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Agosto Lilás: Violência patrimonial e controle financeiro ameaçam mulheres, alertam especialistas

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Por Bruna Chieco

O webinar Agosto Lilás: Conhecer para Combater a Violência, promovido pela Abrapp e pelo Fórum de Equidade e Diversidade no dia 29 de agosto, destacou o compromisso da associação em ampliar o debate sobre violência contra a mulher, especialmente no âmbito patrimonial e financeiro.

O Diretor Vice-Presidente da Abrapp, Murilo Xavier Flores, lembrou que, em 2025, o Disque 180 já registrava 86 mil denúncias, e que organismos como a Organização Mundial da Saúde e o DataSenado apontam dados alarmantes sobre a violência doméstica e feminicídios no Brasil, evidenciando a urgência do tema. “A Abrapp, ao integrar essas discussões em seu Comitê de Sustentabilidade, reforça sua responsabilidade social e a importância de levar informação a diferentes públicos”, disse na abertura do evento.

Raquel Castelpoggi, Coordenadora do Fórum de Equidade e Diversidade do CT de Sustentabilidade da Abrapp, apresentou a trajetória do Fórum de Equidade e do grupo Mulheres na Previdência, ressaltando a relevância da união das entidades de previdência complementar na promoção da igualdade de gênero e no combate à violência. Ela destacou que a violência patrimonial, embora menos visível que a física e a psicológica, aprisiona muitas mulheres e impede sua autonomia. Esse tipo de violência, ainda pouco discutido, está no centro das ações do Fórum e do grupo, justamente por limitar a liberdade e perpetuar outras formas de abuso.

Trazendo sua experiência prática, Sandra Ornellas, delegada aposentada, mostrou como as denúncias chegam às delegacias, muitas vezes em situações de flagrante, conduzidas pela polícia militar. Ela ressaltou que a reincidência não é rara, e que a violência tende a escalar: começa com injúrias e ameaças e frequentemente evolui para agressões físicas. Segundo a delegada, um dos grandes entraves é a normalização da violência em comunidades marcadas pela criminalidade, onde o ciclo abusivo se repete e a dependência patrimonial agrava a dificuldade de ruptura.

Na sequência, André Norcia compartilhou sua vivência como delegado e juiz, frisando a importância da efetividade da Lei Maria da Penha, que trouxe instrumentos concretos de proteção. Ele lembrou casos em que atos aparentemente menores, como a quebra de um cadeado, resultaram em prisões por dano, justamente para mostrar que a violência doméstica não se resume à agressão física. Para Norcia, o avanço da lei está em oferecer respostas jurídicas reais, fortalecendo a confiança das vítimas no sistema de proteção.

Aprofundando a discussão sobre violência patrimonial, a Coordenadora da Comissão Técnica Sul de Assuntos Jurídicos e membro do Comitê de Ética da Abrapp, Erika Palma, explicou como a dependência econômica é utilizada como instrumento de controle e dominação. Exemplos como retenção de documentos, endividamento sem consentimento e controle sobre o salário da mulher revelam como esse tipo de violência é silencioso, porém devastador.

Erika relacionou essa realidade à construção histórica da desigualdade, que reforça a submissão feminina e o trabalho não remunerado como bases de dependência. A advogada destacou ainda que muitas mulheres suportam situações de violência porque não veem saída econômica, sendo a autonomia financeira condição essencial para romper o ciclo de abuso.

Na sequência do diálogo, os participantes reforçaram que a dependência econômica é uma das formas mais cruéis de aprisionamento, perpetuando gerações de mulheres em relações abusivas. Essa “bola de ferro” faz com que elas priorizem os filhos, a família, até os conselhos de mães e avós que normalizam a violência como algo a ser suportado.

Erika destacou que, no campo jurídico, o Judiciário dispõe de instrumentos para proteger vítimas da violência patrimonial: bloqueio e desbloqueio de bens, retirada do agressor da administração do patrimônio comum, devolução de documentos e ordens de afastamento em caráter emergencial. No entanto, ressaltou que cada caso exige soluções específicas e que o papel dos operadores do direito é fundamental para garantir medidas efetivas.

O juiz André Norcia complementou dizendo que a efetividade é o coração das medidas protetivas. “A lei tem que ser usada na medida certa como o remédio certo pro caso concreto”, disse, ressaltando que a Lei Maria da Penha foi inovadora ao unir aspectos criminais, civis e administrativos, ampliando as possibilidades de proteção.

O debate também trouxe a discussão sobre serviços públicos de apoio, como centros especializados, que deveriam oferecer equipe multidisciplinar, como advogados, psicólogos, assistentes sociais, nestes atendimentos. Sandra reforçou que não basta a lei existir se quem a aplica – delegados, juízes, promotores e policiais – não tiver empatia, escuta ativa e preparo para não descredibilizar a narrativa da mulher. “É urgente uma capacitação constante e específica para quem atua na rede de atendimento. Não basta a lei existir se quem aplica não tiver sensibilidade para o tema”, disse.

Os palestrantes reconheceram os grandes desafios para identificar e comprovar a violência patrimonial, já que, ao contrário da física, não deixam marcas visíveis. “A violência patrimonial, mais às vezes, é bem silenciosa. Muitas mulheres sequer percebem que estão sofrendo esse tipo de violência”, disse Erika. O caminho apontado é a conscientização e o fortalecimento das redes de apoio, mostrando que a efetividade da Lei Maria da Penha já transformou a cultura popular, e hoje, a sociedade compreende que violência contra a mulher é passível de prisão.

Fonte: Abrapp em Foco, em 01.09.2025.