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Cabe a aceitação parcial de denunciação da lide? Súmula 537 do STJ

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Por Fernando Procópio (*)

1 03092025

Ninguém desconhece que uma das formas mais comuns de intervenção de terceiro, prevista no Título III, do Livro III, do Código de Processo Civil, é a denunciação da lide. Reza o Art. 125:

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que for vencido no processo.

Nas lides sobre Direito do Seguro, é comum a utilização pelo segurado da prerrogativa contemplada neste último inciso: convocando ao processo a seguradora, ele procura se eximir de responder por resultado pecuniário que lhe venha a ser oneroso. Trata-se de medida que abrevia as etapas de um roteiro que provavelmente irá envolver a companhia denunciada.

Nessa esfera, o fundamento para a denunciação é a apólice contratada que prevê coberturas para determinados riscos. Assim, sendo o segurado demandado para ressarcir o autor pelos danos gerados por certo sinistro em que for por este considerado culpado, pode requerer que a seguradora venha integrar o polo passivo. Inicia-se, então, uma demanda secundária.

Cabe à denunciada aceitar ou não essa convocação. A aceitação poderá ser expressa ou tácita, mas caso a acate, estará implícito o reconhecimento de que passa a ser litisconsorte passivo do réu na ação principal. Necessária cautela ao tomar essa decisão porque, se recusar, poderá ser condenado nas verbas sucumbenciais na hipótese de vir a ser comprovada a sua responsabilidade contratual, além de arcar com os ônus da condenação da demanda principal.

Uma vez realizada a denunciação, surgirão duas demandas, que serão processadas e julgadas conjuntamente. A nova, chamada de incidente ou secundária, somente será analisada se a ação principal for decida em desfavor do denunciante, conforme preceitua o CPC:

Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide.

Parágrafo único. Se vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamentos das verbas de sucumbência em favor do denunciado.

A pergunta que gostaria de formular aqui é se pode a denunciada aceitar apenas parcialmente essa convocação. E já respondo: não só pode, como deve.

Há uma situação bem concreta e muito presente na área securitária consistente em que a apólice que cobre o sinistro cuja reparação está sendo pleiteada pelo autor não preveja todos os riscos abarcados pela petição inicial. A busca de ressarcimento por danos materiais são a principal razão de demandas envolvendo acidentes com veículos e a reparação dos prejuízos dele decorrentes é comumente prevista nesse tipo de contrato. Não se diga o mesmo em relação a outros riscos, como, por exemplo, relativos a danos morais, estéticos etc., muitas vezes expressamente excluídos do contrato firmado entre denunciante e a seguradora.

Nesse caso, ela certamente deve aceitar a denunciação em relação aos prejuízos causados ao veículo do autor, mas sem nenhuma dúvida deve rechaçá-la quanto àqueles outros danos que não foram contemplados contratualmente.

Não é o que se verifica na prática desses processos: a seguradora aceita a denunciação e registra que não lhe cabe responsabilidade por esses outros itens.

Mas, qual a diferença entre um procedimento e o outro? A recusa, leva à possibilidade de reconhecimento de carência da ação por ilegitimidade passiva relativamente à parte excluída do contrato: ao denunciante não cabe tentar transferir a responsabilidade daquele naco da demanda à denunciada. Trata-se de questão processual. Já a alternativa que tem sido utilizada nessas demandas ingressa na esfera de mérito, em que o juiz, mesmo dando ganho de causa ao autor, analisando a lide secundária, com base no que foi tratado entre o réu e a seguradora, decide pela improcedência parcial da denunciação.

Dessa observação decorre que, quando adotada aquela primeira via, a ação incidental terá realmente o caráter de um verdadeiro processo, em que o magistrado será obrigado a ouvir o denunciante sobre a recusa parcial da seguradora e ele poderá contestá-la devidamente ou mesmo reconhecer a procedência da alegação da denunciada. Na forma como hoje é proposta, muitas vezes o réu nem atenta para essa objeção e acaba não havendo uma verdadeira contenda entre os dois, o que leva o magistrado a, por vezes, não distinguir bem as responsabilidades cabentes a cada um.

Mas, a razão definitiva para se adotar a aceitação apenas parcial está na Súmula 537 do Superior Tribunal de Justiça, que declara:

Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. (SÚMULA 537, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJ 15/06/2015)

A contrario sensu, se a denunciada rejeitar a convocação do denunciante, não poderá ser condenada “direta e solidariamente junto com o segurado”, ficando, portanto, sob a responsabilidade deste último o ressarcimento em relação a riscos excluídos na apólice.

Posta dessa forma a questão, é de se perguntar se o autor não deveria pedir a denunciação apenas em relação aos itens a que a seguradora esteja obrigada a reparar. Certamente que sim, exatamente para não correr o risco de se ver condenado a verbas sucumbenciais em relação à demandada secundária.

(*) Fernando Procópio de Araújo Ferraz é advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1975, com especialização em Processo Civil. Atuou no Depto. Jurídico de empresas, estando hoje vinculado ao escritório Saraiva Advogados Associados.

(03.09.2025)