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Interpretação Restritiva das Cláusulas de Seguro: TJSP Reforça Exclusão de Danos Morais e Estéticos

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1 18082025Por Thiago Barbosa (*)

A discussão sobre os limites da cobertura contratual em seguros de responsabilidade civil veicular volta ao centro do debate jurídico com recente julgado proferido pela 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A decisão acolheu, por unanimidade, agravo de instrumento interposto pela seguradora, reconhecendo a validade da cláusula contratual que exclui expressamente da cobertura os danos morais e estéticos.

O caso reafirma uma diretriz consolidada na jurisprudência: as cláusulas contratuais de seguro devem ser interpretadas de forma restritiva, respeitando-se os riscos efetivamente predeterminados no contrato, conforme estabelece o art. 757 do Código Civil. A lógica é simples: o contrato de seguro exige objetividade e previsibilidade, uma vez que o valor do prêmio é calculado com base nos riscos efetivamente cobertos – e não em suposições ou expectativas posteriores à contratação.

No processo analisado, um terceiro prejudicado por acidente de trânsito buscava, em fase de cumprimento de sentença, o pagamento de valores correspondentes a danos morais e estéticos, com base na apólice contratada pelo causador do acidente. A seguradora se recusou a realizar o pagamento, alegando que esse tipo de cobertura não fazia parte do contrato, sendo expressamente excluído nas Condições Gerais da apólice.

Ainda assim, a decisão de primeiro grau determinou o pagamento parcial, entendendo ser possível a execução da indenização por danos estéticos, com base na cobertura por danos corporais prevista na apólice. A cobertura para danos morais também foi considerada admissível, diante da suposta vinculação ao mesmo fato gerador.

A controvérsia foi submetida à 27ª Câmara de Direito Privado no âmbito do Agravo de Instrumento nº 2064135-16.2025.8.26.0000, de relatoria do Des. Alfredo Attié, que reformou a decisão e deu provimento ao recurso. A ementa do acórdão sintetiza bem a tese adotada:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Decisão interlocutória que determinou a intimação da seguradora para pagar o saldo remanescente a título de danos estéticos. Impossibilidade. Cláusulas contratuais de seguro que devem ser interpretadas restritivamente, já que se referem à cobertura de riscos predeterminados, ‘ex vi’ do art. 757, caput, do Código Civil. Necessária observância dos limites da apólice e das condições gerais do seguro, que preveem cobertura por danos materiais e corporais, com exclusão expressa de danos morais e estéticos. Impossibilidade de utilização de uma indenização prevista para um evento específico para a cobertura ou complementação de outro risco. Indenização que é considerada para a fixação do prêmio. Recurso provido.” (TJSP – 27ª Câmara de Direito Privado, AI 2064135-16.2025.8.26.0000, j. 31/07/2025)

O relator foi claro ao afirmar que não se pode forçar uma cobertura contratual a se estender para além do que foi objetivamente contratado, ainda que a situação concreta possa gerar impacto físico ou emocional. Conforme ressaltado no voto vencedor, não é possível equiparar, por analogia ou extensão, os danos morais e estéticos aos danos corporais quando o contrato de seguro expressamente exclui tais coberturas. Trata-se de categorias distintas de dano, cuja indenização exige previsão autônoma e específica no contrato.

Esse entendimento está alinhado à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, especialmente à Súmula 402, segundo a qual o contrato de seguro por danos pessoais compreende danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão. É de se ressaltar que, na decisão analisada, o colegiado afastou-se um pouco da rigidez desse enunciado ao proclamar:

No que se refere aos danos estéticos, não obstante a divergência jurisprudencial a respeito da imprescindibilidade ou não da exclusão expressa na apólice, segue-se o entendimento desta 27ª Câmara no sentido de que é suficiente a exclusão da cobertura nas condições gerais do seguro quando obedecido o dever da informação clara e precisa, sendo este exatamente o caso em estudo.

Portanto, como a cláusula nas condições gerais era clara, destacada e acessível – atendendo, inclusive, aos critérios de transparência exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor – não seria de se exigir que a exclusão constasse da apólice.

A decisão reforça dois pontos essenciais para o equilíbrio das relações securitárias. Primeiro, que o seguro cobre apenas os riscos definidos de forma inequívoca no contrato. Segundo, que o fato de um terceiro ser o beneficiário da indenização não altera a necessidade de respeito aos termos da apólice contratada entre segurado e seguradora.

Em conclusão, o TJSP reafirma: danos morais e estéticos não são cobertos automaticamente em apólices de responsabilidade civil veicular. Se a cobertura não foi contratada – ou se há exclusão expressa –, a seguradora não pode ser compelida a indenizar, ainda que o pedido parta de terceiro lesado. A cláusula contratual deve prevalecer, respeitando os princípios da boa-fé, da legalidade e da segurança jurídica.

(*) Thiago Barbosa é Advogado formado pela Universidade Guarulhos, em 2007, com Pós-Graduação em Direito Tributário pela PUC-SP. Advogado Contencioso (Equipe Ré) no escritório Saraiva Advogados Associados.

(18.08.2025)