Artigo: A parábola dos talentos e a prudência na gestão das reservas dos planos de benefícios – Por Aparecida Pagliarini*


1. Desde 1977, com a edição da Lei nº 6.435, as aplicações de reservas dos planos de benefícios operados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) devem observar diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN) (1). Assim, em 23 de fevereiro de 1978, o CMN editou a Resolução nº 460 com a Nota Explicativa nº 06 destacando que “o Congresso Nacional delegou ao Conselho tal atribuição, por julgar que o conjunto das reservas do Sistema de Previdência Privada deveria ser utilizado como instrumento de política econômica do Governo”. (2)
2. Tal assertiva, entretanto, deixou de prevalecer após a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, e a promulgação das leis Complementares nº 109 e 108, ambas de 2001. Realmente, como a leitura das novas regras deixa claro, sob o regime de capitalização obrigatório, a ação do Estado deve ser exercida com o objetivo de “determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades”, além de “proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”. (3)
3. Ou seja, a partir da revogação da Lei nº 6.435/1077, não mais pode prevalecer o entendimento de que “reservas do Sistema de Previdência Privada deveria ser utilizado como instrumento de política econômica do Governo”.
4. Outro entendimento do CMN desde a mesma época continua soberano, de forma que as EFPC permanecem colocadas “em sua posição real: a de importantes investidores institucionais mas não a de instituições financeiras. A única atividade empresarial permissível a tais entidades é a de previdência privada. Atuar como instituições financeiras, competindo com as instituições especializadas e autorizadas, é estritamente vedado por se constituir numa burla à legislação sobre o Sistema Financeiro Nacional” (4). De outro lado, o que se entende desde então é que instituições financeiras podem oferecer produtos de poupança de várias modalidades, até de longo prazo, mas esses mesmos produtos não são planos de previdência privada e não lhe qualificam como EFPC ou EAPC.
5. Pois bem. Investir como investidor institucional traz vários requisitos de qualificação para os membros dos administradores das EFPC e dos agentes internos que cuidam da fiscalização do processo decisório sobre como, quando e onde investir, o que não é nada fácil é vai muito além daquelas decisões tomadas pela conduta diligente recomendada ao bonus pater famílias.
6. Realmente, a regra do art. 1.011 do Código Civil deve ser entendida como o mínimo, a base: ter o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios se mostra insuficiente para o investidor institucional, especialmente porque ele cuida da saúde financeira do patrimônio de terceiros. Patrimônio de longo prazo (5).
7. Bem por isso, a Lei Complementar nº 109/2001traz requisitos mínimos (6), a Resolução CGPC nº 13, de 2004, traz a imprescindibilidade da competência técnica e gerencial e a necessidade de educação continuada (7), a independência de atuação (8), a diligência quanto à política de investimentos das premissas e das hipóteses atuariais dos planos de benefícios (9). A essas normas de caráter prudencial, o CMN acrescenta outras diretrizes para aplicação dos recursos garantidores dos planos operados pelas EFPC (de benefícios e de gestão administrativa) além das inspiradas na Resolução CGPC nº 13, como se lê no texto da Resolução nº 4.994, de 2022, com as alterações introduzidas pela norma do Colegiado em 2025 (10): boa-fé, lealdade, diligência, tempestividade e prudência (11).
8. Com esses parâmetros a rentabilidade dos recursos está garantida? Não, mas o que se espera é a regularidade do ato de gestão para investimentos dos recursos garantidores dos planos, com os pressupostos do art. 230 da Resolução Previc nº 23, de 2023, com o seguinte teor: boa-fé, capacidade técnica e diligência, cumprimento dos deveres fiduciários, observância das atribuições e poderes legais e estatutários, fundamentado na técnica aplicável, mediante decisão negocial informada, refletida e desinteressada (12).
9. Esse conteúdo parece confirmar minha tese de que o cuidado do bom pai de família, do homem ativo e probo não é suficiente para ser aplicado no processo decisório sobre investimentos das reservas dos planos. A prudência precisa ter uma medida e não pode ser confundida com receios e omissões, o que me traz à mente a parábola dos talentos, no Evangelho de Mateus: não basta ser bom e fiel para investir as reservas de terceiros, isso pode ser tido como despreparo e negligência se e quando a omissão intencional de buscar a rentabilidade compatível com os requisitos legais se mostrar frustrada.
*Aparecida Pagliarini é advogada especialista em Previdência Complementar e Sócia do Escritório Pagliarini Advogados
Notas:
Fonte: Abrapp em Foco, em 10.09.2025.