Thales Dominguez Barbosa da Costa |
Marcia Cicarelli Barbosa de Oliveira |
Um dos desafios para a administração de empresas no Brasil é o cuidado para que as dívidas da pessoa jurídica não atinjam o patrimônio de seus gestores por meio da desconsideração da personalidade jurídica.
A possibilidade de desconsideração está prevista no Código Civil1 Brasileiro, que autoriza o juiz a atribuir os efeitos de certas relações de obrigações aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica nos casos de abuso de personalidade jurídica ou confusão patrimonial.
Percebe-se que a desconsideração da personalidade jurídica está, de certa forma, a meio caminho entre a responsabilidade da empresa e a de seus administradores. Contudo, apesar de ser uma exceção legal à regra de personificação de pessoas jurídicas, sua aplicação é frequente em casos como ações trabalhistas, fiscais e falimentares.
Por esta razão, algumas apólices de D&O oferecem cobertura específica para estas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Para esclarecer os efeitos da desconsideração é importante o reconhecimento de que o Seguro D&O não serve à garantia do patrimônio das pessoas jurídicas. É dizer, para o seu acionamento, é necessário tratar-se da responsabilização individual do gestor, e não da empresa. Para os Atos Danosos cometidos pelas empresas existem seguros de Responsabilidade Civil Geral dos quais são destinatárias da garantia securitária.
Para o seguro D&O, o problema da aplicação da desconsideração é a possível ausência de individualização da conduta do administrador, o que impossibilita o reconhecimento da responsabilidade civil individual dos Segurados. Nos clausulados de mercado, o Ato Danoso é aquele cometido especificamente pelo administrador e relacionado com a reclamação apresentada – o que requer a individualização da conduta. O problema surge quando a decretação judicial da desconsideração é genérica com relação a qual administrador teria cometido o ato fraudulento, o que não é incomum, para estender os efeitos da execução contra a pessoa jurídica a todos os seus administradores.
Ademais, além da aplicação tradicional desta teoria por meio de fundamentos próprios da responsabilidade civil como ato ilícito, fraude a credores ou confusão patrimonial, existe, no Código de Defesa do Consumidor2, hipótese pela qual a conduta dos administradores sequer é analisada para a despersonificação da empresa. Neste caso, se não há análise da conduta da administração, muito menos será identificada a conduta individual prevista na definição de Ato Danoso.
Nota-se assim que a desconsideração da personalidade jurídica não representa necessariamente o reconhecimento da responsabilidade civil dos administradores, além de, em determinados casos, não individualizar as condutas, o que impossibilita a aplicação das condições do seguro.
Para que a cobertura também abranja as hipóteses de desconsideração, os clausulados de Apólices D&O devem refletir a possibilidade de haver a execução patrimonial dos bens dos Segurados sem que tenha havido a sua responsabilização individual na estrutura já consolidada de atos danosos do Segurado levando à reclamação e à responsabilidade do gestor. Diante destas peculiaridades, é recomendável a elaboração de cobertura específica e, eventualmente, de limite de indenização destacado para este tipo de risco a que estão expostos os Segurados.
Fonte: Artigo publicado originalmente na revista Opinião.Seg nº 11 - Outubro de 2015 - Páginas 16 e 17.