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Artigo: Dados alternativos e assertividade em renda variável – por João Noronha*

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A busca por retornos em renda variável é uma missão desafiadora em momentos de volatilidade e incerteza nos mercados. Em cenários adversos, o investidor pode querer se afastar da classe de ativo, à primeira vista, devido ao seu nível relativamente maior de risco e às oscilações dos mercados de ações.

No entanto, para geração de alfa, ou excesso de retorno, os fundos de ações e multimercados são peças fundamentais de uma carteira diversificada. Mais ainda em investimentos de natureza previdenciária, que precisam navegar por diferentes contextos econômicos ao longo de anos ou décadas. Então, como balancear proteção e rentabilidade na renda variável? Uma das possíveis respostas está na assertividade na seleção dos ativos. E uma capacidade robusta de análise de dados pode ser o diferencial necessário para alcançá-la.

De fato, a análise fundamentalista pode ter o seu potencial de assertividade aprimorado se combinada com a análise de grandes bases de dados. São bases menos óbvias, que exigem expertise do analista para tratamento e processamento dos dados, de forma a gerar insights e identificar tendências que possam impactar o desempenho de determinadas empresas, setores ou países.

Por exemplo, na Schroders, nosso time de cientistas de dados (Investment Insights Unit – IIU) utiliza, além dos dados tradicionais – como números de mercado, balanços das companhias, notícias e informações setoriais –, dados alternativos, muitas vezes de bases privadas de custo relevante, como monitoramento de aplicativos, pesquisas proprietárias, curvas de custo e tendências de market share. Esses dados são cruzados e analisados para gerar conhecimento, verificar e testar a robustez de teses de investimento e, assim, fornecer mais embasamento para tomada de decisão na gestão de ativos.

O trabalho inclui pesquisas sob demanda; busca para localizar, adquirir e disponibilizar novas fontes de informação; criação de produtos de insight para aumentar a escala e agilidade no tratamento de dados; e utilização de ferramentas e técnicas específicas, como inteligência artificial, intelligence augmentation e ciência comportamental. Esse nível avançado de análise de dados é possibilitado, hoje, entre outros fatores, pela maior transparência de dados praticada pelas empresas e pela evolução tecnológica, que permitem ir além do tradicional e munir os times de gestão com novas perspectivas.

No Brasil, por exemplo, realizamos a avaliação do ambiente competitivo no comércio eletrônico do país por meio do monitoramento de aplicativos e comparando dados de usuários diários ativos, sessões diárias e tempo de uso médio por usuário entre diferentes companhias relevantes e de capital aberto no setor. A análise comparativa resultou em insights para guiar a alocação de carteira entre as opções do setor e corroborou uma tese menos otimista que o consenso à época com relação a empresas nacionais que competem nesse mercado.

No exterior, o nosso time de análise de dados promove um rastreamento frequente do sentimento do consumidor em relação a marcas, para fornecer um indicador em tempo real sobre a opinião pública diante da empresa e da concorrência. Esse trabalho ajuda a compor e atualizar teses de investimento de fundos da Schroders. Por exemplo, em 2019, as pesquisas da Schroders forneciam dados de percepção de marca positivos na China sobre uma marca de vestuário de luxo, o que orientou que a gestora mantivesse a posição na empresa, apesar dos dados negativos vindos de outras fontes convencionais. No fim, os resultados trimestrais da empresa foram positivos e suas ações tiveram boa performance.

Esses casos demonstram como formas alternativas de análise de dados podem colaborar para a geração de alfa em portfólios de renda variável. Na Schroders, pessoas com diversas habilidades e experiências formam o time de IIU. Os membros da equipe vêm de países e áreas diversas, como biologia, astrofísica, entre outras. A análise de Big Data é conduzida por um time de cientistas de dados com mais de 20 profissionais; e a integração de sustentabilidade conta com a análise feita por mais de 50 profissionais para observar critérios ambientais, sociais e de governança. Eles apoiam os cinco profissionais dedicados à análise de ações brasileiras, que compõem um time internacional de Gestão em Mercados Emergentes, com mais de 50 profissionais de investimentos, em 10 localidades.

Com o objetivo de melhorar os retornos ajustados a risco, um dos possíveis caminhos é aumentar a assertividade na seleção e avaliação dos ativos, o que pode ser alcançado pela combinação de análise quantitativa e qualitativa de dados. O processo de coleta e análise de dados evoluiu imensamente nos últimos anos. Muitas vezes, não é mais suficiente que o processo de gestão ativa obtenha insights apenas das informações tradicionais, como números de mercado e dados macroeconômicos. Há um montante inédito e abundante de informações, que vão desde redes sociais a dados de tráfego de cidades, que podem oferecer uma dimensão mais avançada ao investidor que procura estar à frente dos demais.

*João Noronha,
CFA, é analista e cogestor de renda variável na Schroders Brasil

Fonte: Abrapp em Foco, em 03.07.2023.