Entrevista: Ainda pouco demandada, CMCA oferece maior especialização e agilidade na resolução de conflitos


Por Alexandre Sammogini
Criada em 2010, a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem, ainda é pouco conhecida e pouco acionada na resolução de conflitos no sistema de previdência complementar fechada. Em quase 15 anos de funcionamento, analisou apenas 47 processos, dos quais conseguiu a solução de 43 casos com a utilização de mecanismos de autocomposição (apenas 4 foram arquivados). “Apesar da baixa procura, quando é acionada, o resultado é muito positivo na maioria das vezes”, diz Leandro Santos da Guarda Procurador-Chefe da Previc e Presidente da CMCA.
Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, o Procurador-Chefe explica as vantagens de se acionar a CMCA na solução de conflitos entre patrocinadores, participantes, assistidos e entidades. E também aborda os motivos pelos quais a câmara ainda é pouco demandada. Além disso, fala das iniciativas para a maior divulgação do trabalho da CMCA, entre elas, a formatação de um curso sobre mediação, conciliação e arbitragem em parceria com a Abrapp e UniAbrapp. Leia a seguir a entrevista na íntegra:
Blog Abrapp em Foco: Como surgiu a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem?
Leandro Guarda: A Câmara foi criada com base na própria Lei nº 12154/2009 de criação da Previc, na qual foi prevista a competência da autarquia para promover atividades de mediação, conciliação e arbitragem. Então, a partir dessa lei, a Previc criou em 2010 a CMCA, que foi sucedida por algumas regulamentações e hoje está regulamentada na Resolução Previc nº 23/2023.
Na época da criação da Previc, essa iniciativa foi bastante inovadora do âmbito da administração pública, que uma autarquia promovesse diretamente atividades de mediação, conciliação e arbitragem. Depois, tivemos outras iniciativas e hoje esse é um padrão, tanto na administração pública quanto no próprio judiciário. Com o Código de Processo Civil de 2015, os métodos de autocomposição passaram a ser uma forma prioritária de resolução de conflitos. Também temos a Lei de Mediação, que trouxe uma maior segurança nesses procedimentos. A CMCA está alinhada a essa nova legislação.
Blog: A Câmara tem sido demandada com frequência pelos atores do sistema?
Leandro Guarda: Desde a criação da Câmara, tivemos uma série de conciliações e mediações. Mas a nossa percepção é que a CMCA ainda é pouco demandada pelo setor. Eu costumo dizer que há necessidade de uma mudança cultural do sistema, do setor como um todo, no sentido de uma maior busca por métodos de solução consensual e de evitar o judiciário.
O número de casos já resolvidos aqui na câmara não é tão expressivo, mas já tivemos 43 acordos homologados no âmbito da CMCA. Por isso, entendo que está muito aquém da nossa capacidade. Poderíamos ter um incremento de demandas na CMCA, por ser uma instância de diálogo qualificado, que respeita as particularidades e especificidades do setor e da natureza do contrato previdenciário.
Blog: Quais as vantagens de se resolver os conflitos através da Câmara?
Leandro Guarda: Primeiro, que ao escolher uma câmara como a CMCA, que é especializada, trata-se de um ambiente em que os agentes envolvidos nessa solução possuem conhecimento da matéria. Quando remetemos ao judiciário, o juiz tem uma série de demandas e temas para tratar, que vão além da previdência complementar. Então, não existe um grau de especialização.
Além disso, o fator tempo é muito determinante nesse tipo de solução. Quando conseguimos uma solução dessa natureza, seja por mediação ou conciliação, ganhamos tempo. Sempre digo nos procedimentos aqui na CMCA que não basta ter razão – por mais razão que você tenha sobre os seus direitos – o tempo do judiciário nem sempre é o mesmo que o nosso. O ideal é que não se chegue ao ajuizamento da ação. Nesse sentido, acreditamos que sempre que possível a CMCA deve ser procurada previamente.
Blog: A atual direção da Previc tem incentivado a utilização da CMCA?
Leandro Guarda: Sim, o estímulo à utilização de métodos é uma política da atual diretoria. Não apenas na CMCA, mas também em outras esferas, nos próprios processos judiciais, sempre que possível a gente tenta um acordo. Também em outras esferas, já participamos de negociação envolvendo entidades fechadas de previdência complementar, como por exemplo, no âmbito da AGU [Advocacia-Geral da União], que tem sua própria câmara.
Então, a CMCA é mais um mecanismo nesse rol de opções para resolução consensual de conflitos. A diretoria da Previc tem clareza em relação a isso e nós da Procuradoria também entendemos que é o melhor caminho possível para evitar a judicialização, evitar o conflito e promover uma certa pacificação social do nosso setor.
Blog: Quais os principais problemas decorrentes da excessiva judicialização dos conflitos na previdência complementar fechada?
Leandro Guarda: A nossa percepção é que, às vezes, a multiplicação das pretensões individuais dos participantes e assistidos possui um efeito de risco muito grande para as entidades. Isso acontece porque, principalmente em um plano de benefício definido, onde o mutualismo contributivo é bem evidente, essas eventuais vitórias judiciais saem de um conjunto. Então, o prejuízo, no final das contas, é dividido com os demais participantes e assistidos.
Tendo essa natureza de longo prazo, em um contrato que perpassa diversos ciclos econômicos e diversas fases das vidas dos seus participantes e assistido, a segurança jurídica é essencial. O âmbito de solução consensual é realmente o caminho para que possamos alcançar uma segurança jurídica mais efetiva.
Blog: Ao seu ver, a mudança de atitude deveria ser da entidade ou dos participantes?
Leandro Guarda: Acho que é do setor como um todo, tanto dos participantes – não apenas eles individualmente, mas as suas associações e sindicatos – quanto dos patrocinadores. Mas acho que as entidades e seus representantes, como a Abrapp, também possuem um papel de promover essa mudança cultural, trazendo maior esclarecimento.
Também teríamos alguns caminhos mais institucionais, como, por exemplo, começar a incluir nos regulamentos dos planos a previsão de submissão ao procedimento conciliatório. Isso é possível, mas ainda não temos nenhuma entidade que tenha feito isso, apesar de ser um caminho viável. Mas o principal desafio realmente uma mudança cultural de todos os agentes envolvidos no contrato previdenciário.
Blog Abrapp em Foco: Por que a Câmara não é muito acionada para uma solução não judicial?
Leandro Guarda: Acho que, no início da Câmara, havia uma desconfiança pelo fato de ela estar dentro da Previc. Isso gerava dúvida sobre eventual imparcialidade. Mas a Câmara funciona como uma esfera, um ambiente para esse tipo de negociação. As partes estão livres para negociar, contando ainda com um mediador, que pode ser escolhido por elas.
É um ambiente de muita liberdade. Então, esse preconceito ou receio de imparcialidade não se confirma, dada a dinâmica e estrutura em que se dá esse tipo de negociação. As partes estão livres para pactuar e não há qualquer imposição por parte da Câmara. Já o papel do mediador é facilitar o diálogo.
Blog Abrapp em Foco: Existe alguma iniciativa em parceria com a Abrapp para divulgar o trabalho da CMCA?
Leandro Guarda: Sim, estamos em uma parceria com a Abrapp, com a intenção de estabelecer um curso de capacitação em mediação, justamente nessa linha de mudança cultural. Achamos que todo tipo de capacitação e esclarecimento é positivo. O público-alvo principal são dirigentes das entidades, mas também buscamos atingir outros atores do sistema. Nesse momento, o principal programa é o plano de capacitação e a maior divulgação da CMCA perante as entidades e o setor como um todo.
Blog: Qual o objetivo central do curso?
Leandro Guarda: Basicamente, o foco é capacitar para uma melhor atuação em procedimento de mediação. Também temos um olhar para quem eventualmente queira participar como mediador, mas, para isso, há requisitos mais específicos. Então, o objetivo principal é a ampliação do conhecimento do setor sobre esse tipo de mecanismo. Estamos conversando com a Abrapp e UniAbrapp, o curso está em fase de formatação, mas acredito que em breve haverá divulgação.
Blog: Em relação a outras formas de divulgação, tem alguma ação específica que gostaria de destacar?
Leandro Guarda: Tem uma ação perante a área de comunicação da Previc. Temos uma demanda de divulgação da CMCA, sempre divulgamos os acordos que celebramos. Sempre que possível, temos esclarecido essa pauta. Então, é uma demanda realmente institucional da diretoria, que é atendida pela área de comunicação da autarquia.
Blog: Em relação à resolução de conflitos através da câmara da AGU, como isso tem funcionado?
Leandro Guarda: Hoje, fala-se muito em “sistemas de multiportas”. Existem várias portas de resolução de conflitos, como o judiciário e as câmaras de conciliação. Então, a CMCA é mais uma dessas portas onde o cidadão interessado pode tentar resolver seu conflito. Acho que o grande apelo da CMCA é o grau de especialização dos seus mediadores na área de previdência complementar. Isso torna o caminho bastante efetivo para a resolução desses conflitos.
Mas nada impede que a gente procure também outras instâncias e participe delas, como mencionei, a câmara da AGU, e os próprios acordos no âmbito de processos judiciais já ajuizados. Recentemente fizemos um acordo envolvendo a entidade Portus e diversos patrocinadores. Foi um resultado bastante positivo e que está possibilitando agora que a entidade saia da intervenção. A CMCA já é mais ampla, ela tem a possibilidade de atender todos os tipos de patrocinadores, inclusive instituidores.
Fonte: Abrapp em Foco, em 26.06.2025.