Dr. César Eduardo Fernandes concede entrevista ao portal UOL e fala sobre ondas de calor na Menopausa


Esta doce, doce “home” do UOL onde moram os meus textos e muitos outros espaços da mídia recebem a visita de celebridades que resolveram compartilhar sua entrada na menopausa, incluindo suas ondas de calor, ou fogachos, que são de longe o sintoma mais frequente dessa fase. Fase será daqui paras empre, durando aí uns bons trinta anos, talvez mais. Menopausa é muito tempo de vida.
Falar de menopausa é positivo. O esquisito é o certo tom de surpresa de algumas de suas porta-vozes quando seria algo mais esperado e natural que flor na primavera. E outra, meninas: vocês não estão sozinhas em um planeta estranho. Há aproximadamente 30 milhões de brasileiras nele, uns 8% da nossa população adulta feminina.
A recente popularidade do tema mal dissolveu o tabu. Ele é forte e mais debilitante do que a sensação de ser acordada por um lança-chamas, como mostra uma pesquisa recente. Seus resultados são o primeiro de nove pontos que todos bem que poderiam entender.
1. A menopausa não é levada a sério
Não concorda? Então você é minoria, segundo o estudo Menopause Experience and Attitudes, encomendado pela farmacêutica de origem japonesa Astellas. Entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, foram entrevistadas 13.800 pessoas, sendo 2.300 brasileiros. Entre eles, mulheres que ainda não vivenciaram a menopausa e homens, além de, claro, mulheres que já estavam lá. Pois 66% dos entrevistados no Brasil acham que ninguém aborda essa fase com a seriedade merecida. Se olhamos só para as mulheres na menopausa, ou seja, que já pararam de menstruar há doze meses ou mais, 72% têm essa opinião.
Por essas e outras, 79% delas afirmam que sofrem de problemas psicológicos como ansiedade (58%), depressão (26%) e constrangimento constante (20%). Nos outros países investigados, “apenas” 66% fazem esse tipo de relato.
Para nós, o ambiente de trabalho é onde o bichinho da vergonha pega – a palavra “vergonha” foi apontada pelas entrevistadas. Na pesquisa, 1 em cada 4 mulheres na menopausa nota queda na produtividade. E 7 em cada 10 se sentem zero à vontade para falar disso com o seu gestor. Detalhe: 9% já foram alvo de discriminação explícita pelas amaldiçoadas ondas de calor durante o expediente.
2. A origem das ondas de calor está na cabeça
Está na cabeça, mas não da forma equivocada que alguns imaginam. Ouço o seguinte: “No cérebro, na região do hipotálamo, há certos neurônios que tanto controlam liberação de gonadotrofinas, hormônios que participam da regulação dos ovários, como estão envolvidos na temperatura corporal. E hoje sabemos que, na falta do estrógeno, como ocorre na menopausa, esses neurônios cerebrais passam a produzir substâncias que irão acionar receptores em outra área do hipotálamo. Um deles é conhecido por NKB, que dispara as tais ondas de calor ao ser ativado.”
Quem dá a explicação é o ginecologista César Eduardo Fernandes. Atual presidente da AMB (Associação Médica Brasileira) e professor titular da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), eu o procurei por um bom motivo: quando menopausa não era pauta, ele já cutucava todo mundo para falar dela.
O estudante de Medicina que sonhava com cirurgia decidiu ser ginecologista obstetra ao acompanhar partos. E, ao seguir por esse caminho, acabou se interessando pelas questões que têm a ver com os hormônios femininos. “Assim, fiz uma imersão em climatério, sem ter consciência de que isso iria tomar conta da minha vida”, relembra ele, que hoje vê surgirem substâncias seguras, não hormonais, capazes de agir diretamente nos tais receptores cerebrais, bloqueando o disparo das famigeradas ondas.
Entre elas está o fezolinetanto, medicamento desenvolvido justamente pela Astellas. Em estudos envolvendo mais de 3.000 mulheres com fogachos e suores noturnos, ele revelou ser capaz de aliviar a intensidade desses sintomas e reduzir sua frequência em até 64%.
Já usado em 14 países – como Estados Unidos, México, Alemanha e Austrália –, o fezolinetanto está em avaliação na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2023.
3. Brasileiras têm mais fogachos
Entre aquelas 30 milhões de brasileiras na menopausa, pelo menos 10 milhões ficam repentinamente empapadas de suor por causa das ondas de calor.
“No Brasil, as mulheres parecem ser mais acometidas por esse sintoma”, afirma o professor Fernandes. Há estudos confirmando isso. O mais recente saiu em outubro do ano passado na revista científica Menopause.
Os pesquisadores compararam 12.268 mulheres do Brasil, do México, do Canadá e dos países nórdicos da Europa. Notaram que 15,6% tinham ondas de calor moderadas ou severas. E quem puxava essa média para o alto? Nós! Aqui, talvez por questões genéticas, 36.2% das mulheres na menopausa sofrem disso, mais que o dobro de outros países.
4. Envelhecer aos 50 anos?!
Aquela pesquisa sobre experiência e atitudes talvez aponte o “x” da questão: no topo do rankingdas palavras mais associadas à menopausa está “envelhecimento”. No entanto, a idade média em que a brasileira entra na transição para a menopausa é 48 anos, ficando sem menstruar lá pelos 50.
“E ela ainda terá três décadas de vida ou mais pela frente”, reforça o professor Fernandes. “Essa mulher pode e deve ser muito interessante para si própria, antes de mais nada, em todas as esferas da existência.”
5. A tensão até pode ser gatilho
Segundo o médico, momentos mais desafiadores, inclusive aqueles profissionais, podem favorecer os malditos fogachos. “Isso reforça o preconceito, às vezes na própria mulher”, sente.
Ruborizada diante do mundo, transpirando à beça, ela costuma ficar insegura e acha que, se tivesse traquejo ou maior equilíbrio psíquico, evitaria o fenômeno. “É o que escuto com frequência”, conta o especialista. “Só que essa é uma resposta do sistema nervoso autônomo e tentar controlá-la é tão absurdo quanto dizer a uma pessoa com diabetes que, se ela for mais confiante, seu organismo produzirá insulina.”
Nessa comparação, bom esclarecer que diabetes é doença, enquanto a menopausa é uma fase natural, em que a mudança do padrão hormonal causa algum rebuliço. Se a mulher lembrar, a adolescência – outro desses períodos de transição – também não foi mamão com açúcar, sem sintomas chatos.
6. A pior parte é o sono
Se o desempenho cognitivo da mulher com ondas de calor acaba caindo, a razão é simples: elas tendem a se intensificar na madrugada, provocando os terríveis suores noturnos.
“Pode haver uma extrema dificuldade para adormecer e, depois, para manter um sono reparador”, afirma o professor Fernandes. “Noite após noite, isso vai causando prejuízos perceptíveis, como irritabilidade, depressão e fadiga física, além da queda do desempenho.”
O ginecologista se espanta quando isso vira chacota: “Alguém faz piada de mau gosto porque umindivíduo sofre de insônia? Ao contrário! Em geral, a insônia é valorizada.” Mas quando são as ondas de calor que atrapalham o sono…
7. Quase nunca os fogachos somem depressa por si só
Muitas mulheres acreditam que as ondas de calor são transitórias e não buscam ajuda médica. “Na maioria, porém, elas persistem por dois ou três anos. Em algumas, chegam a durar dez ou vinte anos”, afirma o ginecologista.
Para tentar resolvê-las, a terapia de reposição deveria ser iniciada logo no inicio da derrocada dos hormônios femininos e não, um bom tempo depois.
8. As ondas de calor são mais intensas em quem teve câncer de mama
É uma triste ironia: embora tenham mais episódios de fogachos que outras mulheres na menopausa e sintam um calorão mais intenso, mulher que tiveram tumor de mama não podem fazer reposição hormonal. Logo, precisariam de outros remédios, como fezolinetanto que aguarda sua aprovação pela Anvisa há dois anos.
Especula-se que os fogachos sejam mais fortes e intensos devido ao tratamento do câncer, que lança mão de remédios para bloquear os hormônios femininos. “É como se, na menopausa induzida por essas drogas, eles caíssem mais ainda”, explica o professor.
9. Reposição hormonal não garante fim dos fogachos
As ondas de calor, para muitas, costumam aliviar lá pela segunda semana de terapia de reposição hormonal. No entanto, nem sempre somem totalmente – e, aí, um remédio que não seja hormônio, como fezolinetanto, serviria de complemento. Até porque quem faz reposição não pode usar os antidepressivos que os médicos, até o momento, receitam como alternativa para tratar pacientes que não querem usar hormônios na menopausa. Esses antidepressivos, às vezes, “apagam” os fogachos.
Terapias não hormonais também são bem-vindas quando esse sintoma volta com o fim da reposição. Em geral, ela é feita ao longo dos dez anos primeiros anos de menopausa ou até a mulher completar 60. “Na verdade, essa duração deve ser avaliada conforme cada paciente, podendo ser mais curta ou se estender um pouco”, explica professor Fernandes.
Mas o fato é que esse tratamento nunca é para sempre e o calorão pode reaparecer quando o encanto dos hormônios femininos termina. E isso pouca gente sai contando.
Fonte: AMB, UOL, em 12.06.2025.