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Existência, Validade e Eficácia da Cláusula de Exclusão em seguro

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Por Thiago Leone R. Molena.(*)

I. Da Cláusula de Exclusão - Existência, validade e eficácia.

A Cláusula de Exclusão é aquela que, invariavelmente, consta na condição geral da apólice de risco nomeado dando contorno aos riscos excluídos ou prejuízos não indenizáveis, bem como descrevendo todas aquelas situações que o segurador não terá responsabilidade contratual em favor do segurado em caso de sinistro. [1]

A sua juridicidade é reconhecida pela doutrina [2] e pela jurisprudência, que a denomina de “particularização do risco” [3], em virtude da influência do artigo 1.460 do Código Civil de 1916 [4], que disciplinava a exclusão de responsabilidade do segurador “quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro.

O artigo 1.460 do Código Civil de 1916 foi reproduzido no Código Civil de 2002, que fatiou a sua disciplina nos artigos 757, 759 e 760, sem restringir a responsabilidade do segurador aos termos da apólice, como estava na lei revogada.

Pela regra atual, a garantia do segurador será para o legítimo interesse do segurado aos riscos predeterminados (CC, artigo 757), cuja indicação e descrição precederão a emissão da apólice (CC, artigo 759) que deverá, obrigatoriamente, conter os riscos assumidos pelo segurador (CC, artigo 760).

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu tacitamente a juridicidade da cláusula de exclusão com a Súmula 402, de 28.10.2009, que fixa que o “seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão” [5]. A Corte reconhece, ainda, a aplicabilidade da Súmula nos seguros contratados e nos sinistros ocorridos na vigência do Código Civil de 2002.

Por tais fundamentos, a (a) é lícita a existência da cláusula de exclusão. A sua (b) validade, de acordo com a Escada Pontiana, depende da observância de requisitos formais de natureza qualificativa das disposições contratuais, tais como (i) grafia destacada no contrato, (ii) facilidade na compreensão do segurado e de terceiros, (iii) utilização de termos amplos e socialmente conhecidos com restrição especial aos conceitos puramente técnicos. A sua (c) eficácia depende do respeito aos elementos relacionados com os efeitos pretendidos e esperados pelo segurado.

A exclusão do risco garantido deve respeitar a vontade declarada pelo contratante. Além disso, ela deve zelar pela concretização de todos os efeitos jurídicos desejados e esperados pelo segurado, bem como os resultados prometidos pela oferta da seguradora.

Dessa forma, a cláusula de exclusão não pode (i) descaracterizar ou afrontar a cobertura contratada; (ii) afrontar a razoabilidade contratual desnaturalizando o seguro; (iii) levar à supressão de efeitos pretendidos pelo segurado, (iv) afrontar à função social do seguro, (v) atentar à boa-fé (subjetiva e objetiva) e seus deveres anexos (eticidade, informação, cooperação, lealdade e veracidade), (vi) desconsiderar o intuito declarado do segurado no momento da contratação; (vii) não ir aquém da oferta pública efetuada pela seguradora.

Importante apontar que os “usos e costumes” do mercado securitário que rege toda a forma contratação deve ser respeitada pela cláusula da condição geral que dispuser limitando ou excluindo a responsabilidade contratual da seguradora, conforme regra do artigo 113 do Código Civil: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Neste sentido, a ordem pública a partir da ótica civil-constitucional fundamentada na supremacia da função social do contrato, da dignidade humana, da boa-fé objetiva, da proteção dos direitos do consumidor impõe claros limites à liberdade de contratar o seguro operacionalizando, no entanto, a regra do artigo 421 do Código Civil, para quem a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Estes limites, na visão do professor Walter Polido é a contraprestação que a sociedade paga pelo equilíbrio das relações jurídicas sociais em face das colossais diferenças entre os seus cidadãos. [6]

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, empresta licitude à cláusula de limitação de direitos dos consumidores a partir do § 4º, do artigo 54: as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. O STJ aplica este dispositivo, conforme voto do Ministro Vasco Della Giustina, da 3ª Turma: o “Tribunal Superior prega que nos contratos de adesão, consoante o art. 54, § 4º, do CDC, a cláusula restritiva a direito do consumidor, para ser exigível, deverá ser redigida com destaque, a fim de permitir sua imediata e fácil compreensão.” [7]. Ainda, segundo o STJ a cláusula de exclusão é ineficaz – inexigível, na verdade - quando ela descaracterizar a própria cobertura securitária ou quando o risco excluído for desdobramento lógico daquele assegurado, o que provoca desequilíbrio entre as prestações.

Segundo o professor Walter Polido este desequilíbrio afeta a paz social fazendo com o Estado assuma o controle geral impondo-se acima dos interesses individuais a partir da lei de natureza cogente. [8]

Em caso concreto, por exemplo, é ineficaz a exclusão de procedimento médico de doença cujo tratamento está descrito como risco coberto pela apólice. Para o Ministro Antonio Carlos Ferreira, da 4ª Turma do STJ: “(...) é abusiva a conduta do plano de saúde em negar cobertura a determinado procedimento médico necessário para o tratamento de doenças previstas pelo referido plano. Precedentes.” [9]. Por óbvio, o reconhecimento da licitude da exclusão do procedimento médico para doença incluída no rol de risco coberto afrontaria a função social do seguro (CC, artigo 422), desqualificaria a verdadeira intenção do segurado (CC, artigo 113), lesionaria a boa-fé objetiva quanto ao dever conexo de eticidade, veracidade, cooperação (CC, artigos 421 e 765), sendo que os efeitos pretendidos no âmbito do direito do consumidor não seriam atingidos.

No ramo de saúde é comum ter apólice que disponibiliza acesso do segurado ao procedimento mais simples, mais barato e, por vezes, mais antigo com tecnologia obsoleta em detrimento das modernas tecnologias, que são caras e complexas. Contudo, constando na cobertura o tratamento genérico da doença, não há que se falar na exclusão de procedimento específico.

No ramo de vida coletivo também é comum apólice que dá cobertura para morte natural pelo risco de infarto do miocárdio, mas o exclui quando ocorrer variante de aumento de hormônio ou determinadas substâncias, que, em tese, caracterizaria a preexistência não declarada na contratação fazendo aplicar a pena de perda de cobertura, conforme regra do artigo 766 do Código Civil: se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Na cobertura de casco de automóvel caminhão, nos idos de outubro de 2000, o STJ utilizou o mesmo raciocínio para reconhecer a ineficácia da cláusula de exclusão do risco de operação de carga e descarga, uma vez que esta atividade é intrínseca à utilização do bem segurado. O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do REsp. 247.203-GO, sustentou que, sendo atividade inerente da utilização do bem segurado, a operação de carga e descarga não poderia ser risco excluído, sob pena de descaracterização do seguro contratado. Aponta o Ministro “(...) em se cuidando de veículo de transporte, a operação de carga e descarga é, evidentemente, inerente ao seu uso. Não se transporta algo que não se ponha dentro do caminhão e, uma vez finda a viagem, a mercadoria há de ser retirada para dar lugar à outra.” Continua o Julgador: “(...) um seguro que trata como excepcional algo que é usual, mais ainda, necessário para que se justifique a compra do veículo, realmente transborda para o campo do absurdo, dentro do qual nem seria lícito contratar, nem haveria razão, mesmo, para que o proprietário do se onerasse pagamento por inútil.” A lição merece destaque para reflexão: “(...) em se cuidando de veículo de transporte, a operação de carga e descarga é, evidentemente, inerente ao seu uso. Não se transporta algo que não se ponha dentro do caminhão e, uma vez finda a viagem, a mercadoria há de ser retirada para dar lugar à outra. Assim, um seguro que trata como excepcional algo que é usual, mais ainda, necessário para que se justifique a compra de veículo, realmente transborda para o campo do absurdo, dentro do que nem seria lícito contratar, nem haveria razão, mesmo, para que o proprietário do bem se onerasse pagando por algo inútil.”

Importante notar que a base do voto é a funcionalidade e a ligação direta que o risco tem com a atividade desenvolvida pelo veículo segurado (caminhão), bem como da forma com que a exclusão da cobertura afeta a função social do seguro, que se traduz na finalidade para/pelo qual o seguro foi contratado.

Walter Polido observa a transparência que o segurador tem que ter para com o consumidor como corolário da boa-fé objetiva e da função social do seguro. Ele assevera que “o entendimento [do STJ] é exequível, é justo e, uma vez observado regularmente, imantará o contrato de seguro, atribuindo-lhe a transparência necessária frente ao consumidor.” [10]

Este posicionamento se disseminou pelos Tribunais Estaduais. O Tribunal de São Paulo, em abril de 2011, exigiu que o segurador observasse a atividade empresarial do segurado para fixar a existência da cláusula de exclusão em apólice de transporte. O Desembargador Renato Sartorelli [11] apontou que a exclusão contida na apólice não poderia ser válida porque inviabilizaria a própria atividade da segurada: “(...) a disposição contratual invocada pela seguradora para se eximir de responsabilidade é abusiva e ofensiva ao princípio da boa-fé contratual já que é inerente à atividade econômica da autora - empresa de transporte - ter atrelado ao caminhão uma carreta contendo os produtos transportados.

O julgador arrematou que “a interpretação rigorosa da cláusula restritiva, consoante sugere a seguradora, inviabiliza o desenvolvimento dos negócios da apelada que tem como atividade-fim o transporte de mercadorias.” [12]

É possível concluir que, enquanto a validade abrange elementos de adjetivação da cláusula de exclusão (forma de grafia, redação objetiva, termos e facilidade de compreensão), a eficácia está contida nos efeitos jurídicos do seguro de acordo com cada apólice, de acordo com a atividade empresarial, a vontade do segurado quando da contratação, o intuito negocial, a boa-fé, a função social do seguro e, principalmente, a dignidade da pessoa, conforme disposição Constitucional. [13] Possível, ainda, apontar que a exclusão pode ser válida, mas ineficaz. Ainda, ela pode ser eficaz e inválida, no caso de faltar os requisitos exigidos.

Conforme anotado pela doutrina, o único estágio necessário e fundamental para que o mundo jurídico se importe com o ato-fato jurídico é o grau da existência - primeiro degrau da Escada Pontiana, conforme lição de Marcos Bernardes de Mello [14]. Assim, existindo a cláusula haverá razão para a sua juridicianalização como suporte fático. Neste estágio nada é analisado a não ser a sua própria existência da disposição. Não são analisadas a “(...) invalidade ou eficácia do fato jurídico, [importando] apenas, a realidade da existência.”
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[1] Para consulta quanto ao conceito de cláusula de exclusão - IRB – Brasil Re. Dicionário de seguros: vocabulário conceituado de seguro. – 3ª edição, revisada e ampliada – Rio de Janeiro: Unense, 2011, pág. 44-45.

[2] A professora Vera Helena de Mello Franco aponta a validade cláusula de exclusão de risco a partir dos requisitos formais de fácil compreensão e clareza: “Admite-se a exclusão contratual de riscos, desde que isso esteja expresso de forma suficientemente clara na apólice de seguros, pois o segurado deve ter ciência plena de quais são os riscos não cobertos.”. In Contratos. Direito Civil e Empresarial. 2ª ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 306-7.

[3] O Desembargador Percival Nogueira, da 6ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, apontou: “A particularização dos riscos no contrato de seguro possui como escopo abalizar os limites de cobertura e determinar o valor do prêmio, e não implica em violação do CDC (…).” In TJ/SP, 6ª Câm. Direito Privado, Apelação n. 0044875-85.2005.8.26.0000, rel. Des. Percival Nogueira, j. 25/08/2011.

[4] Art. 1.460. Quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador.

[5] Pesquisa em 07.06.2016, às 18h30m, https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_38_capSumula402.pdf

[6] POLIDO, Walter Antônio. Contrato de Seguro - Novos Paradigmas. 2010, São Paulo: Editora Roncarati, p. 231: “Não há dúvidas de que a lei liberta ao conceder direitos, mas também limita a atuação do homem em sociedade. É o tributo que a civilização paga para poder viver em harmonia, em razão das diferenças encontradas em cada um dos seus indivíduos.”

[7] Julgamento do AgRg no REsp nº 714138-SC, publicado em 01.09.2010.

[8] Idem, op. cit., p. 231.

[9] STJ; AgRg-AREsp 635.880; Proc. 2014/0325943-8; SP; Quarta Turma; Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira; DJE 04/09/2015.

[10] POLIDO, Walter A. Contrato de Seguro - Novos Paradigmas. São Paulo: Editora Roncarati, 2010, p. 73. Toda a construção do pensamento é válido e merece destaque, conforme apontado nas páginas 72-74.

[11] Apelação nº 9107305-75.2009.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, j. 27.04.2011.

[12] Idem, Ibidem.

[13] NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. 2ª Edição. São Paulo: Editora Renovar, 2006, páginas 335-337.

[14] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico - Plano da Existência. 16ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 102. Este autor pontua que “ao sofrer a incidência da norma jurídica juridicizante, a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência.
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(*) Thiago Leone R. Molena é Advogado Securitário. Pós-Graduado em Direito Civil e Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Direito. Cursando MBA Gestão Jurídica em Seguro e Resseguro na Escola Nacional Superior de Seguros - Funenseg. Consultor e Advogado na TLM.