Entrevista com Maíra Madrid (Presidente da ABGF – Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias)


1 – (Editora Roncarati): Prezada Maíra, agradecemos o tempo disponível para conversar conosco. Como você enxerga a “volta” da atuação da ABGF, após ser incluída, em 2019, no Programa Nacional de Desestatização (PND) e posteriormente excluída do PND? Quais foram os principais desafios?
O retorno da ABGF é um exemplo claro de como uma estatal pode demonstrar sua relevância para a sociedade por meio de uma atuação eficiente e estratégica. Nossa missão é viabilizar soluções em garantias que o setor privado, sozinho, não tem condições de oferecer. Após a saída do PND, nosso desafio foi reestruturar a empresa, redesenhando processos e revitalizando sua atuação, especialmente após um período de enfraquecimento da política de garantias à exportação. Hoje, os resultados falam por si: em 2024, atingimos US$ 1,9 bilhão em aprovações de garantias ao crédito à exportação, o dobro da média registrada enquanto a empresa esteve no PND. Esses números representam exportações de aeronaves, máquinas, e, ao final, empregos sendo gerados e mantidos no Brasil.
No cenário internacional, também retomamos nosso espaço. Após anos afastados da agenda global, observamos que outros países – como Itália, Reino Unido, Estados Unidos, Coreia do Sul e China – aprimoraram suas agências de garantias à exportação, tornando seus produtos mais flexíveis, fortalecendo suas cadeias de fornecedores. O setor como um todo, em 2023, aprovou cerca de US$ 165 bilhões em operações semelhantes às nossas. Diante disso, em 2024, a ABGF voltou a integrar a Berne Union, entidade que reúne os principais players do setor e que recebeu nosso retorno de forma muito positiva.
Além disso, é fundamental destacar o papel da CAMEX na reforma do sistema de apoio à exportação, que ampliou a autonomia da ABGF na aprovação de operações de seguro de crédito à exportação. Essa mudança, aliada às melhorias internas, resultou em uma redução expressiva no tempo de aprovação das operações – um avanço crucial para responder a uma demanda histórica dos exportadores.
Ainda é fundamental destacar o desafio de demonstrar a relevância e eficiência do modelo de garantias ao crédito à exportação. É natural e necessário que a sociedade cobre resultados e o uso responsável dos recursos públicos. Por isso, é sempre importante reforçar que o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que sustenta a política pública de seguro de crédito à exportação, tem se fortalecido ao longo dos anos. O fundo recolhe o pagamento dos prêmios de seguro e tem construído patrimônio de maneira crescente, atingindo, ao final de 2024, um patrimônio líquido de R$ 49 bilhões. No entanto, ainda opera no âmbito do orçamento público. Agora, iremos avaliar a possibilidade de implementar gradualmente um modelo de lastro financeiro autossustentável, em coordenação com a CAMEX.
2 – O segmento de negócio mais conhecido em que a ABGF participa é o Seguro de Crédito à Exportação. Poderia nos falar das outras linhas de negócios nas quais a ABGF atua?
A ABGF também atua na gestão do FUNDPEM, um fundo que viabiliza o pagamento de indenizações a vítimas e/ou familiares de acidentes envolvendo embarcações irregulares – ou seja, aquelas que não cumprem a obrigação de contratar um seguro privado obrigatório. Nossa atuação inclui tanto a gestão financeira desse fundo complementar, que recebe parte dos prêmios pagos às seguradoras privadas, quanto a regulação de sinistros, garantindo a verificação da adequação dos pedidos e o pagamento das indenizações.
Além dessa frente, estamos avaliando novas áreas de atuação, com destaque para o retorno da ABGF ao setor de infraestrutura, especialmente no apoio a PPPs. Colocaria como um objetivo de médio prazo estruturar um modelo sólido e escalável, que incorpore os aprendizados com a experiência do passado, e que complemente as iniciativas já em curso no governo federal.
3 – Em 2024, e no decorrer dos últimos anos, têm sido constatados diversos eventos climáticos extremos, como o ocorrido no Rio Grande de Sul. Há alguma previsão de atuação da ABGF na composição de fundos direcionados às catástrofes climáticas?
É um tema que merece bastante atenção, especialmente diante do aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, o que exige soluções estruturadas para mitigar danos e fortalecer a resiliência.
Atualmente, estamos acompanhando as discussões do setor de seguros sobre propostas voltadas para esse desafio. No entanto, esse debate ainda está em andamento e envolverá uma ampla coordenação entre diversos órgãos do governo federal. A ABGF seguirá atuando de forma alinhada e integrada a esse processo.
4 – A ABGF, junto com a Camex (Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior), retomou a operacionalização de seguro de crédito à exportação voltado às Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs). Como está sendo o resultado dessa retomada?
A retomada do Seguro Crédito à Exportação voltado às MPMEs, em julho de 2024, marca o retorno de um instrumento essencial para os exportadores que mais precisam de apoio. Criamos, em parceria com o MDIC, um modelo com condições facilitadas e processos mais ágeis, o que tem sido bem recebido pelos usuários.
Um dos grandes diferenciais desse novo modelo é a jornada simplificada para o exportador, com tempo médio de aprovação de apenas 10 dias dentro da ABGF. Nesse primeiro momento, estamos operando o seguro atrelado ao PROEX Pré-Embarque, operado pelo Banco do Brasil. Em breve, devemos avançar em demais modalidades, sempre com o olhar de complementar a atuação do mercado segurador privado.
Desde julho de 2024, já aprovamos US$ 12 milhões (cerca de 70 milhões de reais). Mantendo esse ritmo, ao final de 12 meses superaremos em 75% o ano recorde de aprovações para MPMEs. No entanto, sabemos que isso ainda não é suficiente. Em outros países, uma parcela significativa das aprovações anuais de seguro de crédito à exportação é destinada às MPMEs, o que nos desafia a ampliar o alcance desse produto. Nossa meta é que 15% das aprovações anuais sejam voltadas para esse segmento, o que representaria aproximadamente US$ 285 milhões (ou 1,6 bilhões de reais).
Para isso, estamos planejando diversas estratégias para ampliar os produtos, contar com soluções mais escaláveis e apoiar linhas de financiamento diversificadas, em forte coordenação com a CAMEX. Um exemplo disso é a consulta pública conduzida pelo MDIC, e que ficará no ar até o dia 17/03, em que são propostas atualizações para ofertar maior flexibilidade no apoio às MPMEs.
5 – Como se dá a relação da ABGF com as seguradoras e resseguradoras?
Como sempre gosto de reforçar, a ABGF não atua de forma isolada, mas sim em complemento ao setor privado. Nossa estrutura tem o papel de preencher lacunas, mas também de fortalecer a atuação das seguradoras quando necessário.
Nesse contexto, há oportunidades para o desenvolvimento de estruturas de compartilhamento de risco, permitindo uma atuação mais focalizada e estratégica. Nosso objetivo é intervir apenas na medida estritamente necessária, trazendo mais dinamismo para setores com baixa cobertura e viabilizando soluções que o mercado privado, sozinho, ainda não consegue oferecer.
Temos acompanhado de perto as pautas do setor de seguros e resseguros, e vejo grande convergência de pensamento em relação a esses desafios. Está cada vez mais evidente que as estratégias de sucesso dependem de parcerias sólidas entre o setor público e privado, garantindo maior eficiência e alcance para essas soluções.
6 – No final de 2024 foi aprovada a Lei n. 15.040 (Marco Legal dos Seguros). Quais são os principais impactos para as operações da ABFG? Na sua visão, a nova Lei beneficiará o setor de seguros como um todo?
A nova lei sobre o contrato de seguro (Lei 15.040/2024) certamente traz muito mais transparência para as operações e aperfeiçoa conceitos, colocando-se muitas vezes em conformidade com inúmeros avanços que já se encontravam na jurisprudência consolidada do STJ – Superior Tribunal de Justiça.
A Lei, portanto, vem em benefício do setor. Se por um lado, em boa medida, se facilita o exercício, pelos segurados e beneficiários, dos seus direitos, a exemplo do acesso aos relatórios de regulação, por outro a precisão desses mecanismos permite às seguradoras se prepararem adequadamente. Um número bem menor de situações ficará no limbo.
As dúvidas que, apesar da mais recente jurisprudência, ainda existiam sobre o termo inicial de contagem do prazo prescricional, para dar um exemplo, foram sanadas. Essa precisão acerca do início do prazo prescricional, que a nova lei traz, oferta tranquilidade para a ABGF, pois a disciplina sobre o contrato de seguro em geral aplica-se subsidiariamente aos contratos de seguro de crédito à exportação.
7 – Com relação à Susep, regulador do setor de seguros, há algum comentário ou destaque que gostaria de fazer relacionado à agenda regulatória dos últimos anos?
O trabalho que vem sendo desenvolvido pela SUSEP, particularmente na atual gestão, é inovador e, ao mesmo tempo, prudente. A atual direção imprimiu muita energia na agenda regulatória. A regulamentação, tanto da atividade seguradora em geral, quanto dos contratos de seguro, em suas distintas modalidades, já vinha sendo revista. Com a aprovação da nova lei sobre o contrato de seguro, esse esforço tende a se ampliar.
A SUSEP tem participado cada vez mais da discussão dos temas fundamentais da agenda do mercado de seguros como um todo, dialogando com todo o conjunto de interessados, sem excluir os segurados e seus representantes. O diálogo com a ABGF tem sido fácil, rico e esclarecedor. Por exemplo, depois que o seguro obrigatório de embarcações voltou a ser comercializado, os contatos mantidos foram importantíssimos para a reativação do FUNDPEM, que nos cabe gerir por força de lei. Enxergamos uma gestão aberta a propostas de aprimoramento regulatório e altamente proativa na implementação de soluções.
8 – Maíra, agradecemos a entrevista! Por fim, qual é a mensagem que gostaria de deixar para os participantes do setor de seguros?
A ABGF mantém um diálogo propositivo para desenvolver novas soluções que complementem a atuação do mercado segurador privado. Ainda enfrentamos desafios significativos nas áreas de garantia ao crédito e infraestrutura, e sabemos que a parceria entre os setores público e privado é essencial para garantir soluções eficientes e bem focalizadas.
Por isso, estamos em constante diálogo com seguradoras, empresas, bancos e a academia – trabalhar isoladamente não é uma opção. Essa é a identidade da ABGF hoje: uma empresa mais ágil, técnica e orientada a soluções.
(26.02.2025)