Por Thiago Junqueira e Daniel Gelbecke [1]
Na coluna anterior, intitulada “Coletânea de Leis – Direito dos Seguros: apresentação de uma obra necessária para levar consigo”, apresentamos um trecho do item IV da coletânea e ressaltamos as razões que a tornam um material de consulta indispensável para os profissionais da área.
Às vésperas de seu lançamento – que ocorrerá amanhã, dia 27/08, durante o 3º Evento do Ciclo Atualizações Regulatórias em Seguro e Resseguro, promovido pela Escola de Negócios e Seguros (ENS), com o apoio institucional da AIDA Brasil[2], em São Paulo – aproveitamos o ensejo para compartilhar a apresentação da obra, explicando o racional e os critérios metodológicos que orientaram sua organização.
Apresentação dos organizadores
A presente Coletânea de Leis – Direito dos Seguros tem por finalidade reunir, de maneira sistematizada e atualizada, os principais diplomas legais aplicáveis às atividades de seguros e resseguros no Brasil.
Sua elaboração parte do reconhecimento de que o regime jurídico do seguro, em suas dimensões institucional e material, está assentado em um conjunto de normas dispersas, situadas em diferentes níveis hierárquicos, e que, recentemente, passaram por significativas alterações.
Diante desse cenário, a articulação entre essas diversas fontes normativas mostra-se, a um só tempo, desafiadora e indispensável à correta interpretação e aplicação do Direito dos Seguros, conferindo maior segurança jurídica à atuação dos profissionais do setor.
Com esse propósito, a coletânea foi estruturada em quatro eixos, cada um voltado a um aspecto fundamental do ordenamento jurídico aplicável à matéria.
Na primeira parte, reúnem-se os diplomas normativos que compõem o núcleo institucional e estrutural do setor de seguros no Brasil. Dentre eles, destacam-se o Decreto-Lei nº 73/1966 e seu regulamento (Decreto nº 60.459/1967), que instituem o Sistema Nacional de Seguros Privados; os dispositivos constitucionais relativos à ordem econômica e à competência legislativa em matéria securitária; as normas aplicáveis à atividade dos corretores de seguros (Lei nº 4.594/1964 e Decreto nº 56.903/1965); e o título sobre seguro marítimo do Código Comercial de 1850 (Lei nº 556/1850), ainda formalmente em vigor.
A segunda parte da obra é dedicada ao Direito material do seguro. Sobressaem, nesse bloco, a Lei Complementar nº 213/2025, que disciplina a atuação das cooperativas de seguros e as operações de proteção patrimonial mutualista, e a Lei nº 15.040/2024, que institui a Lei do Contrato de Seguro (LCS). Para facilitar a compreensão das alterações introduzidas por esta última, optou-se por indicar, sempre que pertinente, o artigo correspondente do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), cuja parte dedicada ao contrato de seguro será revogada em 11 de dezembro de 2025. Excepcionalmente, incluiu-se também a parte relativa ao seguro constante do Projeto de Reforma do Código Civil (PL nº 4/2025)[3]. Integram este bloco, ainda, a Lei Complementar nº 126/2007, que reestruturou o regime do resseguro no país, a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990).
A terceira parte é dedicada às normas processuais, aos mecanismos de resolução de conflitos e às demais interfaces legislativas relevantes para o Direito dos Seguros. Reúne diplomas como o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), além de outras normas que, apesar de não terem como foco o setor de seguros, exercem influência direta sobre sua operação. Incluem-se, nesse rol, a Lei que institui a Letra de Risco de Seguro (Lei nº 14.430/2022), a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), bem como dispositivos do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986) e do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940).
Já a quarta parte desta coletânea adota uma abordagem distinta. Considerando o elevado número de normas infralegais atualmente em vigor, bem como a percepção de que o setor atravessa um dinâmico processo de revisão regulatória, decidiu-se por não transcrever integralmente os atos normativos expedidos pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Em seu lugar, foi elaborada uma lista remissiva com as principais resoluções e circulares aplicáveis, de modo a permitir sua pronta identificação e posterior consulta nas fontes oficiais. Essa listagem reflete o estado da regulação até abril de 2025, recomendando-se, para fins de atualização contínua, o acesso ao endereço eletrônico da Susep[4], que disponibiliza tanto as normas revogadas quanto as versões consolidadas dos atos normativos vigentes.
Apresentada a estrutura da obra, é oportuno esclarecer os critérios metodológicos que nortearam sua organização, voltados, em última instância, à ampliação de sua utilidade prática e à promoção de maior clareza na consulta.
Optou-se por manter a literalidade dos dispositivos legais conforme publicados nos veículos oficiais, mesmo nos casos em que foram identificados erros gramaticais, inconsistências redacionais ou divergências em relação às regras atuais do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 6.583/2008. Essa decisão visa a resguardar a fidelidade ao texto normativo tal como oficialmente divulgado pelo Portal da Legislação do Governo Federal.[5]
Não houve, necessariamente, a transcrição integral de todos os diplomas legais incluídos. Em alguns casos, foram selecionados apenas os dispositivos considerados mais relevantes para o setor de seguros, levando-se em conta sua aplicação concreta, repercussão jurisprudencial e frequência de citação na doutrina especializada.[6]
Além disso, os 22 diplomas legais reproduzidos na obra e os 84 atos normativos constantes da lista remissiva foram divididos em categorias temáticas e organizados em ordem cronológica inversa — do mais recente para o mais antigo. Esse arranjo busca destacar a evolução normativa e facilitar a identificação das normas mais atuais.
A partir dessa seleção, evidencia-se um aspecto central do Direito dos Seguros nacional: a complexidade de seu regime jurídico, sustentado por uma pluralidade de fontes normativas – que incluem normas constitucionais, leis ordinárias e complementares, códigos, decretos e atos administrativos. Tal diversidade exige do intérprete um contínuo esforço de integração normativa e atualização técnica. Nesse contexto, mostram-se especialmente pertinentes as advertências de Tullio Ascarelli, ao afirmar que “a relação entre a lei e a sua interpretação não é aquela que corre entre uma realidade e o seu espelho, mas aquela que corre entre a semente e a planta”,[7] bem como a célebre lição de Eros Grau, segundo a qual “o Direito não se interpreta em tiras”.[8]
Concebida pela tradicional Editora Roncarati como uma ferramenta de apoio técnico, esta coletânea destina-se à atuação de advogados, reguladores, corretores, seguradoras, resseguradoras, gestores de riscos e demais profissionais do setor, além de estudantes, professores e pesquisadores interessados na área.
Espera-se que o acesso direto às principais normas da disciplina contribua para o fortalecimento de uma prática jurídica sólida, fundamentada e comprometida com o desenvolvimento do Direito dos Seguros no Brasil.
[1] Thiago Junqueira é Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra. Sócio-fundador do escritório Junqueira & Gelbecke Advogados, é Professor de Direito do Seguro e Resseguro na FGV e Professor convidado da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros. Atualmente, exerce as funções de Diretor da AIDA Brasil e de Diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito Civil. Contato: thiago@junqueiragelbecke.adv.br
Daniel Gelbecke é Mestrando em Direito, Justiça e Impactos na Economia pelo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES – São Paulo) e Especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela FGV Direito Rio, em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Sócio-fundador do escritório Junqueira & Gelbecke Advogados. Contato: daniel@junqueiragelbecke.adv.br
[2] O evento será gratuito e ocorrerá na sede da Escola de Negócios e Seguros, situada na Rua Líbero Badaró, 293, 27º andar, sala D – São Paulo, a partir das 9h. Terá como tema central “A Lei nº 15.040/2024 e suas conexões normativas: uma visão sistêmica do Regime Jurídico do Seguro e do Resseguro”. Para inscrições e mais informações, consulte: https://ens.edu.br/eventos?slug=3o-evento-do-ciclo-atualizacoes-regulatorias-em-seguro-e-resseguro&oferta_id=81. Acesso em: 20 de agosto de 2025.
[3] Embora a tramitação dessa proposta, ao que tudo indica, perca relevância em virtude da promulgação da LCS, sua inclusão justifica-se pela relevância da iniciativa e pela composição qualificada da comissão de juristas responsável por sua elaboração.
[4] Disponível em: https://www.gov.br/susep/pt-br/documentos-e-publicacoes/normativos. Acesso em: 30.04.2025.
[5] Disponível em: https://www4.planalto.gov.br/legislacao. Acesso em: 30.04.2025.
[6] Há, aqui, um elemento digno de nota: quando se preferiu por incluir apenas alguns dispositivos de um diploma normativo, foi inserido o sinal de supressão “(...)”, indicando a omissão intencional de determinados artigos. Essa opção editorial teve como propósito conferir maior objetividade à obra, concentrando-se nos dispositivos mais relevantes para o setor de seguros.
[7] No original: “Il rapporto tra la legge e la sua interpretazione non è quello che corre tra una realtà e il suo specchio, ma quello che corre tra il seme e la pianta”. ASCARELLI, Tullio. Antigone e Porzia. Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, Roma, Anno XXXII, Serie III, p. 765, 1955.
[8] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 101. A mencionada multiplicidade de fontes, aliada à constante produção normativa, torna ainda mais evidente a necessidade de uma interpretação que compreenda o sistema jurídico do seguro como um todo coeso, e não como um conjunto isolado de regras dispersas. Mais do que conhecer os dispositivos individualmente, impõe-se ao intérprete a capacidade de perceber a lógica subjacente que conecta os diversos instrumentos normativos, permitindo uma leitura harmônica e finalística. Em outras palavras, é preciso ver a floresta, e não apenas a árvore – reconhecendo o Direito dos Seguros como um campo integrado, em que normas gerais e especiais dialogam continuamente na construção de um regime jurídico funcional e estável.
(25.08.2025)