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Do roteiro à resolução: como os recursos interativos auxiliam na solução de conflitos hospitalares

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Por Priscila Brito Guimarães
Kassylla Ferreira dos Santos
Camila Santos Paiva é Supervisora

Gestão de conflitos e o ambiente de saúde

A gestão de conflitos em ambientes de saúde é essencial para promover um atendimento seguro e de qualidade, além de um clima organizacional saudável para os colaboradores. Conflitos entre profissionais de saúde podem surgir devido a diferenças de opinião, exigências do ambiente de trabalho e desafios na comunicação. Estas dificuldades, caso não sejam bem gerenciadas, podem comprometer a eficiência dos serviços e afetar negativamente o bem-estar da equipe (Robbins, 2005).

O uso de recursos interativos na aprendizagem, como vídeos, tem se mostrado eficaz no apoio à resolução de conflitos em equipes de saúde. O uso de vídeos permite a simulação de situações reais, por meio da observação de comportamentos, falas e reações, promovendo aprendizado prático e engajamento dos profissionais (Filatro, 2012)

Trabalhando a gestão de conflitos

Em um ambiente tão dinâmico e sensível, a gestão eficaz de conflitos é mais do que uma habilidade desejável: é uma necessidade crítica. Imagine uma nova abordagem que transcende as palestras tradicionais, mergulhando os profissionais diretamente em cenários familiares, porém desafiadores, do dia a dia hospitalar. No Hospital Estadual da Criança e do Adolescente de Goiânia/GO, por exemplo, o Comitê de Compliance adotou uma metodologia inovadora, fundamentada nos princípios do Design Instrucional. A iniciativa envolve vídeos curtos e encenações realistas, retratando desafios cotidianos — desde o desaparecimento de refeições de colaboradores até situações mais delicadas, como fofocas e bullying.

Para garantir que a experiência alcançasse a todos, os roteiros dos vídeos foram cuidadosamente elaborados para abranger uma diversidade de categorias multiprofissionais, desde médicos e enfermeiros até fisioterapeutas, psicólogos, equipes administrativas e gestores. As cenas foram inspiradas em situações reais, vivenciadas diariamente na unidade e que por muitas vezes chegam até o comitê de compliance, por meio dos canais de denúncias institucionais.

A intenção era clara: levar os conflitos para além de um único setor, encenando-os em múltiplos ambientes hospitalares. Essa abordagem estratégica permitiu que os cenários, embora específicos, ilustrassem dilemas que permeiam a instituição como um todo. Assim, os colaboradores puderam não apenas se identificar com os tipos de conflitos mais frequentes e impactantes, mas também reconhecer as próprias lacunas de habilidades para lidar com eles, abrindo caminho para uma aprendizagem verdadeiramente aplicada.

O impacto dessa iniciativa foi amplificado pelo fato de os próprios membros da comissão e colaboradores convidados protagonizarem os vídeos. As cenas também foram formuladas e editadas buscando o humor como meio de acessar os espectadores de forma leve e natural. Essa escolha criou um senso imediato de familiaridade e autenticidade, transformando cada encenação em um espelho da realidade vivida no hospital. Mais do que meras exibições, esses vídeos serviram como ponto de partida para discussões aprofundadas, sendo complementados por questionários interativos que desafiavam os participantes a refletir sobre suas ações e a escolher o caminho mais adequado diante de cada dilema apresentado. Esse engajamento ativo, que uniu a visualização de cenários reais à reflexão orientada, foi fundamental para solidificar a aprendizagem e estimular a prática de novas abordagens na gestão de conflitos.

Para consolidar o conhecimento e garantir a aplicação prática, convidamos uma profissional psicóloga psicodramatista, que entrou em cena após a interação com os vídeos. Com sua expertise, a psicóloga aprofundou os conceitos-chave da gestão de conflitos, explorando os diferentes tipos de conflito, os variados estilos de manejo e a importância da comunicação assertiva. Mais do que teoria, a psicóloga conduziu

atividades práticas com os participantes, simulando a resolução de problemas e reforçando as habilidades recém-adquiridas. O objetivo primordial era que, ao final do treinamento, os colaboradores não apenas soubessem identificar os conflitos no ambiente hospitalar e reconhecer as emoções envolvidas, mas fossem capazes de aplicar técnicas básicas de comunicação não violenta e propor soluções assertivas para os desafios do cotidiano, considerando as normativas internas da instituição, bem como o uso adequado dos canais de comunicação de ocorrências.

Benefícios do uso de recursos interativos

A utilização de vídeos encenando situações reais como ferramenta de capacitação para os colaboradores do hospital traz benefícios significativos à gestão de conflitos na área da saúde. Essa abordagem contribui diretamente para a melhoria da comunicação entre os profissionais, minimizando as falhas de comunicação e promovendo um diálogo mais eficaz entre as equipes. Além disso, ao fomentar a compreensão e a aplicação de estratégias de resolução de conflitos, os vídeos auxiliam no aumento da satisfação da equipe, criando um ambiente de trabalho mais harmonioso e colaborativo.

Outro impacto positivo é a redução da rotatividade de profissionais, uma vez que equipes bem treinadas em gestão de conflitos tendem a sentir-se mais seguras e motivadas no ambiente hospitalar. A eficiência operacional também é aprimorada, pois a resolução ágil de desentendimentos evita retrabalho e melhora a coordenação entre setores. Por fim, conflitos bem gerenciados podem estimular novas ideias e fortalecer o espírito de equipe, promovendo um ambiente de trabalho transformador.

Com essa estratégia, que vai muito além da simples transmissão de informações, foi possível não apenas capturar a atenção, mas também moldar o comportamento e as atitudes dos colaboradores, promovendo uma cultura de resolução e harmonia. Compreendemos que a aprendizagem, quando estruturada com autenticidade e propósito, pode fortalecer valores, impulsionar mudanças e consolidar uma cultura de evolução contínua.

Os desafios frente ao processo educativo

Apesar dos claros benefícios e da metodologia bem estruturada, a implementação de uma gestão eficaz de conflitos em um ambiente complexo como o hospitalar não está isenta de desafios. Uma das principais barreiras é a resistência inicial de alguns profissionais. Essa resistência pode surgir de diversas fontes: desde a falta de tempo e o excesso de tarefas, passando por uma cultura organizacional que historicamente evita a resolução de conflitos de forma assertiva. Além disso, transformar a compreensão da equipe quanto a relevância de treinamentos, exige um esforço contínuo, que é favorecido quando lançamos mão de ferramentas alternativas.

Outras dificuldades incluem a manutenção do engajamento a longo prazo. Conforme citado pelo autor Schein, 2009, uma vez aprendidos os comportamentos, estes precisam ser praticados e reforçados diariamente para se tornarem hábitos. A diversidade de personalidades e estilos de comunicação dentro da equipe, também representa um obstáculo, exigindo abordagens flexíveis e a capacidade de adaptação por parte dos facilitadores. Por fim, a garantia de um ambiente seguro onde os colaboradores se sintam à vontade para expressar suas vulnerabilidades e praticar novas abordagens sem medo de julgamento é fundamental, mas nem sempre fácil de construir e sustentar. Estes desafios reforçam a importância de uma liderança transformadora que busca o desenvolvimento contínuo da equipe.

Capacitação como ferramenta de transformação

A iniciativa do Comitê de Compliance do Hospital Estadual da Criança e do Adolescente, ao empregar vídeos encenando conflitos reais, validou a eficácia de uma abordagem instrucional que vai além da teoria, mergulhando na prática do cotidiano hospitalar. Essa metodologia não apenas gerou um engajamento notável

entre os profissionais, mas também se consolidou como uma ferramenta prática e acessível, com vasto potencial para ser replicada em futuros treinamentos na unidade. A promoção de uma comunicação clara e assertiva é um pilar essencial que fortalece a cooperação interdisciplinar, impactando diretamente a qualidade do atendimento e a experiência do paciente e seus familiares.

Momentos de aprendizado como esse são essenciais, pois capacitam os profissionais a lidar com os desafios do ambiente de trabalho de forma mais equilibrada, reduzindo a sobrecarga emocional e cultivando um ambiente mais harmonioso. O Comitê de Compliance desempenha um papel estratégico fundamental na gestão de conflitos dentro da unidade, atuando como um baluarte para a prevenção de riscos organizacionais e a promoção de um clima organizacional positivo.

Ao alinhar rigorosamente suas ações aos princípios éticos e legais da Associação de Gestão, Inovação e Resultados em Saúde (AGIR), o comitê não só fortalece a confiança entre colaboradores e instituição, mas também contribui ativamente para a construção de uma cultura organizacional pautada na transparência e na resolução pacífica de problemas, essencial para o bem-estar de toda a comunidade hospitalar.

Referências:

FILATRO, Andrea. Design instrucional contextualizado: educação e tecnologia. 3. ed. São Paulo: Senac, 2012.
ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. 11. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.
SCHEIN, Edgar H. Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas, 2009.

* A opinião manifestada é de responsabilidade dos autores e não é, necessariamente, a opinião do IES

Fonte: Instituto Ética Saúde, em 03.07.2025.