Buscar:

Considerações sobre o direito patrimonial disponível na previdência complementar fechada

Imprimir PDF
Voltar

Aparecida Pagliarini - Advogada formada pela Universidade de São Paulo especializada em previdência complementar, membro do Conselho Deliberativo do IPCOM - Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar, presidente da Comissão Especial de Previdência Privada da OAB/SP.

Danilo Ribeiro Miranda Martins - Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, mestre em direito previdenciário pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, membro do IPCOM. Foi Procurador-Chefe da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC.

Tem se tornado usual, mais recentemente, a menção ao direito patrimonial disponível na previdência complementar fechada, geralmente no contexto de disputas com participantes e assistidos decorrentes de alterações de regras de regulamentos de planos de benefícios e de estatutos de entidades que operam esses planos.

O tema guarda estreita relação com a atuação da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da PREVIC - CMCA-PREVIC, órgão criado com fundamento na previsão constante do artigo 2º, inciso VII, da Lei nº 12.154/2009, que incumbiu a PREVIC de promover a resolução adequada de disputas na previdência complementar fechada. Isso porque o artigo 318, § 2º, da Resolução PREVIC nº 23/2023 se reporta à utilização da arbitragem sobre “direitos patrimoniais disponíveis”.

A origem da expressão, no entanto, está no artigo 1º, caput, da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), que expressamente afirma que a arbitragem pode ser utilizada para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

A princípio o conceito serve para distinguir as matérias que podem ser objeto de livre disposição pelas partes e que, portanto, são arbitráveis, daquelas que se submetem a normas de caráter cogente, com relação às quais as partes não podem compor, sujeitando-se ao Poder Judiciário para eventual solução de controvérsia.

É por isso, a propósito, que o artigo 318, § 1º, da Resolução PREVIC nº 23/2023, exclui a atuação da CMCA-PREVIC nas questões relacionadas ao exercício do poder de polícia da Autarquia, de evidente caráter cogente.

Distinguir as situações que envolvem direitos disponíveis daquelas decorrentes de normas cogentes, especialmente em um ambiente muito regulado como a previdência complementar fechada, não é tarefa fácil. É necessário, para tanto, análise dos dispositivos legais aplicáveis e da regulação correspondente para verificar se as normas limitam ou não a composição pelas partes.

Importante, não obstante, notar que o artigo 202 da Constituição Federal conferiu à previdência complementar natureza contratual e privada, de modo que, a princípio, pode haver espaço para negociação e, portanto, para ampla utilização dos mecanismos adequados de resolução de disputas.

Mas, como toda regra, há exceções. A jurisprudência tem reafirmado, em diversas oportunidades, o caráter predominantemente cogente das regras previstas na LC nº 108/2001, que tratam das entidades de previdência que contam com patrocínio estatal.

Dessa forma não se vislumbra, por exemplo, possibilidade de que as partes tentem resolver uma disputa sobre a aplicação da paridade contributiva utilizando-se da arbitragem. O artigo 202, § 3º, da Constituição, e o artigo 6º, § 1º, da LC nº 108/2001 não conferem margem para isso, de modo que eventual disputa sobre o tema fatalmente será dirimida pelo Poder Judiciário.

Em se tratando de debate sobre alteração de regulamentos e de regras de estatutos, por seu turno, deve-se questionar em primeiro lugar se há realmente um direito e a quem pertence esse direito.

A LC nº 109/2001, sem dúvida alguma, reconhece o direito dos participantes e assistidos ao direito acumulado e ao direito adquirido na hipótese de alteração de regulamentos, que são naturalmente direitos patrimoniais disponíveis.

A jurisprudência, no entanto, já afastou a compreensão de que poderia haver direito adquirido às regras do contrato previdenciário previstas na data de adesão, o que é objeto do Tema 907 do Superior Tribunal de Justiça. Se não há direito adquirido às regras originais do regulamento, vê-se com maior dificuldade ainda o reconhecimento a um direito adquirido às regras originais do estatuto.

Não havendo direito dos participantes e assistidos às regras iniciais de regulamentos e estatutos, pode-se afirmar, por outro ângulo, que há então o direito da entidade de previdência de promover a sua alteração, observados o dever fiduciário e os limites previstos na legislação.

Na hipótese de retirada de patrocínio, que também tem reflexos no plano de benefícios, verifica-se que se trata de um direito do patrocinador, reconhecido no artigo 25 da LC nº 109/2001, decorrente da facultatividade garantida constitucionalmente (art. 202, caput, CF/88). Não é muito diferente com os participantes e assistidos, a quem a Lei Complementar assegura o direito ao resgate e à portabilidade, independentemente de anuência da entidade de previdência ou do patrocinador.

É certo, contudo, que na retirada de patrocínio é exigido o cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade até a data da retirada do plano, de acordo com as regras vigentes. Tem-se, nessa perspectiva, direitos patrimoniais disponíveis que pertencem exclusivamente aos participantes e assistidos, decorrentes de eventual retirada, que podem, então, ser objeto de composição.

Vislumbra-se, desse modo, espaço para que esses e outros temas sejam avaliados e resolvidos fora do Poder Judiciário, inclusive na própria CMCA-PREVIC. Exige-se, apenas, que a opção pelos mecanismos de resolução adequada de disputas seja estritamente voluntária, com manifestação expressa de vontade dos envolvidos, em consonância com o entendimento do STF expresso no julgamento do processo SE 5.206.

De outro lado vale lembrar que, para o procedimento de mediação, a Lei não restringiu a sua aplicação aos direitos patrimoniais disponíveis. Segundo o artigo 3º, caput, da Lei nº 13.140/2015, pode a mediação versar tanto sobre direitos disponíveis quanto sobre “direitos indisponíveis que admitam transação”. A cautela a se adotar, neste último caso, é levar o acordo posteriormente para homologação judicial (art. 3º, § 2º).

Há, portanto, bastante espaço também para o desenvolvimento da mediação na previdência complementar fechada, procedimento que possui as vantagens de ser mais célere, menos oneroso, mais flexível, previne o surgimento de novos conflitos e permite que as partes tenham o controle sobre o resultado final - vantagens que, registre-se, têm sido ainda muito pouco aproveitadas pelos atores do segmento: patrocinadores, instituidores, entidades de previdência, participantes e assistidos.

(17.03.2025)