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Franquia e coparticipação: APM e Defesa do Consumidor enviam carta à ANS

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A Associação Paulista de Medicina e órgãos de Defesa do Consumidor enviaram, na última quinta-feira (10), uma carta à Agência Nacional de Saúde Suplementar contendo cinco pontos de alerta sobre a possibilidade de cobrança de franquias e coparticipação dos usuários de planos de saúde.

A medida está em análise na ANS e preocupa a classe médica por conta das implicações negativas que pode gerar para os pacientes. Em 25 de abril, inclusive, a APM sediou uma entrevista coletiva à imprensa para alertar a sociedade sobre a situação, o que teve grande cobertura da mídia.

Confira a íntegra da carta a seguir.

Em 2017 a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) propôs, por meio de consulta pública, a revisão das regras hoje vigentes para franquia e coparticipação em planos de saúde, com a consequente revogação da Resolução Consu nº 8/98.

A proposta está atualmente em discussão interna no âmbito desta agência e dentre as medidas encontra-se o aumento do limite da coparticipação, a ampliação das condições para franquias serem aplicadas aos planos de saúde.

Acompanhando as discussões travadas dentro da ANS, entidades de defesa do consumidor e da saúde vêm a público levantar cinco preocupações sobre esses mecanismos, solicitando que a ANS sobre eles se manifeste.

A) Restrição de acesso a procedimentos e aumento da judicialização

A proposta colocada em Consulta Pública no ano passado aumenta o limite da coparticipação de 30% para 40%, bem como consolida entendimento de que a coparticipação pode chegar a 50% das diárias de internações psiquiátricas após o 30º dia.

Sabemos que a cobrança de altos valores pela utilização do plano, além do valor da mensalidade, torna o acesso aos procedimentos muito menor e não melhor ou mais racional. Segundo pesquisas recentes sobre o tema, verificou-se que a presença de fatores de regulação do uso do plano de saúde com altos limites não mudou o comportamento dos consumidores no sentido de fazê-los identificar os melhores serviços, mas, sim faz com que muitos consumidores de planos de saúde tenham que retirar parcela do orçamento dedicada a outras necessidades para pagar parte de seu tratamento, ou entrem em uma situação de endividamento.

Além disso, a proposta da Agência, de dar imunidade a alguns exames e consultas não se mostra suficiente para mitigar o risco de que as atividades de prevenção sejam prejudicadas. Essa discussão não foi abordada sob a perspectiva da assistência à saúde na Análise de Impacto regulatório elaborada pela ANS.

Ademais, a restrição de acesso aos procedimentos ou tratamentos, seja pela cobrança de franquia ou de percentuais elevados de coparticipação pode elevar os índices de judicialização na saúde suplementar.

B) Grande potencial de endividamento

Diferente do que acontece com carros, por exemplo, a saúde não pode ser deixada de lado. Assim, se um carro segurado com franquia é danificado, o consumidor que no momento não tiver condições de pagar a franquia pode postergar o conserto, protegendo-se contra endividamentos. O mesmo não ocorre com a sua saúde, em que tratamentos não podem ser negligenciados. Assim, o consumidor ou se endividará, ou recorrerá ao SUS, mesmo tendo plano.

Além disso, esses mecanismos retiram a previsibilidade dos pagamentos mensais feitos para o plano de saúde, uma vez que a mensalidade, acrescida do valor da franquia ou coparticipação, poderá variar.

Por fim, é preciso ressaltar que na Consulta Pública nº 60, realizada em abril de 2017, não havia sugestões para normativos que tratassem dos limites para exposição financeira. Contudo, embora não fossem uma preocupação do regulador naquela época, posteriormente esse tópico acabou sendo abordado, conforme se verifica de reportagem do Estado de São Paulo publicada em 17 de abril:

“Existem procedimentos que custam milhares de reais. Por isso, incluímos na norma um limite a ser pago vinculado ao valor da mensalidade, para que o usuário saiba o máximo que pagará por mês’, explica Rodrigo Rodrigues de Aguiar, diretor de desenvolvimento setorial da ANS. Os valores extras não seriam cobrados todos de uma vez no ano - seriam diluídos mensalmente, com teto restrito ao valor da mensalidade”.

No entanto, a proposta de novas regras para exposição financeira não passou por consulta pública, tendo sido acrescida após o encerramento desta, em discussão interna na Agência, e sem oportunidade para exercício da participação social.

Dessa forma, se faz necessário submeter essas regras novamente à Consulta Pública, nos termos do art. 11 da RN 242/2010 da ANS.

C) O consumidor não vai saber o que está contratando

Como as questões que envolvem a saúde não são previsíveis para o consumidor, este terá uma falsa percepção de que está assegurado por um plano de saúde, mas no momento de necessidade ele pode não conseguir arcar com o valor dos procedimentos, resultando no agravamento de sua saúde em patamar irreversível.

O modelo de franquia proposto e o aumento do limite da coparticipação dificulta a apreensão, pelo consumidor, do quanto ele terá que desembolsar no futuro e isso piora se for possível a cumulação da franquia e da coparticipação num mesmo plano de saúde.

Além disso, a proposta de nova normativa não menciona regras para publicidade desses planos, o que hoje é mencionado na Consu nº 8/98:

“Art. 4° As operadoras de planos ou seguros privados de assistência à saúde, quando da utilização de mecanismos de regulação, deverão atender às seguintes exigências:

I - informar clara e previamente ao consumidor, no material publicitário do plano ou seguro, no instrumento de contrato e no livro ou indicador de serviços da rede:

a) os mecanismos de regulação adotados, especialmente os relativos a fatores moderadores ou de coparticipação e de todas as condições para sua utilização;”

D) O Consumidor pode acabar pagando pelo valor integral do procedimento, mesmo tendo plano de saúde

Além da previsão explicita de constar no material publicitário, a proposta da Agência retira outras proteções normativas hoje previstas, como a proibição de que coparticipação ou franquia impliquem o pagamento do valor integral do procedimento pelo usuário, ou restrição severa ao acesso aos serviços.

A Procuradoria Federal junto à ANS já adotou um posicionamento, o parecer PROGE nº 414/2013/GECOS/PROGE-ANS/PGF, no sentido de que a franquia seria incompatível com a lei de planos de saúde (lei 9.656/98), porque o art. 1º, I, da Lei só admitiria planos de saúde em que a cobertura assistencial fosse custeada integral ou parcialmente pela operadora, ou seja, não seria possível um plano, como no caso da franquia, em que o consumidor custeasse integralmente a cobertura assistencial.

Como resposta a esse parecer, a Análise de Impacto Regulatório adotou posicionamento contrário ao da Procuradoria, partindo da premissa de que o conceito de cobertura não deveria ser considerado de forma restritiva, a cada procedimento. A própria conceituação de Mecanismos Financeiros daria margem a uma interpretação de que os mesmos seriam uma forma do beneficiário cofinanciar o plano de saúde, o que não parece ser uma boa opção regulatória.

E) Escassez da oferta de planos sem coparticipação ou franquia

Uma questão que não está presente na análise de impacto regulatório elaborada por esta Agência é o risco o aumento de oferta de planos de saúde com coparticipação e franquia, objetivo da normativa, superar em muito a oferta de planos sem mecanismos financeiros de regulação, ou a majoração nos valores cobrados para esses planos, a exemplo do que ocorreu entre os planos individuais e coletivos.

Esse cenário, de redução da escolha do consumidor pela escassez da oferta de planos sem coparticipação e franquia, precisa estar no horizonte regulatório da ANS.

Por fim, é importante ressaltar que o argumento de que esses instrumentos são facultativos não se aplica aos usuários de planos de saúde coletivos, uma vez que seu poder de escolha para adoção de franquia e coparticipação nesses planos é irrisório. Essa negociação acontece entre empregador, sindicato ou associação, de um lado, e operadora de plano de saúde, de outro.

Considerando essas preocupações, bem como o fato de alguns aspectos debatidos de maneira informal em veículos de comunicação não terem sido disponibilizados na consulta pública, as entidades abaixo assinadas solicitam que esta Agência Reguladora:

1) Se manifeste sobre os pontos de preocupação levantados (A, B, C, D e E), esclarecendo os potenciais problemas que a elevação de limites para esses mecanismos e a revogação dos artigos 2º e 4º da Consu nº 8/98 podem acarretar.

2) A disponibilização do texto final da proposta, em que conste a regra comentada pelo Diretor Rodrigo Aguiar na reportagem do dia 17 abril sobre os limites de exposição financeira e em nota no site da ANS.

3) Considerando que informações relevantes, de interesse do consumidor e do setor regulado, não foram submetidas à Consulta Pública realizada no ano passado, a abertura de novo processo de participação social, nos termos do art. 11 da RN 242/2012 da ANS, para que as regras de exposição financeira sejam discutidas com o público alvo da política que se busca construir.

Sendo o que nos cumpria pelo momento, apresentamos nossos protestos de elevada estima e consideração e permanecemos à disposição para esclarecimentos.

São Paulo, 10 de maio de 2018

Marun David Cury
Diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina – APM

Elici Maria Checchin Bueno
Coordenadora Executiva do Idec

Paulo Miguel
Presidente da Fundação Procon São Paulo
Presidente da Associação Brasileira de Procons – PROCONSBRASIL

Patrícia Cardoso
Coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – NUDECON RJ

Alessandra Garcia Marques
Presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor – MPCon

Maria Inês Dolci
Vice-presidente do Conselho Diretor da PROTESTE

Rodrigo Serra Pereira
Coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Rossana Pulcineli Vieira Francisco
Presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo

Clóvis F. Constantino
Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria

Antônio Carlos Lopes
Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

Cesar Eduardo Fernandes
Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO

Renata Pietro
Presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo – COREN

Merula Steagall
Presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia - ABRALE

Carlos Octávio Ocké Reis
Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABRES

Paula Johns
Diretora Geral da ACT Promoção de Saúde

Lilian Jorge Salgado
Presidente do Instituto Defesa Coletiva

entre outras entidades

Fonte: APM, em 11.05.2018.