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Artigo: Previdência Complementar e a competência judicial: uma análise dos temas 1.166 e 190 do STF – por Janete Morales*

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Por Alexandre Sammogini

A definição da esfera judiciária competente para processar e julgar questões relacionadas à previdência complementar fechada é um tema que tem gerado intenso debate no cenário jurídico brasileiro. Afinal, qual é a verdadeira fronteira entre a Justiça Comum e a Justiça do Trabalho quando o assunto é previdência complementar?

O Supremo Tribunal Federal, por meio dos Temas 1.166 e 190, estabeleceu diretrizes fundamentais sobre a matéria, delimitando-a entre essas duas esferas. Esses temas revelam a complexidade e a necessidade de uma compreensão precisa sobre a atribuição de jurisdição, especialmente em casos que envolvem tanto aspectos trabalhistas quanto contratuais, suscitando discussões sobre qual esfera deve decidir cada caso específico.

O Tema 1.166 do STF estabelece que:

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada. (grifo nosso)

Este entendimento originou-se do Recurso Extraordinário nº 1.265.564/SC, interposto pelo Banco do Brasil contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações visando diferenças salariais com reflexos nas contribuições destinadas às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). No caso, o Banco do Brasil, patrocinador do plano de benefícios administrado pela PREVI, foi acionado em demanda na qual o autor buscava o reconhecimento de horas extras, diferenças salariais correspondentes e a obrigação do banco em efetuar os recolhimentos das contribuições à EFPC.

A partir desse caso, consolidou-se o entendimento firmado no Tema 1.166 do STF de que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações cujo pedido principal envolva o reconhecimento de verbas trabalhistas, mesmo que isso repercuta nas contribuições destinadas à Entidades Fechadas de Previdência Complementar vinculada ao empregador. Por outro lado, quando a demanda se limitar à complementação de aposentadoria, sem qualquer controvérsia sobre direitos trabalhistas, a competência será da Justiça Comum.

Nesse contexto, o Tema 190 do STF define a competência para julgar demandas relacionadas à complementação de aposentadoria por Entidades Fechadas de Previdência Complementar. A tese fixada estabelece que cabe à Justiça Comum processar e julgar essas ações. Contudo, foi prevista uma exceção: os processos que já tinham sentença de mérito até 20 de fevereiro de 2013 permaneceriam sob a jurisdição da Justiça do Trabalho até o trânsito em julgado e a fase de execução.

A divergência entre os Temas 1.166 e 190 decorre da origem das normas aplicáveis. A Justiça do Trabalho deve atuar apenas no reconhecimento da natureza salarial das verbas pleiteadas nas ações trabalhistas, com reflexos nas contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Por outro lado, as contribuições para a previdência complementar privada são uma escolha do empregado, caracterizando um contrato autônomo e distinto.

Assim, disputas relacionadas a esse tipo de contrato devem ser tratadas pela Justiça Comum, com base no Direito Civil, uma vez que não decorrem do contrato de trabalho, mas de uma relação jurídica entre o afiliado e a Entidade Fechada de Previdência Complementar. Dessa forma, a Justiça do Trabalho não possui competência para julgar tais questões.

A tese firmada pelo STF no Tema 1.166, ao atribuir à Justiça do Trabalho a competência para analisar ações sobre verbas trabalhistas e suas implicações nas contribuições à previdência privada, configura uma clara intervenção na autonomia dos contratos de previdência privada. Com essa decisão, o STF desconsidera a garantia constitucional de autonomia prevista no artigo 202, §2º, da Constituição Federal, que assegura que a previdência complementar deve ser regida por regras próprias, sem interferência estatal:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

[…]

2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. 

O Tema 1.166, ao atribuir à Justiça do Trabalho a competência para analisar questões relacionadas a verbas trabalhistas e suas implicações nas contribuições à previdência complementar, não retira a competência da Justiça Comum, mas a delimita para questões específicas. A decisão permite que a Justiça do Trabalho se pronuncie sobre a natureza contributiva ou não das verbas trabalhistas no contexto da previdência complementar, ou seja, se as verbas têm ou não impacto nas contribuições para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar vinculadas ao empregador. Contudo, questões como a revisão de benefícios não podem ser discutidas na Justiça do Trabalho, sendo de competência exclusiva da Justiça Comum.

Em contraste, o Tema 190, por sua vez, trata especificamente da competência da Justiça Comum para processar e julgar causas que envolvam complementação de aposentadoria por Entidades Fechadas de Previdência Complementar. A decisão no Tema 190 estabelece que as demandas relacionadas à previdência complementar devem ser tratadas fora do âmbito das relações trabalhistas, ou seja, no âmbito do Direito Civil, onde a natureza do contrato entre o participante e a Entidade Fechada de Previdência Complementar é claramente distinta da relação empregatícia.

Portanto, não se pode falar em sobreposição de competências entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum, mas sim em uma cisão de competência, em que cada esfera judicial atua de maneira exclusiva em áreas específicas do direito. Essa divisão de competências visa garantir que a Justiça do Trabalho trate apenas das questões trabalhistas, enquanto a Justiça Comum se encarrega das questões civis, preservando a autonomia dos contratos de previdência complementar.

Diante dessas considerações, torna-se claro que a competência da Justiça Comum para julgar questões envolvendo contratos de previdência complementar é a mais adequada. Ao manter a separação entre as esferas trabalhista e civil, assegura-se o respeito à autonomia dos contratos e ao princípio da especialidade do Direito Civil, além de proporcionar maior segurança jurídica aos participantes e assistidos de planos de previdência privada. A manutenção dessa divisão de competências é crucial para a estabilidade do sistema jurídico e para a proteção dos direitos dos envolvidos.

*Membro da Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp

Referências:

Supremo Tribunal Federal (STF). Repercussão Geral nº 190. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?classeProcesso=RE&incidente=2616941&numeroProcesso=586453&numeroTema=190.

Supremo Tribunal Federal (STF). Repercussão Geral nº 1166. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5891647&numeroProcesso=1265564&classeProcesso=RE&numeroTema=1166 

Supremo Tribunal Federal (STF). RE 1265564. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5891647 

Fonte: Abrapp em Foco, em 26.05.2025.