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Artigo – Créditos de Carbono e CBIOs: O Próximo Passo Estratégico para os Fundos de Pensão – Por Victor Roberto Hohl*

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A sustentabilidade, antes percebida como uma preocupação marginal ou um mero exercício de responsabilidade social corporativa, emergiu como um pilar central nas estratégias de investimento de longo prazo, especialmente para investidores institucionais como os fundos de pensão. Longe de ser uma tendência passageira, a integração de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas decisões de alocação de capital reflete uma compreensão crescente dos riscos e oportunidades inerentes à transição para uma economia de baixo carbono. Nesse cenário, os ativos de carbono, como créditos de carbono e CBIOs, posicionam-se como uma fronteira promissora, oferecendo não apenas potencial de retorno financeiro, mas também um alinhamento com os imperativos de um futuro mais sustentável.

Nesse sentido, a publicação da Resolução CMN nº 5.202, em 31 de março de 2025, representa um divisor de águas para o setor de previdência complementar no Brasil. Ao autorizar as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) a alocar até 3% dos recursos de cada plano em créditos de carbono e CBIOs, a norma transcende a mera permissão, conferindo legitimidade e reconhecimento regulatório a esses instrumentos. Este movimento sinaliza uma maturidade do arcabouço regulatório brasileiro em incorporar ativos que, até então, eram vistos com cautela, reforçando o compromisso do país com a agenda climática e a descarbonização da economia.

Embora a Resolução CMN nº 5.202 abra portas, sua aplicação prática impõe restrições significativas. A exigência de que os ativos estejam registrados em sistemas supervisionados pelo Banco Central ou negociados em mercados organizados sob a supervisão da CVM inviabiliza, por ora, a participação direta das EFPCs no mercado voluntário de carbono. Este mercado, que movimenta globalmente cerca de 2 bilhões de dólares anualmente, é caracterizado pela compra e venda espontânea de créditos por empresas e indivíduos para fins de reputação ou compromissos ambientais não obrigatórios.

No entanto, o mercado voluntário apresenta desafios inerentes que justificam a postura cautelosa do regulador. A ausência de padronização, a dificuldade na verificação da adicionalidade dos projetos, o risco de greenwashing (prática de marketing enganosa para promover produtos ou políticas como ambientalmente amigáveis) e a baixa liquidez são fatores que comprometem a integridade e a segurança dos investimentos. A falta de um arcabouço regulatório robusto e a suscetibilidade a fraudes tornam-no um ambiente de alto risco para investidores institucionais que gerenciam recursos de longo prazo e estão sujeitos a rigorosas normas de governança.

Em contrapartida, a consolidação de um mercado regulado de carbono, baseado em metas obrigatórias de emissão, emerge como a alternativa mais promissora. Modelos como o sistema cap and trade, amplamente adotado na União Europeia (EU ETS), demonstram a eficácia de um ambiente onde empresas que excedem seus limites de emissão são obrigadas a adquirir créditos de outras que poluíram menos, incentivando a descarbonização de forma eficiente e econômica.

Inspirado por esses modelos globais, o Brasil deu um passo decisivo com a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), instituído pela Lei nº 15.042/2024. Embora ainda em fase inicial, o SBCE é a base para o desenvolvimento de um mercado de carbono regulado e confiável no país. Ele prevê a criação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs), que representarão o direito de emitir uma tonelada de CO₂ equivalente, e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs), que atestarão a efetividade de iniciativas de redução.

A governança do SBCE será robusta, envolvendo um órgão gestor para emissão de CBEs e validação de metodologias de CRVEs, além do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) e um Comitê Técnico Consultivo Permanente com representação plural da sociedade. Essa estrutura visa garantir a segurança jurídica, a transparência e a integridade ambiental, pilares inegociáveis para as EFPCs.

Como alternativa intermediária, a própria Resolução CMN nº 5.202 prevê o investimento em FIAGROs (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais), com um limite de até 10% do patrimônio do Plano. Dependendo de sua composição, esses fundos podem incluir ativos ligados à agenda ambiental, como créditos de carbono, permitindo uma exposição indireta e regulada. A classificação do FIAGRO como cota ou ativo final, nos termos do artigo 32 da norma, caracteriza uma estrutura opaca, onde os ativos são acessados dentro de uma carteira diversificada, respeitando os critérios de elegibilidade e conformidade exigidos pela norma. Essa via oferece uma forma gradual e prudente para as EFPCs incorporarem práticas sustentáveis em suas estratégias de investimento.

A questão sobre a atratividade de entrar nesse mercado agora é legítima e complexa. O potencial de valorização dos ativos de carbono é inegável, impulsionado por avanços regulatórios e pelo crescimento da demanda por neutralização de emissões. O exemplo europeu, por meio do EU ETS, é ilustrativo: em 2023, esse mercado movimentou cerca de €648 bilhões, com mais de 9 bilhões de toneladas de CO₂ equivalentes transacionadas, sendo 56% desse volume negociado por instituições financeiras e fundos de investimento. ETFs como o KraneShares European Carbon Allowance Strategy (KEUA) e o KraneShares Global Carbon Strategy (KRBN) oferecem aos investidores uma forma transparente de acompanhar o desempenho desses ativos regulados.

No entanto, a volatilidade dos preços é uma realidade. A tonelada de carbono no EU ETS, por exemplo, superou €100 em 2022, mas recuou para cerca de €65 em 2023. Projeções indicam uma elevação entre €130 e €160 até 2030, refletindo o endurecimento das metas climáticas e a redução gradual das permissões de emissão. Essa oscilação ressalta a necessidade de uma análise cuidadosa dos riscos, incluindo a ausência de um mercado secundário sólido no Brasil e a dependência da qualidade dos projetos de origem.

Mais do que acompanhar preços, a integridade dos créditos de carbono é uma preocupação central para investidores institucionais. As certificadoras desempenham um papel técnico crucial na validação da adicionalidade, mensuração e rastreabilidade dos projetos. Contudo, sua atuação, por si só, não elimina riscos como o greenwashing ou a dupla contagem (quando o mesmo crédito de carbono é contabilizado por mais de uma entidade)

É nesse ponto que o SBCE poderá exercer um papel complementar indispensável, oferecendo uma infraestrutura normativa que agregue segurança jurídica, transparência e integridade ambiental. A robustez do sistema regulatório é fundamental para mitigar esses riscos e garantir que os investimentos em carbono realmente contribuam para a descarbonização, e não apenas para a maquiagem verde de portfólios.

Para que créditos de carbono e CBIOs se consolidem como uma classe de ativos viável e estratégica nas carteiras previdenciárias, não basta a regulamentação e a infraestrutura. O aspecto mais subestimado dessa transição é o fator humano. A complexidade técnica, jurídica e ambiental desses ativos exigirá um preparo aprofundado de conselheiros, comitês e gestores. A compreensão não apenas dos fundamentos econômicos, mas também dos riscos regulatórios, das exigências das certificadoras e dos possíveis impactos reputacionais de escolhas mal conduzidas, é crucial. Sem essa capacitação, qualquer alocação, por mais estratégica que pareça, será precipitada.

A questão já não é mais “se” devemos investir em carbono, mas sim “como” e “quando”. A oportunidade está posta, impulsionada por um arcabouço regulatório em evolução e pela crescente demanda por soluções climáticas. As entidades que assumirem desde já uma postura diligente, responsável e tecnicamente embasada estarão não apenas preparadas para a transição climática, mas também em posição de liderança no campo dos investimentos sustentáveis, redefinindo o papel dos fundos de pensão na construção de um futuro mais resiliente e ambientalmente consciente.

*Victor Roberto Hohl, é Diretor de Administração e Investimentos do Sebrae Previdência e membro da CT Centro-Norte de Investimentos da Abrapp

Fonte: Abrapp em Foco, em 22.07.2025.