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Convergências e tensões entre as teorias da agência e da representação na governança dos fundos de pensão

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8 07072025
9 07072025
Fellipe Pacheco de Oliveira* José Luiz Costa Taborda Rauen**

A governança dos fundos de pensão é um tema que desperta cada vez mais atenção, especialmente em um contexto de envelhecimento populacional, reformas previdenciárias e crescente demanda por eficiência, transparência e legitimidade nas decisões que afetam o futuro dos trabalhadores. Esses fundos têm uma responsabilidade enorme: administrar os recursos de milhões de pessoas que confiam naquele sistema para garantir sua aposentadoria. Por isso, a forma como são tomadas as decisões dentro dessas instituições é tão importante quanto os resultados financeiros que elas apresentam (CARVALHO, 2017).

Duas abordagens teóricas ajudam a entender melhor essas relações e os desafios da gestão: a Teoria da Agência e a Teoria da Representação. Embora sejam diferentes em origem e foco, ambas tratam da mesma questão central: como organizar uma estrutura onde uma pessoa ou um grupo toma decisões em nome de outros. A Teoria da Agência é mais conhecida no mundo empresarial e se preocupa principalmente com o controle de resultados (PIRES, 2014). Já a Teoria da Representação vem do campo da política e das ciências sociais, e enfatiza a legitimidade, a escuta e a inclusão das vozes dos representados no processo de decisão (GONÇALVES; TEIXEIRA, 2018).

A Teoria da Agência parte de uma situação muito comum: alguém precisa delegar uma tarefa a outra pessoa. No caso dos fundos de pensão, isso acontece quando os participantes confiam em conselheiros e gestores para administrar seus recursos. Mas esse tipo de delegação traz riscos. O agente, ou seja, quem toma as decisões, pode agir de forma a priorizar seus próprios interesses em vez dos interesses de quem representa. Para evitar isso, a teoria propõe ferramentas como contratos bem definidos, metas claras, auditorias, sistemas de avaliação de desempenho e outras formas de controle (SOUZA; FERRAZ, 2016).

Esse modelo busca minimizar as chamadas assimetrias de informação, que ocorrem quando o agente possui mais conhecimento técnico ou acesso a dados que o principal. A transparência, nesse caso, atua como mecanismo redutor dessas desigualdades, permitindo que os participantes compreendam e acompanhem a gestão de seus ativos. Com isso, além de garantir uma atuação alinhada aos objetivos do fundo, cria-se um ambiente de confiança institucional entre os envolvidos, aspecto essencial para a perenidade dos sistemas previdenciários.

Por outro lado, a Teoria da Representação traz uma lente diferente. Em vez de se concentrar apenas nos resultados, ela se preocupa com o modo como as decisões são tomadas. É uma abordagem que valoriza a legitimidade da autoridade, a conexão entre representantes e representados, e a necessidade de incluir a diversidade de pontos de vista nas decisões. Isso é muito relevante nos fundos de pensão, principalmente porque muitos deles têm conselhos formados por representantes eleitos pelos próprios participantes (MORAES, 2015). Nesse cenário, não basta que as decisões sejam eficientes: elas também precisam ser justas, compreensíveis e aceitáveis para quem está sendo representado (JARDIM, 2015).

Um ponto forte da Teoria da Representação é seu foco na construção de legitimidade por meio da deliberação e da escuta qualificada. Ou seja, não basta que os representantes tenham um mandato formal; é necessário que eles mantenham canais abertos de diálogo com suas bases e sejam capazes de expressar, com fidelidade, as preferências coletivas. Além disso, essa abordagem exige mecanismos que garantam a rotatividade, a capacitação e a responsabilização dos representantes. Tudo isso contribui para a criação de uma cultura de governança mais inclusiva, onde os valores da coletividade são incorporados às decisões estratégicas.

Na prática, essas duas teorias se encontram e, às vezes, entram em tensão. Ambas reconhecem que há riscos em qualquer forma de delegação de poder. Ambas destacam a importância de mecanismos de prestação de contas, ou accountability, como forma de proteger os interesses de quem é afetado pelas decisões (PIRES, 2014). Mas os caminhos que cada uma propõe são diferentes. A Teoria da Agência enfatiza a necessidade de monitoramento técnico e avaliação de desempenho. Já a Teoria da Representação sugere que é preciso escutar as bases, construir consensos, manter o diálogo e garantir que os representantes de fato reflitam os interesses e valores dos participantes (OLIVEIRA, 2025).

Essas diferenças se manifestam em situações concretas. Por exemplo, uma proposta de investimento que promete retorno rápido pode ser bem avaliada sob a ótica da Teoria da Agência, mas gerar resistência entre os conselheiros representantes dos participantes, que talvez prefiram decisões mais cautelosas, com foco na sustentabilidade de longo prazo (CARVALHO, 2017). Nesses casos, o desafio da governança é encontrar o equilíbrio entre eficiência econômica e legitimidade social. E esse equilíbrio não se dá automaticamente: exige esforço, diálogo, formação e construção de confiança (OLIVEIRA, 2025).

O modelo de governança paritária adotado em muitos fundos de pensão no Brasil é um exemplo claro de tentativa de conciliar essas abordagens. Metade dos conselheiros é indicada pelo patrocinador (empresa ou ente público) e a outra metade é eleita pelos participantes e assistidos. Essa estrutura busca garantir que as decisões não sejam tomadas de forma unilateral ou tecnocrática (GONÇALVES; TEIXEIRA, 2018). Ela abre espaço para a escuta, mas também impõe a necessidade de que os representantes estejam preparados, conheçam os temas em debate e tenham capacidade técnica para exercer sua função com responsabilidade (SOUZA; FERRAZ, 2016).

Ademais, o funcionamento eficiente da governança exige que haja convergência entre os princípios da prudência atuarial e a responsabilidade social. A figura do conselheiro híbrido — alguém que compreende os riscos técnicos e, ao mesmo tempo, conhece as demandas dos participantes — emerge como um ideal a ser alcançado. Esse tipo de perfil contribui para decisões mais equilibradas, pois não sacrifica a sustentabilidade do plano em nome de interesses imediatos, tampouco ignora as preocupações legítimas dos beneficiários.

Ao mesmo tempo, cresce a percepção de que apenas a paridade formal não é suficiente. É preciso avançar na construção de uma accountability multidimensional, que envolva não só a prestação de contas aos órgãos reguladores e à legislação, mas também aos próprios participantes, à sociedade e aos princípios éticos que sustentam o pacto previdenciário (CARVALHO, 2017). Isso inclui promover mais transparência, investir na capacitação dos representantes, estimular a participação ativa dos assistidos e adotar boas práticas de governança reconhecidas internacionalmente (MORAES, 2015).

Essa busca por equilíbrio também pode ser observada na literatura especializada, que vem tratando com mais frequência da importância de combinar diferentes perspectivas para aprimorar os mecanismos de governança. Fundos que conseguem integrar os princípios da eficiência técnica com os valores da participação democrática tendem a apresentar melhores resultados, tanto do ponto de vista financeiro quanto em termos de confiança e engajamento dos participantes (PIRES, 2014).

Além disso, experiências nacionais e internacionais demonstram que estruturas participativas fortalecem a resiliência institucional dos fundos em momentos de crise. Quando os participantes sentem que suas vozes são ouvidas e consideradas, há maior disposição para aceitar ajustes e colaborar com medidas de equilíbrio financeiro. Assim, a governança baseada em representação não é apenas uma questão de justiça democrática, mas também de inteligência estratégica na gestão previdenciária.

No fundo, a boa governança de fundos de pensão não se resume a seguir regras ou bater metas. Trata-se de construir um ambiente em que as decisões sejam tomadas com responsabilidade, escuta, técnica e compromisso com o coletivo. Trata-se de honrar a confiança depositada por milhões de pessoas que esperam, ao final de sua trajetória profissional, contar com a proteção de um sistema justo, eficiente e transparente. As Teorias da Agência e da Representação, quando vistas não como opostas, mas como complementares, oferecem ferramentas valiosas para esse caminho (OLIVEIRA, 2025).

Mais do que um debate acadêmico, integrar essas visões no cotidiano das instituições é um exercício de aprimoramento contínuo. É uma forma de fortalecer a previdência complementar como política pública, de proteger os direitos dos participantes e de assegurar que a promessa feita hoje — a de uma aposentadoria segura — seja cumprida no futuro. Governar bem um fundo de pensão, afinal, é mais do que administrar recursos: é cuidar de pessoas e de seus projetos de vida, com responsabilidade intergeracional, compromisso social e excelência institucional.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Luiz Alberto dos Santos. Governança dos fundos de pensão: representação, accountability e regulação. Brasília: ENAP, 2017. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/2766. Acesso em: 8 jun. 2025.

GONÇALVES, José Elísio; TEIXEIRA, Felipe Araújo. Conselhos deliberativos e a Teoria da Representação: estudo aplicado à governança das EFPCs brasileiras. Revista de Administração Pública e Gestão Social, v. 10, n. 4, p. 267–282, 2018.

JARDIM, Maria Auxiliadora. Representação sindical e fundos de pensão no Brasil: tensões entre democracia e profissionalização. Cadernos CRH, v. 28, n. 73, p. 299–315, 2015.

MORAES, Marcelo Viana Estevão de. Governança corporativa nos fundos de pensão: uma análise da representação dos participantes no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 49, n. 5, p. 1299–1320, 2015.

OLIVEIRA, Fellipe Pacheco de. Seguridade Social e Direito Público na Revolução 5.0: a previdência complementar como instrumento de inovação e difusão técnico-científica. Revista da Previdência Complementar da Abrapp, ed. maio-jun. 2025 (no prelo).

PIRES, Roberto Rocha C. Accountability e governança em fundos de pensão: experiências comparadas e lições para o Brasil. In: GOMIDE, Alexandre; PIRES, Roberto Rocha C. (org.). Governança e capacidades estatais: entre a política e a gestão. Brasília: Ipea, 2014. p. 279–300. Disponível em: https://books.scielo.org/id/83c95/pdf/pires-9786559542529-05.pdf. Acesso em: 8 jun. 2025.

PIRES, Roberto Rocha C.; GOMIDE, Alexandre. Governança pública: construção de capacidades para a efetividade da ação governamental. Brasília: Ipea, 2018. (Nota Técnica nº 39). Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/180404_nt_disoc_n_39.pdf. Acesso em: 8 jun. 2025.

SOUZA, Everton Donizeti de; FERRAZ, Cláudio Henrique. Representatividade e desempenho nos conselhos de administração: um estudo sobre fundos de pensão no Brasil. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 29, p. 77–94, 2016.

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* Fellipe Pacheco de Oliveira: Diretor Financeiro da CuritibaPrev, e Diretor da Previpar. Mestre em Economia pela UFPR, MBA em Previdência Complementar pela PUC/UniAbrapp, MBA em Engenharia de Planejamento pela UFRJ, Especialista em Politicas Publicas pela UNB, Atuário pela UERJ. Membro do Instituto Brasileiro de Atuaria e certificado CEA, CPA20, ICSS-ADM, ICSS-INV, CP RPPS DIRIG III e CP RPPS CGINV III.

** José Luiz Costa Taborda Rauen foi criador e é Diretor Presidente da CuritibaPrev - Fundação de Previdência Complementar do Município de Curitiba (o primeiro, e ainda único fundo de pensão de servidores municipais do Brasil). Foi Diretor Presidente da Fusan - Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social, Presidente do IPMC - Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba, membro titular do Conaprev - Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social e Vice-Presidente do Sindapp – Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. É Conselheiro da OABPrev-PR e do Mais Futuro Fundo de Previdência, autor e coordenador da Autorregulação da Abrapp – Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, membro titular da CRPC - Câmara de Recursos da Previdência Complementar (órgão que aprecia e julga os recursos interpostos contra decisões da Previc), advogado, professor de Direito Civil da PUC/PR e professor da Escola Federal da Magistratura Federal do Paraná.rauen@curitibaprev.com.br

(07.07.2025)