Por Guilherme Brum Gazzoni (*)
No último final de semana, tive o prazer de assistir ao inigualável show da Bibi Ferreira cantando o repertório de Frank Sinatra. Em mais de 1h de espetáculo ininterrupto para uma casa lotada, essa jovem senhora de 93 anos desfilou sua enorme habilidade artística. Cantou em português, inglês, francês e português de Portugal (com um sotaque muito apropriado) melodias dos mais diversos ritmos, passando pelo Jazz, Rock ’n’ Roll, Bossa Nova, MPB e assim em diante. Contou histórias do início do século passado como se estivesse se referindo a um acontecimento da semana anterior. E não vacilou ou pestanejou um momento sequer, sentando umas poucas vezes e mostrando apenas uma pequena dificuldade de locomoção para entrar e sair do palco, dando passos firmes, em seu ritmo, e apoiados no maestro Flávio Mendes, meu conterrâneo.
Saí do show com a certeza que aquilo que a Bibi Ferreira fazia era diferente do que um cantor ou cantora de seus vinte, trinta e poucos anos poderia fazer. Ela tem absoluto domínio de sua arte. É uma profissional. Ensaiou ao longo de setenta e cinco anos de carreira para apresentar, naquela noite, algo maior que talento: a maestria.
Graças às conquistas na saúde e medicina, temos cada vez mais a oportunidade de conviver com mestres em diferentes ciências, que exercem suas profissões até o limite de suas capacidades físicas, contribuindo com o desenvolvimento de nossa sociedade. Pessoas nascidas no início do século 20, que viveram ou continuam vivendo muito além das expectativas à época. Foi assim com Oscar Niemeyer, que nos deixou com quase 105 anos; é assim com Elizabeth II, que não perde a majestade aos mais de 90 anos; e o próprio Frank Sinatra, homenageado por Bibi, cantou até seus últimos dias, aos 82.
Ainda assim, parece-me às vezes que muitos de nossos cidadãos ainda contam os dias para chegar logo aos 60, 65 anos para, subitamente, interromper suas trajetórias profissionais, deixando apenas na lembrança tudo aquilo que foram capazes de fazer um dia. Nossa cultura ainda encara o aposentado como um ancião que se recolhe para aguardar calmamente o fim de seu tempo, assim como um velho elefante se afasta da manada, com o intuito de não prejudicar o curso dos mais jovens e fisicamente sadios.
Uma enorme perda para a população, que ao invés de se beneficiar da experiência e sabedoria dos idosos, os vê como um fardo oneroso. Em um país que envelhece a cada dia, este quadro precisa ser urgentemente revertido.
Como os idosos podem beneficiar toda uma nação
Aposentar-se hoje não pode mais ser sinônimo de parar de fazer aquilo que o indivíduo é capaz de fazer bem. Exceções à parte, a grande maioria das pessoas atinge a idade de aposentadoria em plenas condições físicas e mentais. Sabe-se, contudo, que nossos mestres da maior idade precisam de um olhar especial para manter-se como parte do eixo produtivo de um país.
De início, é preciso haver condições de trabalho diferenciadas. Voltemos à Bibi Ferreira. Ela faz seu show de forma simples, direta e objetiva: início pontual, e nada de longos atrasos; sem intervalos para troca de roupas, pois a que usou já lhe era suficientemente elegante; para acompanhar, água ao invés de whisky; uma cadeira para alternar minutos em pé e minutos sentados; e o principal, um repertório extremamente focado e sem firulas, falsetes ou embromação, apenas música da melhor qualidade executada com muita competência, permitindo-lhe ser o mais produtiva nessa pouco mais de uma hora em que passamos juntos. Seja seu mestre um cantor, um engenheiro ou um administrador, dê a ele um ambiente que respeite suas condições físicas e permita-o exercer seu papel a seu tempo, em jornadas mais curtas e menos extenuantes.
Para haver tais condições, apoio do Estado é certamente fundamental. As políticas públicas devem promover os incentivos adequados aos trabalhadores para que estes acumulem poupança suficiente para permanecerem financeiramente independentes quando já não mais puderem – ou quiserem – trabalhar de sol a sol todos os dias. Poucos terão acumulado fortuna que lhes permita viver totalmente despreocupados, e cada vez menos a Previdência Social, sozinha, será suficiente para bancar os altos custos na terceira idade. Assim, tenhamos na Previdência Complementar uma estrutura adequadamente abrangente para prover renda suplementar quando se fizer necessário, mantendo a qualidade de vida dos idosos.
E já que falamos de Previdência Complementar, que tal um desafio para que nossa indústria levante, cada vez mais, a bandeira de valorização dos aposentados que, após longa carreira, possuem no fundo de pensão um último vínculo com a empresa e/ou profissão que durante tantos anos defenderam? Podemos olhar para a riqueza de nossos fundos não apenas sob a égide do patrimônio acumulado, que é a medida mais comumente utilizada para determinar seu porte e importância, mas também pelo enorme conhecimento detido pelos muitos indivíduos que dele fazem parte. Ao encarar experiência como riqueza, cumpre-nos pensar em maneiras para reinvesti-la e rentabilizá-la, da forma como já fazemos com o dinheiro. Se o faz por hobby ou necessidade não sei, mas Bibi Ferreira está longe de dar prejuízos em seus shows.
Pois bem. Há muitos anos ouvimos falar dos desafios que as organizações enfrentam para reter seus jovens talentos, reinventando-se para mantê-los em seus quadros e extrair o máximo de suas capacidades. Sem deixar essa importante corrente de lado, espero agora ver nossa sociedade cada vez mais preocupada em manter seus mestres na cadeia produtiva até quando puderem e quiserem, encarando-os não como fonte de custos, mas sim de geração de valor para toda a nação.
(*) Guilherme Brum Gazzoni é Administrador, graduado pela Universidade de Brasília – UNB, Pós-Graduado em Finanças pelo IBMEC, e com Especialização em Entrepreneurship pela Babson College – Boston / Massachussets. É Diretor Administrativo e Comercial da GAMA Consultores Associados.
Fonte: GAMA Consultores Associados, em 30.05.2016.