Buscar:

Inadimplência do contrato de seguro x teoria do adimplemento substancial: Atrasei o pagamento do seguro e agora?

Imprimir PDF
Voltar

Por Mariana Peres (*)

Muitas são as dúvidas que pairam sobre os segurados, quanto ao direito do recebimento da indenização ou do capital segurado do seguro contratado em caso de sinistro, imagina então, estando inadimplentes com a seguradora?

Sim, essa situação é muito mais comum do que se pode imaginar. Pelas mais diversas razões, os segurados deixam de pagar na data de vencimento o prêmio que, é o valor pago à companhia de seguros, para ter a garantia contratada.

A ausência do pagamento do prêmio pelo segurado, pode ocorrer com ou sem culpa. Talvez a perda do emprego ou mesmo o esquecimento em pagar o boleto, assim como pode ocorrer com as demais contas do cotidiano, pode gerar o inadimplemento do contrato do seguro e assim, ocasionar na recusa da seguradora ao pagamento da indenização em caso de sinistro, que é a ocorrência do risco temido pelo segurado e coberto pelo seguro.

Por exemplo, no seguro de vida, um dos riscos cobertos pelo contrato é a morte, no seguro residencial, os riscos cobertos são os desastres naturais ou incêndios, estes dois são os imprevistos mais comuns. No seguro automotivo, o mais popular entre os brasileiros, os riscos garantidos são os mais básicos, roubo e danos materiais. Já o seguro viagem, cobre não só morte e invalidez, como atendimentos médicos no país de destino, caso algum incidente aconteça, além de coberturas adicionais que incluem auxílio em situações como extravio de bagagem e perda de documentos. Independente do seguro contratado, caso o segurado esteja inadimplente, a indenização do seguro não pode ser negada pelo mero atraso no pagamento do prêmio.

Então eu posso receber a indenização do seguro mesmo se o sinistro ocorrer no período de atraso do prêmio? Esse assunto é muito complexo, e somente poderá ser resolvido no âmbito judicial.

Isto porque, caso o segurado esteja inadimplente com a seguradora, e a mesma se recusar ao pagamento da indenização, será necessário o ingresso com uma ação judicial. Estando a ação em curso, será analisado o que chamamos de teoria do inadimplemento substancial. Esta teoria determina que, em um contrato de prestações ininterruptas, como é o caso de alguns tipos de contrato de seguro, o inadimplemento deve ser expressivo, ponderando o valor total da obrigação, para que seja possível a rescisão do pacto.

Nesse sentido, a teoria do adimplemento substancial explica que, se houve o cumprimento de 98% do contrato, não é razoável que seja rescindido porque a situação do segurado foi alterada, por exemplo.

É possível ainda, utilizar a referida teoria para quitar a parcela do prêmio que não foi paga antes da ocorrência do sinistro, com os encargos moratórios cabíveis, para o recebimento da cobertura indenizatória.

Os tribunais pátrios já possuem entendimento firmado de que o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio de seguro não resulta no desfazimento automático do contrato, desde que a seguradora tenha deixado de cumprir com a sua obrigação de interpelar o segurado. Ou seja, se o segurado foi notificado pela seguradora da sua constituição em mora, o contrato será cancelado, e o segurado perderá o direito ao recebimento de sua indenização, ainda que tenha estabelecido um adimplemento tão próximo ao resultado final (Teoria do adimplemento substancial).

O Superior Tribunal de Justiça consolidou que “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro.” (Súmula nº 616).

Essa, aliás, é a posição manifestada pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) na Circular n. 67, de 25.11.98:

“Art. 1º Para efeito de cobertura nos seguros custeados através de fracionamento de prêmios, no caso de não pagamento de uma das parcelas deverá ser observado, no mínimo, o número de dias correspondentes ao percentual do prêmio calculado a partir da razão entre o prêmio efetivamente pago e o prêmio devido, o, conforme tabela abaixo:

(...)

Parágrafo Único - Para os percentuais não previstos na tabela acima, deverão ser aplicados os percentuais imediatamente superiores.

Art. 2º O segurado poderá restabelecer os efeitos da apólice, pelo período inicialmente contratado, desde que retome o pagamento do prêmio devido, dentro do prazo estabelecido no art. 1º, sendo facultado à Seguradora a cobrança de juros legais equivalentes aos praticados no mercado financeiro.

Art. 3º Ao término do prazo estabelecido pelo art. 1º, sem que haja o restabelecimento facultado pelo art. 2º, a apólice ficará cancelada após a notificação do segurado, com antecedência mínima de quinze dias.”

Desta forma, se não houve a constituição em mora do segurado, por interpelação específica da seguradora, é devido o pagamento da indenização do seguro, ainda que, o pagamento da parcela do prêmio esteja em atraso, considerando a teoria do adimplemento substancial, da boa-fé objetiva, bem como da função social do contrato.

(*) Mariana Peres é advogada do MLA – Miranda Lima Advogados.

23 de Junho de 2020