Buscar:

Bioética Digital foi tema de Fórum promovido pelo Cremesp

Imprimir PDF
Voltar

cremesp 29082022

 

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) realizou, em 24 e 25 de agosto, o 1º. Fórum de Bioética Digital, aliando assuntos referentes à profissão, como Sigilo segundo Hipócrates e prontuário, além de outros ssenciais no âmbito da saúde, como telemedicina, transmissão de dados em saúde e inteligência artificial. Durante cerca de quatro horas divididas em duas noites de apresentação, ficou claro que aprender a lidar com a tecnologia não é algo distante da realidade dos médicos em consultórios e hospitais, pois o progresso da Ciência dos Dados é um caminho sem volta. 

No primeiro dia do evento a mesa diretora contou com as presenças de Irene Abramovich, presidente do Cremesp; Angelo Vattimo, 1º. Secretário; Tatiana Bragança de Azevedo Della Giustina, conselheira do CFM, representando o presidente daquela entidade, José Hiran da Silva Gallo; e Wagmar Barbosa, coordenador do departamento de Comunicação do Cremesp, organizador do Fórum. Na ocasião, a presidente destacou a importância de se discutir Bioética Digital. “Nós, que saímos da caneta para o computador, temos que conviver com as mudanças, para não corrermos riscos em relação à proteção dos nossos pacientes”. 

O bloco O Sigilo como parte essencial da segurança do paciente trouxe várias interpretações do “Sigilo”, um dos pilares da profissão médica, protagonista na era da transmissão de dados de saúde online. Falando sobre Sigilo na tradição médica hipocrática e no âmbito bioético, o bioeticista Marcos de Almeida, professor da Unifesp, lembrou que há vários preceitos de Hipócrates não mais aplicáveis na atualidade, porém que a obrigação do sigilo se mantém como base da profissão.  

Outra faceta do sigilo – proteção dos dados de transmissão eletrônica em saúde – foi trazida pelo médico Antônio Carlos Onofre de Lira, da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS). Sob o ponto de vista técnico, diz, a revolução digital em saúde trouxe “um volume incomensurável” de dados, aos quais se devem escolher e gerenciar. “O aumento no acesso remoto pode causar invasão de sistemas se não forem seguros”.  Por segurança, entende-se registrar informações em plataformas adequadas. Torna-se necessário ainda formar médicos com habilidades nas ciências dos dados, vindas desde a graduação à residência, completa a médica Beatriz Faria Leão, também da SBIS. Ao responder a questão: “Sigilo e Prontuário, a versão eletrônica é mais segura?”, Beatriz é objetiva: “se as ‘plataformas’ usadas forem construídas em WhatsApp ou zoom, a versão em papel é mais segura”. 

O bloco o Médico e novas Tecnologias e implicações da LGPD em Saúde, mediado por Angelo Vattimo, foi iniciado por José Elias Matieli, major-brigadeiro médico, que versou sobre a experiência e interface com a medicina do laboratório de bioengenharia no Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do ITA, o qual coordenou durante vários anos. Um dos focos do laboratório se direciona a tecnologia dual, que busca a utilização, em pesquisa médica, de dispositivos normalmente usados em aeronaves. Soluções em próteses a preços “mais adequados” figuram entre os projetos do laboratório. 

Em Inovações e equipamentos em iA: possibilidades de uso em Saúde, o engenheiro Elcio Hideiti Shiguemori, do IEAv-ITA, salientou que “grandes empresas geram grande quantidade de dados muito valiosos”. Entre as fontes mais valiosas de informações, figuram prontuários, que abarcam os chamados “dados sensíveis” do paciente, com todo seu histórico de Saúde. Para garantir a confidencialidade, hoje se dispõe da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), abordada no Fórum por Elcio Lima Garcia, Data Protection Officer (DPO) do Cremesp, que apresentou um painel histórico lei 13.709/2018, vigente desde 2020. 

Aguiro Akagi, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação e Comunicação Digital OAB/SP - Santo Amaro, destacou os riscos jurídicos do médico no âmbito digital.  Entre esses riscos estão os relativos à gestão interna de pessoas; controle do acesso e o uso de softwares falsos. Depois das apresentações, as plateias – presencial e virtual – puderam tirar dúvidas. 

Para ver a íntegra das apresentações do primeiro dia de apresentações acesse https://www.youtube.com/watch?v=2TMic-7XFmA

Inteligência artificial e Bioética e novas tecnologias 

O segundo dia de Fórum de Bioética Digital do Cremesp teve sua mesa diretora formada por Irene Abramovich, presidente do Cremesp; Angelo Vattimo, 1º. Secretário; Maria Camila Lunardi, 2ª. secretária, e Wagmar Barbosa, coordenador do Departamento de Comunicação do Cremesp. 

O bloco Serviços médicos mediados por tecnologia e inteligência Artificial foi aberto por Chao Lung Wen, chefe da Disciplina de Telemedicina da FMUSP, discorrendo sobre telemedicina e teleatendimento: impacto na relação médico/paciente. Logo de início, reiterou que a telemedicina e telessaúde são irreversíveis. “Quem disse que a evolução da medicina não deve acompanhar a sociedade?”. Para ele, isso significa que, com a disseminação do metaverso, o “mundo virtual”, e a ampliação do 5G, “os robôs passarão a fazer parte sistemática dos atendimentos” O médico precisa se preparar, pois “a não educação leva ao improviso e ao erro”. O professor Chao também falou sobre as especificidades da Resolução CFM nº 2.314/22, que dispõe sobre a prática da telemedicina no Brasil. 

Wagmar Barbosa, coordenador de Comunicação da Casa, mediador do bloco, realizou apresentação sobre a experiência do Cremesp em relação a denúncias sobre telemedicina e teleatendimento. Como explicou, as queixas sobre consultas virtuais quadriplicaram desde 2020, e foram desde incompreensão de médicos e pacientes sobre os requisitos mínimos para telemedicina, à interação comercial com empresas fora do âmbito médico – como ocorreu, por exemplo, a que fomentou posicionamento conjunto entre Cremesp e CRF sobre aspectos legais que envolvem a prática de telemedicina realizada em drogarias.

Outro ângulo importante – e capaz de levar à punição ética e legal do médico – é a relação dos médicos com as redes sociais, tema defendido pela presidente do Cremesp, Irene Abramovich. “Uma fotografia de paciente divulgada nas redes sociais do médico, sem a devida autorização, pode cair na rede e nunca mais é recuperada. Você não tem controle da divulgação”. Coube à Júlia Remer, jornalista do departamento de Comunicação do Cremesp, apresentar pontos importantes presentes no Guia das Boas Práticas nas Redes sociais para Médicos, publicadas pelo Cremesp.

O último bloco do evento aludiu as Novas tecnologias e Barreiras e riscos da inteligência artificial. Bioética e iA. Os riscos embutidos nos atendimentos com o uso de iA e, ainda, de ataques cibernéticos a sistemas e dispositivos médicos foram trazidos por Marcelo Felix, físico, médico Radiologista, que atua com Informática e Ciência de dados por mais de 15 anos. Segundo ele, a complexidade dos dados presentes no ecossistema virtual dos dados de saúde apresenta dimensão maior do que a envolvida no sistema bancário, por exemplo. “Empresas de saúde são, hoje, os principais alvos dos hackers”, já que “o valor de um dado de saúde é 40 vezes mais complexo do que os atribuídos aos cartões de crédito”. 

Alexandre Aldred, do HC-FMUSP falou sobre as inovações trazidas pela termografia, método de mapeamento da intensidade da radiação de infravermelho, que pode ser aplicado, de acordo com pesquisas na área, como preditiva de reações cardiovasculares e no manejo da dor crônica, entre outras. Em O sequestro de dados em saúde e como resolver invasões, o advogado Pedro Sanches, especialista em proteção de dados, elencou as cinco etapas de infecção com ransomware, espécie de vírus de computador capaz de bloquear um dispositivo ou criptografar seus conteúdos para extorquir dinheiro de seu proprietário. São: primeiro contato, infecção, pesquisa de arquivos, criptografia e pedido de resgate. 

Na etapa final do encontro o assunto foi Bioética. Edson Umeda, presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo, abordou as iniquidades trazidas pelas possibilidades em bioética digital, inclusive, de sequenciamento genético e a possibilidades como estigmatização de grupos já vulneráveis, por meio “de distribuição desigual do acesso e dos benefícios obtidos”.  Já Marco Aurélio Guimarães, médico, bioeticista e responsável pelo Laboratório de Antropologia Forense do Centro de Medicina Legal da FMRP-USP, falou sobre os avanços e temores bioéticos em relação à inteligência artificial. Entre os medos figuram os relativos ao mau uso das tecnologias, e de algoritmos usados em estudos genéticos apresentarem resultados inexplicáveis às possibilidades humanas. 

Vejam a integra do segundo dia de fórum acessando: 
https://www.youtube.com/watch?v=e0q1JqRbMIk

Algumas frases 

“Mais do que mantermos uma fixação cega ao princípio de sigilo, ou a qualquer outro princípio ético, é mais importante avaliar as nossas regras de conduta” Marcos de Almeida, Unifesp

“O médico tem papel fundamental na garantia de segurança dos dados obtidos do paciente, quanto ao rigor da veracidade das informações. Não pode disponibilizar seu login e senha para terceiros”, Antônio Carlos Onofre de Lira, SBIS

“O investimento e informática da saúde é ridiculamente baixo”, Beatriz Faria Leão, SBIS
“Até 1846 não operávamos por falta de anestésicos. Hoje operamos por robôs”. 

“A Ciência dos Dados é uma realidade. Agora é o momento de se discutir regras e restrições”, Elcio Hideiti Shiguemori, IEAv-ITA” 

“Ao fornecer seus dados, o paciente deve concordar de maneira inequívoca em relação ao seu uso, sendo que o consentimento pode ser revogado a qualquer momento”, Elcio Lima Garcia, DPO Cremesp 

“Atentem-se para processos redundantes e a pessoas que estão tendo acesso a determinados dados, e que não precisariam”, Aguiro Akagi, OAB 

“O país só se desenvolve quando cria novas tecnologias”, Angelo Vattimo, 1º. Secretário do Cremesp

“Não concordo com o ponto de vista de que a telemedicina veio para ‘desumanizar’ os atendimentos. A desumanização já acontece hoje, e vem de pessoas pouco humanizadas”  Chao Lung Wen, USP 

“Regras éticas em consultas presenciais valem para as virtuais. Não se podem adotar condutas indevidas por estar frente a uma tela de computador” Wagmar Barbosa, Cremesp

“Ataques graves a sistemas de saúde mexem com a imagem e a reputação das instituições”, Marcelo Felix, médico que atua em Informática e Ciência de dados

“Onde houver excesso de quente e frio, a doença estará ali, ensinava Hipócrates”. Alexandre Aldred, HC-USP 

“Até entre os hackers existe uma ‘espécie de ética’, Pedro Sanches, especialista em proteção de dados

“A inteligência artificial chega às pessoas de forma sutil em ambiente de informação privado, podendo mudar comportamentos ”, Edson Umeda, presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo. 

“A tecnologia não é ética, antiética ou aética. Tudo depende do uso”, Marco Aurélio Guimarães, USP-RP 

Veja as fotos do evento.

Fonte: Cremesp, em 29.08.2022
Fotos: Osmar Bustos