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EFPC devem ficar atentas quanto a valores recebidos de boa-fé pelo Assistido, pois podem não estar sujeitos à devolução

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Por Fernando Henrique Silva da Costa

fernando henrique silva da costaComo dito em outra oportunidade, as EFPC de previdência complementar fechada têm acompanhado de perto o expressivo aumento de contendas judiciais e, muitas delas, distribuídas em boa parte do território nacional. Portanto, é prudente estar atento o que vem decidindo os tribunais superiores.

No caso em concreto, trata-se de ação declaratória de nulidade de desconto em previdência complementar privada cumulada com repetição de indébito e reparação de danos morais promovida, em face de uma Entidade Fechada de Previdência Complementar.

Alegou o Assistido que teve seu benefício previdencial pago pelo INSS revisto e, consequentemente, repercutiu em sua aposentadoria complementar. Ocorre que, logo após a revisão do benefício do INSS, a Entidade não reviu a parte que lhe cabia, por força da modelagem do Regulamento do Plano de Benefícios, fazendo isto, apenas, dois anos depois.

Pois bem, o Fundo de Pensão pagou benefício suplementar a maior para o Assistido, de forma equivocada, e quando promoveu a revisão (tardia), procurou reaver os valores pagos indevidamente, promovendo descontos das diferenças no referido benefício de aposentadoria.

Na primeira decisão judicial, o Magistrado, por entender ilegais os descontos diretos dos valores no benefício suplementar e a sua apuração unilateral (calculado pela Entidade), bem como por acreditar no caráter alimentar da parcela previndencial e o costume do Assistido em receber tais valores anteriormente conhecido, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados (nulidade do desconto, não promover novos descontos e devolver integralmente os valores descontados do benefício), rejeitando apenas a indenização por danos morais.

A EFPC, por sua vez, percorreu a trajetória recursal prevista na legislação brasileira, passando pelo Tribunal de Justiça da localidade, e, por não obter sucesso nas alegações decorrentes de sua insatisfação, chegou até o Superior Tribunal de Justiça, o qual não mudou o posicionamento inicialmente externado. Vejamos:

 “EMENTA [1]

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PRESCRIÇÃO E TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. ASSISTIDO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. NORMA DO REGULAMENTO. MÁ APLICAÇÃO. ERRO DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CORREÇÃO DO ATO. DEVOLUÇÃO DAS VERBAS. DESNECESSIDADE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ DO BENEFICIÁRIO. APARÊNCIA DE LEGALIDADE E DEFINITIVIDADE DO PAGAMENTO.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se o pagamento a maior realizado pelo ente de previdência privada, seja por exclusiva inércia, seja por erro na interpretação e na aplicação de ato normativo, enseja o desconto das diferenças nas parcelas vincendas do benefício previdenciário complementar do assistido.

2. Apesar de os regimes normativos das entidades abertas e fechadas de previdência complementar e da Previdência Social diferirem entre si, possuindo cada qual especificidades intrínsecas e autonomia em relação à outra, o mesmo raciocínio quanto à não restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista e com aparência de definitividade deve ser aplicado, a harmonizar os sistemas.

3. Não só os pagamentos dos benefícios da previdência pública mas também os da previdência privada devem reger-se pelo postulado da boa-fé objetiva. Logo, se restar configurada a definitividade putativa das verbas de natureza alimentar recebidas pelo assistido, que, ao invés de ter dado causa ou ter contribuído para o equívoco cometido pelo ente de previdência complementar, permaneceu de boa-fé, torna-se imperioso o reconhecimento da incorporação da quantia em seu patrimônio, a afastar a pretensa repetição de indébito ou a alegação de enriquecimento ilícito.

4. Os valores recebidos de boa-fé pelo assistido, quando pagos indevidamente pela entidade de previdência complementar em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do regulamento, não estão sujeitos à devolução, pois cria-se falsa expectativa de que tais verbas alimentares eram legítimas, possuindo o contrato de previdência privada tanto natureza civil quanto previdenciária.

5. Hipótese diversa é daqueles casos envolvendo a devolução de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, pois, nessas situações, prevalecem a reversibilidade da medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação do enriquecimento sem causa.

6. Recurso especial não provido.” (não há destaques no original)

Pela simples leitura do relatório e do voto do Ministro/STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, pode-se perceber que os valores recebidos de boa-fé pelo Assistido, quando pagos indevidamente pela Entidade Fechada de Previdência Complementar em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do Regulamento do plano de benefícios de caráter previdenciário, não estão sujeitos à devolução.

Sabemos, perfeitamente, que o contrato previdenciário consubstanciado na lei de regência das EFPC prima pela boa-fé nas relações entre Participantes/Assistido, Entidades e Patrocinadores. O nosso Código Civil Brasileiro dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113), assim como obriga os contratantes a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (art. 422).

A título de enriquecimento do assunto, fala-se que a boa-fé é uma interpretação relacionada às cláusulas gerais que está presente nas relações contratuais e também em qualquer relação no mundo jurídico. Este princípio basilar do direito brasileiro verifica a intenção e o comportamento dos agentes nas relações jurídicas.

Importante destacar que quando a ação do agente se refere a uma conduta correta, fala-se em boa-fé objetiva, agora quando o agente sabe que não está agindo de forma correta e justa, onde a ação do agente prejudica outra parte na relação jurídica, estamos diante da má-fé objetiva.

E o que fazer? As EFPC precisam olhar para dentro de casa e promoverem uma interlocução mais próxima dos Participantes e Assistidos, caso ainda não tenham atuado neste sentido, como forma de minimizar os riscos jurídicos correspondentes a Planos reclamados nas vias judiciais (sempre atualizar cadastro e documentos). É necessário cumprir os ditames regulamentares, prevendo dispositivos que mitiguem a relação jurídica, especialmente, quanto à concessão e a manutenção dos benefícios previdenciais (Regulamentos ativos passaram previamente pelo rito de aprovação previsto no sistema).

É válido também analisar se determinados casos questionados pelos Assistidos, ou até mesmo por Participantes, podem ser sanados pela via administrativa e, para tanto, o corpo interno da Entidade tem que estar preparado pra isto e, se for o caso, acionar a área jurídica e/ou atuarial, de modo a colher opinamento técnico acerca da questão suscitada (Manifestação Jurídica, Parecer Atuarial, Manifestação Atuarial, dentre outros estudos). Se direitos são afrontados, obviamente, é merecedor que haja reparo pelo agente causador do dano. Assim, as EFPC precisam atuar, também, de forma preventiva, evitando debates que duram anos na esfera judicial (zela pela sua imagem e evita gatos desnecessários).

[1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.626.020 – SP (2016/0001016-6), julgado em 08/11/2016. Terceira Turma do STJ. Publicado no DJe em 14/11/2016.

(*) Fernando Henrique Silva da Costa é Advogado, graduado em Direito pela Universidade Potiguar - Natal/RN, membro da Comissão Especial de Previdência Complementar da OAB/DF e pós-graduado em Direito da Previdência Complementar pela Universidade Cruzeiro do Sul/UDF. É Supervisor Jurídico da MERCER GAMA.

Fonte: MERCER GAMA, em 27.01.2017.