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É só apitar

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Por Martha Corazza

foto flavio martins rodriguesApesar dos expressivos avanços na regulação do sistema de previdência complementar fechada no Brasil, com a construção de um modelo de governança que se tornou cada vez mais efetivo desde a edição da CGPC 13,  a meta de constante aperfeiçoamento das medidas de supervisão e fiscalização do sistema exige que o debate incorpore permanentemente novos conceitos e melhorias. Um dos temas colocados atualmente é a  possibilidade de incorporação, pelos fundos de pensão brasileiros, de regras similares à conhecida whistleblowing protection, lei aplicada com sucesso no Reino Unido ao longo dos últimos anos e cujo conceito envolve garantias de proteção e de empregabilidade a qualquer profissional que venha a denunciar às autoridades eventuais irregularidades ou inconsistências praticadas em empresas públicas ou privadas, bancos, fundos de pensão e outras jurisdições.

 “No Reino Unido, a “lei do toque do apito” surgiu como um necessário sistema de alarme depois das operações que prejudicaram investidores no final da década de 1980, por falta de clareza na divulgação de informações sobre as companhias”, explica o advogado e consultor jurídico da Abrapp, Roberto Messina. Ela foi o resultado de duas leis, criadas em 1996 e 1998, uma delas relativa ao direito do trabalho e outra ao disclosure (revelação pública de informações). Sua aplicação tem se dado principalmente na esfera pública e qualquer empregado pode denunciar práticas em qualquer estrutura da empresa que estejam em desconformidade com a legislação e que possam representar possível prejuízo para a organização e seus públicos. Os denunciantes, obviamente, precisam confirmar que não têm interesse pessoal no tema, que o assunto é de interesse público e que sua denúncia é feita em absoluta boa fé.   “A CGPC 13 já traz uma semente desse princípio, mas faltam garantias para assegurar que as condições de independência dos profissionais não sejam quebradas”.

Transpor esse conceito para os fundos de pensão no Brasil não seria simples do ponto de vista do ordenamento jurídico do País, que é diferente daquele do Reino Unido, afirma Messina, mas seria possível, por exemplo, com a recomendação do Conselho Nacional da Previdência Complementar, sem caráter impositivo,  que a medida fosse adotada nos estatutos das EFPCs. Isso poderia ocorrer por meio da atuação de conselheiros independentes que não representem empregados nem empregadores ou participantes e que não tenham, portanto, interesse próprio nos assuntos tratados.

Esses profissionais precisariam contar com garantia de mandato no estatuto da EFPC e garantias de poder exercer sua função de forma íntegra, além de ter assegurado o acesso a todos os documentos que transitem nas operações da entidade. “Não seria igual ao que ocorre na Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte porque lá existe uma garantia legal nesse sentido, mas seria possível adotar uma proteção importante mexendo apenas nos estatutos, sem mudanças que dependem do ordenamento jurídico do País”, pondera Messina. Se as providências devidas não forem tomadas, o conselheiro terá garantias para recorrer ao órgão fiscalizador. “Outra alternativa que vem ao encontro da necessidade de um “sinal de alarme” é a existência de auditores internos independentes, que se reportem ao presidente do Conselho Deliberativo e que sejam capazes de fazer uma auditoria livre de influências, como é o caso da Funcesp”, aponta Messina.

Contribuição importante - O princípio do “toque do apito” tem sido utilizado para disciplinar a atuação de órgãos de controle interno e externo, como consultores e auditores, e é um instrumento corriqueiro em diversos países desenvolvidos, observa o advogado Flávio Martins Rodrigues (foto), do Escritório Bocater Camargo Costa e Silva. “Essa forma de supervisão que incide sobre diversas jurisdições – bancos, empresas de capital aberto, fundos de pensão, etc – tem seu fundamento na ideia de que todos os agentes do sistema – supervisores e supervisionados – têm interesse em que este funcione de modo saudável”, observa Rodrigues. No caso dos fundos de pensão, ele tem sido aplicado particularmente com foco nas auditorias externas atuariais e contábeis, que estariam obrigadas a apontar diretamente ao órgão fiscalizador eventuais problemas identificados no curso de seu trabalhos. “Seria um sinal ao órgão supervisor de que alguma coisa está fora de conformidade com a regulação e parte do pressuposto de que o Estado tem capacidade limitada de supervisão, tornando necessário compartilhar essa função com os agentes privados”, explica Rodrigues.

No Brasil , ele lembra que a discussão tem sido restrita por enquanto ao mercado de valores mobiliários, no âmbito da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) mas sem avançar significativamente. “No exterior esse mecanismo tem sido trabalhado principalmente com os auditores externos e, para adotá-lo aqui, talvez fosse necessária uma lei complementar para regular o assunto, mas poderia ser objeto também de injunção sobre os órgãos internos de controle das fundações, seja no âmbito da diretoria executiva ou do Conselho Fiscal”, acredita Rodrigues.  Nesse caso não haveria necessidade de mudanças legais, bastando que o tema fosse regulado por norma do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC).

De todo modo, a adoção de um mecanismo similar ao “toque do apito” viria representar uma importante contribuição das auditorias num ambiente em que a fiscalização precisa ser mais efetiva e mais técnica.

Exemplo - Na Funcesp, a auditoria interna foi criada em 1987 e o quadro próprio consolidado em 1988, uma iniciativa pioneira entre os grandes fundos de pensão brasileiros, e um novo aperfeiçoamento ocorreu entre 1999/2000, com a definição da dupla subordinação do auditor interno. A medida, ainda que não possa ser incluída exatamente nos moldes regulamentares do “toque do apito” britânico, é um dos exemplos mais próximos desse conceito entre os fundos de pensão no Brasil. O auditor interno não é ligado aos patrocinadores e é subordinado operacionalmente ao diretor-presidente da Fundação, mas hierarquicamente sua subordinação se dá ao presidente do Conselho Deliberativo. “Isso garante a necessária independência porque se eu fosse subordinado apenas ao diretor-presidente poderia haver questões ligadas a determinadas áreas em que surgiriam restrições, mas hoje eu posso reportar qualquer coisa à diretoria e, se não houver consenso nesse nível, levo o problema ao Conselho Deliberativo”, explica o auditor chefe da Funcesp, Carlos Pecorino. Seus relatórios são acessados pela diretoria executiva, pelos gestores, pelos presidentes dos Conselhos Deliberativo e Fiscal e a partir de agora passarão a ser liberados também para os membros dos dois conselhos. Além disso, a Funcesp conta com um comitê de auditoria que não é estatutário, foi criado pela assembléia dos patrocinadores para funcionar como órgão de assessoria e tem reuniões a cada dois meses.

“Em termos de independência, é um bom modelo, e a Previc tem acesso aos nossos relatórios, sob demanda, sempre que há uma fiscalização, então a auditoria aqui já está bastante madura e os relatórios contêm a descrição do problema, a recomendação do auditor e um plano de ação que vai integrar as metas das áreas envolvidas, o que vai interferir inclusive nos bônus variáveis de seus gestores”, diz Pecorino.

Os pontos de deficiência significativa apontados pelas auditorias externas de balanço também entram no controle interno. Além de toda a estrutura de auditoria, a Funcesp mantém um canal direto de denúncias por meio do qual os empregados podem se manifestar a respeito de eventuais irregularidades tendo a garantia de emprego, desde que comprovada a boa fé dessas denúncias, informa o auditor. “Por força do Código de Princípios Éticos da Funcesp, eles já têm essa garantia de proteção”.

Fonte: Abrapp, em 08.12.2015.