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Desde o advento da Lei Complementar nº 126/07, que pôs fim ao monopólio de resseguro, o mercado brasileiro passa por constante transformação em relação às normas de colocações de resseguro e capital de risco. Somam-se, ainda, a esse cenário, as regras de controles internos, o modelo de supervisão baseada em risco, além das mudanças nos valores das penalidades e a intensificação da fiscalização por parte do órgão regulador de seguros, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
A Resolução CNSP nº 168/2007, que regulamentou a referida Lei e dispõe sobre a atividade de resseguro, retrocessão e sua intermediação, foi, recentemente, modificada no tocante às regras de reserva de mercado aos resseguradores locais e cessões intragrupo, pelas Resoluções CNSP nº 322/151, de 20/07/2015; nº 324/152, de 30/07/2015; e nº 325/153, de 30/07/2015.
Vale lembrar que, no Brasil, existem resseguradores locais, admitidos e eventuais.
Por definição legal, o ressegurador local é aquele sediado no país constituído sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão. O ressegurador admitido é sediado no exterior, com escritório de representação no país, que, atendendo às exigências previstas na legislação e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão, deve ter patrimônio líquido não inferior a US$ 100.000.000,00 (cem milhões de dólares dos Estados Unidos), ou equivalente em outra moeda estrangeira de livre conversibilidade, atestado por auditor externo. O ressegurador eventual é a empresa estrangeira sediada no exterior sem escritório de representação no país que, atendendo às exigências previstas na legislação e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão, deve ter patrimônio líquido não inferior a US$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de dólares dos Estados Unidos), ou equivalente em outra moeda estrangeira de livre conversibilidade, atestado por auditor externo.
As cedentes brasileiras podem transferir riscos para resseguradores locais, admitidos e eventuais.
Quando a cedente, o ressegurador ou o retrocessionário pertencerem ao mesmo conglomerado financeiro ou forem empresas ligadas, as operações de resseguro ou retrocessão deverão ser informadas à SUSEP, existindo regras específicas em relação às operações intragrupo.
Até a publicação da nova regra, a sociedade seguradora ou o ressegurador local não poderia transferir, para empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior, mais de 20% (vinte por cento) do prêmio correspondente a cada cobertura contratada. Com a nova regra, houve alteração dos limites máximos do prêmio correspondente a cada contrato automático ou facultativo, na transferência dos riscos da seguradora ou do ressegurador local para empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior, da seguinte forma:
I – 20% (vinte por cento), até 31 de dezembro de 2016;
II – 30% (trinta por cento), a partir de 1º de janeiro 2017;
III – 45% (quarenta e cinco por cento), a partir de 1º de janeiro de 2018;
IV – 60% (sessenta por cento), a partir de 1º de janeiro de 2019;
V – 75% (setenta e cinco por cento), a partir de 1º de janeiro de 2020.
Os limites não se aplicam aos ramos garantia, crédito à exportação, rural, crédito interno e riscos nucleares para os quais ficam permitidas cessões em resseguro ou retrocessão para empresa ligada ou pertencente ao mesmo conglomerado financeiro sediada no exterior, observadas as demais exigências legais e regulamentares. Portanto, os ramos excepcionados pelo regulador, para fins do percentual de empresas ligadas, permanecem os mesmos previstos na regra anterior.
Conforme se infere da nova norma, houve um aumento gradativo dos limites permitidos para empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior, alcançando, em 2020, um percentual muito maior do que aquele permitido nos dias de hoje. Referido aumento vai de encontro à almejada abertura do mercado, esperada desde a publicação da Lei Complementar e tem sido visto de forma bastante positiva pelo mercado de seguros e resseguros, apesar de a nova regra não ter sido discutida, previamente, já que não chegou a ser colocada em consulta pública pelo órgão regulador, de forma que os principais “players” pudessem contribuir com sua redação, tanto que em pouco tempo foram identificados problemas redacionais e outros tipos de inconsistências que levaram à publicação de uma sequência de Resoluções em alguns dias, até que a versão final da Resolução CNSP nº 168/07 fosse consolidada.
Cumpre notar que, nos termos do art. 14, § 5º, da Resolução CNSP nº 168, incluído pela Resolução CNSP nº 232/2011 e, posteriormente, pela Resolução CNSP nº 322/2015, referendada pela Resolução CNSP nº 325/2015, empresa ligada ou pertencente a um mesmo conglomerado financeiro é o conjunto de pessoas jurídicas relacionadas, direta ou indiretamente, por participação acionária de 10% ou mais no capital, ou por controle operacional efetivo, caracterizado pela administração ou gerência comum, ou pela atuação no mercado sob a mesma marca ou nome comercial.
Todavia, o conceito de empresa ligada é diferente daquele previsto na Resolução CNSP nº 321, publicada em 17/07/2015, a qual dispõe, dentre outros temas, dos critérios para a realização de investimentos. Na norma em questão, o art. 2º define como sociedades ligadas:
a) sociedades coligadas, controladas ou equiparadas a sociedades coligadas ou controladas;
b) pessoas jurídicas relacionadas por participação, direta ou indireta, de 10% (dez por cento) ou mais, por parte dos administradores e respectivos parentes até o segundo grau de uma delas, em conjunto ou isoladamente, no capital da outra;
c) pessoas jurídicas relacionadas por participação, direta ou indireta, de 10% (dez por cento) ou mais, por parte dos associados controladores (no caso de entidades abertas de previdência complementar sem fins lucrativos) ou acionistas de uma delas, em conjunto ou isoladamente, no capital ou patrimônio líquido, conforme o caso, da outra;
d) pessoas jurídicas cujos administradores, no todo ou em parte, sejam os mesmos da supervisionada, ressalvados os cargos exercidos em órgãos colegiados, previstos estatutária ou regimentalmente, e desde que seus ocupantes não exerçam funções com poderes de gestão;
e) pessoas jurídicas relacionadas pela atuação no mercado sob a mesma marca ou nome comercial.
O conceito de empresas ligadas ou pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro sediadas no exterior, para fins de vedação entre empresas do mesmo grupo já não era igual à definição de empresas ligadas para a regra geral constante da Resolução CNSP nº 226/2010, que dispunha sobre os critérios para a realização de investimentos pelas sociedades seguradoras e resseguradores locais, sendo mantida a pequena diferenciação conceitual com a publicação das novas normas (Resoluções CNSP nº 321/2015, 322/2015 e 325/2015).
De qualquer modo, a redação é bastante semelhante, contendo pontos comuns.
Modificação também bastante comentada pelo mercado é quanto às regras de contratação e oferta preferencial a resseguradores locais pelas sociedades seguradoras. A oferta preferencial da sociedade seguradora de cada cessão de resseguro ao ressegurador local permanece estabelecida em 40% (quarenta por cento), o que não poderia ser diferente, considerando que a própria Lei Complementar nº 126/07, prevê, em seu artigo 11, que a cedente contratará ou ofertará, preferencialmente, a resseguradores locais pelo menos 40%4 (quarenta por cento) de sua cessão de resseguro.
Com as novas regras, para fins do referido percentual da oferta preferencial, a contratação a cada contrato automático ou facultativo passa a ser, nos seguintes percentuais:
I – 40% (quarenta por cento), até 31 de dezembro de 2016;
II – 30% (trinta por cento), a partir de 1º de janeiro de 2017;
III – 25% (vinte e cinco por cento), a partir de 1º de janeiro de 2018;
IV – 20% (vinte por cento), a partir de 1º de janeiro de 2019;
V – 15% (quinze por cento), a partir de 1º de janeiro de 2020.
Tais limites não se aplicam para as cessões pertinentes aos seguintes ramos: (i) seguro garantia; (ii) seguro de crédito à exportação; (iii) seguro rural; e (iv) seguro de crédito interno, mantendo-se assim a exceção de ramos.
Com as novas regras, o IRB-Brasil Resseguros S.A. continua autorizado a exercer suas atividades de resseguro e de retrocessão, qualificando-se como ressegurador local, tendo havido modificação no prazo de adequação em relação aos riscos nucleares, que passa a ser até o dia 31 de dezembro de 2017, diante da impossibilidade de adequação até o prazo anteriormente estabelecido, que era em 31 de dezembro de 2014.
As alterações promovidas na Resolução CNSP nº 168/2007, nos meses de julho e agosto, propicia, conforme noticiado pela própria SUSEP, uma sistemática de flexibilização do mercado, que tem sido vista de maneira bastante otimista, embora não se possa negar a “onda” de incertezas causada pelo impacto de, em um curto espaço de tempo, uma sequência de normas ter sido publicada, o que, de certa forma, gera um período inicial de insegurança jurídica e, até mesmo, a suspensão temporária de alguns negócios no aguardo de uma estabilização, a qual está bastante próxima de ocorrer considerando os aspectos positivos, principalmente, tendo em vista os prazos estabelecidos para que os novos percentuais de cessões sejam implementados.
De qualquer modo, permanece vigente a regra que estabelece que as sociedades seguradoras e os resseguradores locais não poderão ceder, respectivamente, em resseguro e retrocessão, mais de 50% (cinquenta por cento) dos prêmios emitidos relativos aos riscos que houver subscrito, considerando-se a globalidade de suas operações, em cada ano civil, o que deve ser levado em consideração para a estruturação da colocação dos riscos.
Além das alterações acima mencionadas de maior impacto, foi instituída, pela Resolução CNSP nº 322/15, uma Comissão Consultiva com a finalidade de propor medidas voltadas a corrigir eventuais assimetrias entre a regulação brasileira de resseguros e as melhores práticas globais. Finalmente, há um reconhecimento concreto em relação à importância de o mercado brasileiro estar atento aos outros mercados, adequando-se, por certo, naquilo que não for incompatível, às práticas estrangeiras de mercados mais desenvolvidos.
Inicialmente, a Comissão seria composta por um representante de cada órgão que compõem o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, dois representantes dos consumidores e dois representantes do segmento de resseguros, sendo presidida pelo representante do Ministério da Fazenda.
A Resolução CNSP nº 325/15, alterou a composição da Comissão, para que dela façam parte um representante de cada órgão que compõe o CNSP, dois representantes das seguradoras e dois representantes do segmento de resseguros, sendo presidida pelo representante do Ministério da Fazenda. Houve a supressão do termo “representantes dos consumidores” para participarem da Comissão.
Andou bem o regulador neste tocante, pois é digno de nota que, embora todo contrato de seguro seja um contrato de dupla adesão5, nem todo contrato de seguro é um contrato de consumo. Especialmente, quando se trata de grandes riscos6, dificilmente, verifica-se uma relação de consumo, sendo absolutamente temerária a utilização de termos que remetam à possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, como previsto quando da constituição da Comissão.
Assim, tal como está redigida a norma, a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização fará a indicação dos representantes titulares e suplentes, do segmento de seguros e a Federação Nacional das Empresas de Resseguros fará a indicação dos representantes, titulares e suplentes, do segmento de resseguros. A critério do Presidente poderão ser convidados a participar da Comissão Consultiva representantes de setores relacionados ao assunto, o que possibilita a participação de consumidores, se e quando for o caso.
As modificações do resseguro ainda não chegaram ao fim, sendo aguardada, ainda, regras sobre a formalização do contrato de resseguro, em razão da recente minuta de Circular SUSEP colocada em Consulta Pública7 de nº 03/2015, em 06/07/2015, a qual estabelece e dispõe sobre critérios adicionais relacionados ao art. 37, da Resolução CNSP nº 168/07.
Referido artigo dispõe que a formalização contratual das operações de resseguro deverá se dar em até 270 (duzentos e setenta) dias do início da vigência da cobertura, sob pena de esta não ser considerada, para todos os fins e efeitos, desde o seu início. O aceite do ressegurador, na proposta de resseguro, é prova da cobertura contratada. No contrato, deverão constar a data da proposta, a data do aceite e a data da vigência da cobertura, especificando ainda o local que será usado como referência para a definição de hora de início e término do contrato.
Nos últimos dois anos, foi intensa a fiscalização da SUSEP em relação aos contratos de resseguro8, tendo sido o tema objeto de debate pelo mercado em diversas ocasiões. Algumas das discussões postas, a título elucidativo são: (i) conceito de formalização contratual; (ii) como se dá a formalização; (iii) em qual momento se dá a conclusão do contrato de resseguro; (iv) se o slip em conjunto com a aceitação é o próprio contrato; (v) até que ponto a corretora de resseguros tem responsabilidade por esta formalização. Todas essas questões que, por si só, poderiam ensejar um artigo próprio.
Nesse contexto e, atendendo as ânsias do mercado, o texto da minuta da norma colocada em Consulta Pública define como formalização contratual a assinatura do contrato de resseguro pelo ressegurador, contendo data e carimbo. Assim, além de procurar conceituar o termo formalização contratual, a norma colocada em consulta revela uma grande preocupação com a cedente.
A concordância da cedente com os termos e condições constantes do contrato de resseguro formalizado deverá ser comprovada junto à SUSEP, se assim for exigido pela autarquia. Já, ao definir o contrato de resseguro, a minuta abrange tanto o resseguro como a retrocessão e, de forma expressa, prevê a possibilidade de o contrato ser físico ou eletrônico, definindo, também, a questão da guarda de documentos.
A minuta ainda deixa claro que a nota de cobertura, emitida pela corretora de resseguros, não substitui o contrato de resseguro. Referida questão é bastante óbvia e não precisaria estar descrita na norma, salvo para afastar, por completo, o entendimento distorcido daqueles que defendem ser a nota de cobertura o próprio contrato.
Apesar de algumas dificuldades práticas impostas no texto da minuta, como a menção conjunta à necessidade de assinatura, data e carimbo, para fins de formalização contratual, a publicação da Circular em questão é aguardada pelo mercado, a fim de obter maior segurança em relação ao assunto, diante da intensa fiscalização dos contratos de resseguro nos últimos tempos, bem como da divergência de interpretação jurídica dos operadores de direito e da própria SUSEP em relação ao conceito de formalização do contrato de resseguro.
Enfim, o mercado brasileiro caminha para o desenvolvimento e fomento do resseguro, almejado desde o fim do monopólio, com a transformação e a consolidação de alguns conceitos até então um pouco nebulosos.
Apesar do cenário favorável, certamente, novas questões irão surgir e somente com o amadurecimento do mercado em relação às novas regras, bem como a forma como a qual o órgão regulador passará a fiscalizar as operações de resseguro é que os novos rumos serão construídos, sendo ainda muito cedo para uma previsão concreta em relação aos movimentos, não perdendo de vista a situação econômica em que se encontra o país.
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