Buscar:

Artigo: Como a Renda Fixa no exterior pode reequilibrar carteiras previdenciárias – Por Ismael Ribeiro Ramos*

Imprimir PDF
Voltar

Desde a crise provocada pela pandemia de Covid-19, temos enfrentado um ambiente desafiador — tanto no cenário doméstico quanto internacional. Nesse contexto, fóruns, palestras, artigos e estudos tornaram-se fontes valiosas para orientar decisões de alocação mais estratégicas — e, em certos momentos, táticas. Para as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), essa necessidade é ainda mais evidente, dado o impacto direto dessas escolhas sobre os resultados dos planos que administram.

Os principais fatores de risco — como bolsa, juros nominais e reais no Brasil e fundos multimercados — já são amplamente debatidos e considerados na construção de portfólios, sob múltiplas perspectivas. Em contrapartida, a alocação internacional ainda é pouco explorada, tanto no debate prático quanto na composição real das carteiras. Segundo dados da Abrapp, em dezembro de 2024, os ativos no exterior representavam apenas 1,1% do total investido pelas fundações, mesmo com um limite regulatório de 10% em vigor há anos. Já os fundos de pensão globais mantêm, em média, cerca de 36% alocados fora de seus países de origem. Esse descompasso revela um viés doméstico persistente — e muitas vezes irracional — que compromete a diversificação dos portfólios, concentra riscos locais e limita o acesso a novas fontes de retorno. Por outro lado, representa uma oportunidade clara: ampliar as alocações offshore pode aumentar a resiliência das carteiras e contribuir de forma relevante para o cumprimento dos objetivos atuariais de longo prazo.

Nesse sentido, a renda fixa global se destaca como uma das poucas classes de ativos que hoje conseguem aliar retorno ajustado ao risco competitivo com baixa correlação em relação aos fatores predominantes nas carteiras das fundações, como juros locais, crédito privado doméstico, multimercados e bolsa brasileira. Investir em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e as principais economias da Europa, oferece vantagens claras em termos de segurança institucional, previsibilidade e estabilidade macroeconômica. Além disso, os ativos internacionais historicamente demonstram descorrelação relevante frente aos índices locais — como CDI, Ibovespa, IRF-M e IMA-B —, o que reforça sua importância, sobretudo em momentos de estresse nos mercados domésticos.

Nesse cenário, a renda fixa global deixa de ser uma alternativa complementar para se posicionar como um pilar estratégico de proteção e performance. Hoje, os títulos de crédito de alta qualidade (investment grade) estão sendo negociados com taxas significativamente acima da média histórica da última década. Os all-in yields se aproximam dos níveis registrados no pós-crise de 2008, abrindo uma janela particularmente favorável para alocação.

Mais do que os títulos em si, os emissores dos mercados desenvolvidos oferecem robustez e resiliência. Na Europa, destacam-se instituições financeiras tradicionais como BNP Paribas e Allianz, que combinam solidez patrimonial com forte presença global e gestão conservadora de riscos. No setor de comunicação e tecnologia, empresas como Deutsche Telekom e Vodafone mantêm posições dominantes em seus mercados, com receitas recorrentes e resiliência em diferentes ciclos econômicos. Esse ecossistema empresarial oferece ao investidor institucional um universo de emissores confiáveis, com alta qualidade de crédito e histórico comprovado de entrega de resultados, mesmo em ambientes econômicos desafiadores.

Esse panorama contrasta com o mercado brasileiro, onde os principais emissores estão concentrados em poucos setores. Embora relevantes, essas companhias apresentam forte sensibilidade ao ciclo de preços internacionais e, frequentemente, enfrentam riscos regulatórios e políticos. Esse risco percebido se traduz no atual nível do risco-país do Brasil, que está acima do observado em diversas economias emergentes — como Cazaquistão e Indonésia — e até de vizinhos latino-americanos como Colômbia e Peru, cujos mercados são significativamente menores. Essa discrepância reforça o prêmio de risco exigido pelo investidor e evidencia a urgência de uma diversificação geográfica mais estruturada.

Outro aspecto importante na alocação internacional é a decisão sobre o uso ou não do hedge cambial. A proteção contra a volatilidade do câmbio é um mecanismo eficaz para garantir previsibilidade e reduzir riscos na carteira de renda fixa. Hoje, o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos torna o hedge especialmente atrativo, permitindo ao investidor capturar um carrego adicional. Para as EFPCs, cujos passivos estão denominados em reais e cuja natureza é de longo prazo, o hedge pode ser uma ferramenta estratégica valiosa para preservar o perfil conservador das alocações em renda fixa

Diante de tudo isso, a renda fixa global se consolida como uma alternativa inteligente e eficaz para as EFPCs que desejam fortalecer seus portfólios, reduzir a exposição ao risco sistêmico doméstico e acessar emissores de alta qualidade. Mais do que uma oportunidade tática, trata-se de uma ferramenta estratégica para compor carteiras resilientes, com retorno real em moeda forte, baixo risco e descorrelação com o mercado local. Em um ano desafiador como 2025, essa combinação pode ser exatamente o que o investidor institucional brasileiro procura para garantir previsibilidade, segurança e consistência nos resultados de longo prazo.

*Ismael Ribeiro Ramos é responsável pela relação com investidores Institucionais na AZ Quest

Fonte: Abrapp em Foco, em 04.06.2025.