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Embriaguez - Direito Regressivo da Seguradora contra o Causador do Dano

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Por Fernando Procópio e Rodrigo Rabelo (*)

  fernando 0508 1  rodrigo 0508

O tema da embriaguez ao volante vem gerando polêmicas intensas no Direito do Seguro. Visando a reduzir o número de acidentes ocorridos pela ingestão de álcool por motoristas, as normas e punições foram se tornando cada vez mais rigorosas, vindo a desaguar no que se convencionou chamar de “Lei Seca”. A sociedade aplaudiu e blitz policiais passaram a ser realizadas em pontos estratégicos de cidades para fiscalização do cumprimento da lei. Isso ocasionou até mesmo mudanças de hábitos, com proprietários abandonando seus automóveis em casa e contratando condução por aplicativos.

Entretanto, o entendimento jurisprudencial parece ter caminhado no sentido oposto. Exemplo disso foi a edição da Súmula 620 pelo STJ, que proclama:

A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida.

O julgamento dos Embargos de Divergência ao Recurso Especial de nº 973.725/SP havia decidido ser inválida cláusula contratual prevendo a exclusão de cobertura em seguros de vida para sinistros decorrentes de atos praticados pelo segurado sob efeito de álcool ou substâncias tóxicas.

Em relação a acidentes automotivos, o Recurso Especial nº 1.999.624/PR, em que o motorista do veículo segurado estava com alta concentração etílica no sangue, estabeleceu-se alguma diferença em função do tipo de seguro em foco: “o agravamento do risco pela embriaguez, assim como a existência de eventual cláusula excludente da indenização, são cruciais apenas para o seguro de coisas, sendo desimportante para o contrato de seguro de vida, nos casos de morte”.

Significa dizer que, quando a contenda girar em torno de apólice de veículo, o critério a ser observado é diferente, mas exige da seguradora prova que na maioria das vezes não é fácil de ser obtida:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR E AGRAVAMENTO DO RISCO. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXCLUSÃO DA COBERTURA. EMBRIAGUEZ. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 3. O entendimento do aresto rechaçado está em consonância com o desta Corte, no sentido de que a embriaguez do segurado, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que a embriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro. [...] 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.635.857/RS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 31/8/2020, DJe de 3/9/2020.) – grifo do articulista.

Portanto, à seguradora incumbe o ônus da prova da relação de causalidade entre a ingestão de álcool e o acidente que seu segurado causou.

Feita esta breve introdução, aqui nos propomos a indagar o que ocorre em ações em que, comprovada a embriaguez do segurado, ele denuncia a seguradora à lide para o ressarcimento de danos ao veículo de terceiro. Certamente, o autor não poderá pagar pelo erro cometido pelo réu, de forma que terá de ser ressarcido pela denunciada com base no Seguro de Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos.

Nessa hipótese, é de rigor que seja resguardado o direito regressivo da seguradora contra o verdadeiro causador do sinistro.

Assim, considerando que a seguradora terá cumprido com sua obrigação contratual ao indenizar a vítima do acidente, preservando a função social do seguro e garantindo a proteção dos interesses de terceiros prejudicados, não seria justo que fosse onerada por conduta culposa ou dolosa de seu segurado ou de seus prepostos. A embriaguez ao volante, conduta que deu causa ao sinistro em questão, configura agravamento intencional de risco, violando normas de segurança e de trânsito. Deve, em consequência, ser imputada ao segurado, responsável civil, e, quando for o caso, pelos atos de seus prepostos.

A embriaguez ao volante configura conduta culposa, que aumenta o risco de ocorrência do sinistro e viola normas de trânsito e de segurança, colocando em risco a vida de pessoas e o patrimônio alheio, razão pela qual a seguradora não pode arcar com o prejuízo decorrente desse ato ilícito. A quem atribuir o ônus, então? Ao causador e responsável pela infração às normas contratuais e penais, ou seja, ao segurado, ainda que o condutor seja seu colaborador, a teor do artigo 932, inciso III, do Código Civil já que é dele o dever de fiscalização e controle sobre seus empregados ou prepostos.

Nesse sentido, o direito de regresso da companhia de seguros encontra amparo no art. 786 do Código Civil, que estabelece a sub-rogação do segurador nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, bem como nas cláusulas contratuais da apólice, que preveem expressamente a responsabilidade do segurado por condutas que aumentem o risco coberto. Além disso, a aplicação do direito de regresso promove a equidade e a justiça, transferindo ao segurado o ônus financeiro decorrente de sua própria conduta ou de seus prepostos, e preservando o equilíbrio econômico-financeiro do sistema securitário.

A precaução que deve ser tomada nesse caso é a de que eventual acordo seja celebrado diretamente com o terceiro a fim de se evitar a possibilidade de que se entenda haver quitação relativamente ao causador do dano.

(*) Fernando Procópio de Araújo Ferraz é Advogado formado pela Faculdade São Francisco, em 1975, com especialização em Processo Civil. Atuou no Depto. Jurídico de empresas, estando hoje vinculado ao escritório Saraiva Advogados Associados.

(*) Rodrigo Rabelo é Advogado formado pela Universidade Anhembi-Morumbi, em 2012, com especialização em Direito Contratual. Coordenador Jurídico Equipe Ré (Contencioso) no escritório Saraiva Advogados Associados.

Fonte: Saraiva Advogados Associados, em  05.08.2025