outras emissões e empréstimos temáticos com destaque para os sustainability-linked bonds. Além destes fatores mais óbvios, se analisarmos mais a fundo notaremos uma mudança de comportamento humano, cuja natureza se sensibiliza a choques de tamanha intensidade – como uma longa e séria pandemia, impulsionando a revisão de conceitos básicos de coletividade e interdependência humana, de consumo, uso de recursos e valores éticos e o engajamento naquilo que verdadeiramente acredita, questionando o status quo. Se a pandemia foi um grande catalisador desta mudança de postura humana, as mídias sociais e os smartphones foram a via de comunicação.

Portanto, analisando a situação de uma maneira ampla e superficial, temos a impressão de que os agentes econômicos respondem prontamente à demanda por maior integração e respeito a aspectos ESG nos processos de investimento, mas como será que empresas e gestores de carteiras estão se adaptando na prática?

Para aqueles que estão no dia a dia, o caminho é longo, com muitos obstáculos e dúvidas, principalmente às empresas menores, com menos recursos e orçamentos mais apertados e disputados. Grandes empresas, por outro lado, dispõem de meios e recursos para contratar e atraem equipes dedicadas ao estudo e execução das metas delineadas. É importante tomar precauções para evitar que a preocupação com os temas ESG possa prejudicar as empresas menores em detrimento das maiores.

A Rio Bravo, consciente das necessidades de adaptação a essa nova realidade, vem se transformando e investindo em formas efetivas de integrar aspectos ESG às suas atividades de gestão e administração de ativos. De forma prática, em 2020 desenvolvemos uma política ESG com princípios básicos e procedimentos a serem seguidos por toda a gestora. Fomos cuidadosos em permitir que diferenças nas classes de ativos e peculiaridades setoriais demandariam políticas e procedimentos específicos que seriam estabelecidos em políticas de cada área da gestora, mas que estaria sob a égide da política ESG master.

As questões de governança sempre foram parte importante do nosso processo de investimento. Em 2009, a Rio Bravo foi apontada como uma das três melhores gestoras brasileiras nas práticas de investimentos sustentáveis, segundo relatório da consultoria internacional Mercer encomendado pelo IFC, braço do Banco Mundial.

Para aprofundar a integração ESG aos processos de investimento, em novembro de 2020, a gestora deu um importante passo ao aderir ao PRI, consequentemente dando ampla publicidade ao comprometimento com a agenda. Além disso, junto a consultoria independente reconhecida, a Rio Bravo desenvolveu um processo proprietário de seleção, due diligence, monitoramento e relato de ativos de infraestrutura com conceitos dos Princípios do Equador, do IFC E&S Performance Standards e outros princípios internacionalmente reconhecidos. Este processo, junto a uma taxonomia própria para esta classe de ativos (termo emprestado da Biologia que define classificações e suas ramificações através de critérios bem definidos) é utilizada de forma integrada à análise tradicional de carteiras, de forma dinâmica e inteligente, o chamado best-in-class.

Ainda nas atividades de gestão de portfólios, a Rio Bravo se juntou em 2020 ao Investidores pelo Clima (IPC), uma iniciativa da SITAWI com apoio do Instituto Clima e Sociedade que busca, além de debater de forma prática o tema da mudança climática, conscientizar e liderar investidores a se utilizarem de mecanismos disponíveis para acompanhar a atuação de empresas e outros agentes quanto à agenda climática.

Por fim, também citamos nossas iniciativas na frente da diversidade, através da criação de um comitê de diversidade e na frente de ação social. No primeiro, a Rio Bravo reconhece o benefício de um ambiente diverso em todos os aspectos, incluindo gêneros, orientações, credos e etnias, ampliando o debate e enfraquecendo vieses do nosso inconsciente. Mas isso é só o começo de uma jornada que demanda profissionais capacitados e canalização de recursos, sejam estes financeiros ou humanos, além da quebra de paradigmas e períodos de adaptações e mudanças de culturas em todos os níveis da organização.

Adotar as melhores práticas de investimento responsável no processo de gestão de investimentos e na governança da Rio Bravo foi uma decisão muito discutida e que exigiu longa preparação. Temos convicção que estamos no início de uma longa jornada em busca de melhorar a mitigação dos riscos ESG nos nossos investimentos, nosso engajamento com as empresas investidas e o nosso impacto na sociedade. De forma prática e pragmática pretendemos colaborar para o debate do tema no Brasil e estamos abertos a aprender com os melhores exemplos. Acreditamos que podemos gerar retornos elevados de longo prazo para nossos investidores e melhorar a comunidade em que vivemos.

(*) Evandro Buccini é Diretor de Ativos Líquidos e sócio da Rio Bravo. Iniciou a carreira na área de multimercado e renda fixa da Rio Bravo em 2008. Em 2012 se tornou economista da empresa atendendo todas as áreas de gestão e clientes. Formado em Economia na FEA-USP, possui mestrado em Economia e Finanças pelo Insper.

(*) Victor Tâmega é Gerente de Infraestrutura da Rio Bravo. Economista formado pela FEA-USP, possui experiência de 16 anos em finanças corporativas. Atua há 11 anos no setor de infraestrutura, especialmente em projetos de energia elétrica e regulação. Possui também experiência com a aplicação de metodologias de rating de crédito para debêntures de infra no Brasil, cobrindo mais de BRL 2 bilhões em emissões na América Latina.

Fonte: Abrapp em Foco, em 08.06.2021