Buscar:

Inflação Controlada?

Imprimir PDF
Voltar

Enquanto o índice oficial parece pequeno, a variação na Saúde dispara por conta do crescimento de gastos em novas tecnologias, medicamentos e envelhecimento da população

A promulgação da Lei 13.003, em 2014, após anos de luta do movimento médico, trouxe importantes vitórias à classe, como a obrigação de contratos escritos entre as operadoras e os prestadores de serviços e o estabelecimento de reajustes anuais. A regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que se seguiu, entretanto, freou os ânimos: na falta de acordo na livre negociação entre as partes, o reajuste tem de ser baseado no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Como agravante, as operadoras de planos de saúde logo passaram a impor frações do IPCA para reajustar os contratos dos médicos. Também foi criado o mecanismo do fator de qualidade, com o qual as empresas ameaçavam reduzir honorários usando fracionamento das correções.

CONTESTAÇÃO JUSTA

Há dúvidas se o IPCA é o índice adequado para reajustar os honorários médicos. Isso porque o índice, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é uma medição ampla, que coleta mensalmente a variação dos preços de diversos itens além da saúde, como habitação, despesas pessoais, transportes, alimentação e bebidas, entre outros.

O setor de Saúde, porém, tem particularidades que fazem com que seus custos cresçam além da inflação oficial. A inovação tecnológica, por exemplo, é extremamente importante para salvar vidas, mas encarece a prática da Medicina. Além disso, o envelhecimento da população e a vinculação de muitos insumos e equipamentos ao dólar, que tem sua própria variação, também pesam.

Em janeiro de 2012, o dólar estava em R$ 1,87; já em janeiro deste ano, em R$ 3,31 – aumento de 177% nos últimos seis anos. O IPCA, neste mesmo intervalo, teve acumulado de aproximadamente 38%. Isso influencia diretamente o médico, conforme nos explica Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina. Segundo ele, todo o sistema funciona baseado na inflação da Saúde, com as operadoras reajustando suas mensalidades a partir do crescimento dos gastos hospitalares, em insumos etc. Os custos são repassados tanto para os usuários de planos individuais – que tiveram 13,55% de reajuste em 2017, contra 2,94% do IPCA no ano – quanto para os coletivos, cujos índices não são regulamentados pela ANS e ultrapassam 20% na maioria dos casos.

“Para a classe médica, porém, nunca se passa essa evolução de gastos, que também temos que arcar. No máximo, recebemos o IPCA. Por isso, na Comissão

Estadual de Negociação formada em 2012 pela APM, buscamos mostrar aos empresários que temos muitos anos de prejuízo sem recomposição de honorários e, além disso, estamos perdendo por recebermos reajustes abaixo da inflação que enfrentamos em nosso setor”, completa.

imagem apm 05042018

ÍNDICE EXCLUSIVO PARA A SAÚDE

Desde 2009, o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) – organização sem fins lucrativos que promove estudos de aspectos técnicos – publica o índice de Variação de Custos Médico- Hospitalares (VCMH). A medição leva em conta a variação dos custos de consultas, exames, terapias, internação, atendimento ambulatorial e outros, entregando uma inflação mais próxima da realidade na Saúde.

Amostra utilizada para o cálculo da VCMH representa aproximadamente 10% do total de beneficiários de planos individuais, distribuídos em todas as regiões do País. Além disso, o índice considera uma ponderação por padrão de plano (básico, intermediário, superior e executivo), possibilitando a mensuração mais exata da variação do custo médico-hospitalar. A metodologia é reconhecida internacionalmente e é aplicada na construção de índices de variação de custos em saúde, como o S&P Healthcare Economic Composite.

Os últimos dados divulgados da VCMH, por exemplo, de 2016, mostram 20,4% de aumento nos custos da Saúde, com maior crescimento em internação e consultas. Em comparação, o IPCA acumulado em 2016 foi de 6,28%.

Já o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe também é calculado com base nos custos de habitação, alimentação, transportes, despesas pessoais, vestuário, educação, saúde etc., mas realiza a divulgação separada por setor. No último ano, o acumulado do IPC-Fipe geral foi de 2,27%. Mas se considerarmos somente a categoria Saúde, a variação foi de 8,55%.

A Fundação Getúlio Vargas (FGV), por sua vez, divulga o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), que serve como indexador de tarifas, como a energia elétrica, e é utilizado muitas vezes para a correção de contratos de alugueis. “Há muitos indicadores de inflação no Brasil hoje, e é importante que os médicos elejam o que melhor reflete sua realidade, ou que algum dia consigam constituir um indicador próprio para valorizar adequadamente seu trabalho”, finaliza Marun.

INICIATIVA NA RADIOTERAPIA

Conforme divulgado na edição 694 da Revista da APM, de novembro de 2017, a Sociedade

Brasileira de Radioterapia iniciou, no último ano, um projeto de medição da inflação própria da área, a fim de reunir mais argumentos na discussão com os planos de saúde.

A entidade contratou uma consultoria profissional para auxiliar os especialistas a desenvolverem uma ferramenta própria de avaliação de custos. Foram elencados todos os recursos necessários para o funcionamento de serviços de Radioterapia, de acordo com as normas técnicas estabelecidas pelos órgãos governamentais, divididos nas categorias ativos, pessoal, serviços de terceiros e insumos.

A SBR realizou uma pesquisa de custos nacional, com questionários enviados a inúmeros serviços, em todas as regiões do País, para estabelecer um padrão inicial de custos e valores praticados. O intuito é monitorar daqui para frente, sendo este o ano zero. A partir das próximas medições, será possível que os radioterapeutas saibam exatamente quais os itens que estão encarecendo a sua atuação profissional.

Fonte: Matéria Publicada na Revista da APM - Edição 697 - março 2018.