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A mudança de entendimento da SUSEP envolvendo a responsabilidade de administradores no julgamento de processos administrativos sancionadores

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Guilherme Panisset Barreto Bernardes[1]

A responsabilização administrativa de administradores de entidades reguladas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) já percorreu longo caminho. Desde a entrada em vigor da Resolução CNSP nº 243, em 06 de março de 2012, que previa no artigo 4º, § 1º[2], a responsabilização objetiva do agente (pessoa natural) exclusivamente pela conduta investigada, duas mudanças já ocorreram.

A primeira delas, veio com a Resolução CNSP nº 293, de 2013[3], que alterou o § 1º do artigo 4º, além de inserir o § 1ºA, facultando a imputação da infração à pessoa física ou jurídica e explicitando que para a punição ser aplicada à pessoa física, deveria ser provada a existência de dolo ou culpa, ou seja, a demonstração de responsabilidade subjetiva do agente infrator.

A segunda se deu com a entrada em vigor da Resolução CNSP nº 331, em 2015, em redação que perdura até os dias atuais. Essa mudança alterou a Resolução CNSP nº 243, de 2011 para inserir o § 5º no art. 2º[4], além de revogar o § 1º A do art. 4º, estabelecendo que para a pessoa natural ser punida, deverá ser demonstrado que ela concorreu para a prática da infração ou deixou de agir para impedi-la, quando poderia, e mesmo assim a responsabilização ocorrerá na medida de sua culpabilidade.

Ao longo dessa jornada, as áreas técnicas da SUSEP sempre aplicaram entendimento que a designação de funções específicas aos administradores, em atendimento ao disposto na Circular SUSEP nº 234, de 2003, era prova suficiente para sua responsabilização, lavrando numerosas representações em nome dos diretores estatutários sem realizar qualquer apuração aprofundada de sua atuação[5], isto é, de sua culpa ou dolo.

E assim ocorre até os dias atuais, com os processos gerando custos elevados de defesa às pessoas físicas, e se arrastando por longos anos, até que o Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados, de Previdência Privada Aberta e de Capitalização (CRSNSP) julgue seus recursos e, verificando a responsabilização objetiva, dê provimento para julgar insubsistentes as infrações imputadas. No entanto, ao que parece, esta sistemática foi alterada.

Esta constatação foi extraída de processo administrativo sancionador que buscava a aplicação de multa ao administrador listado como diretor técnico, na forma da Circular SUSEP nº 234, de 2003, por cobrança indevida de custo de apólice.

Ao lavrar a representação, a SUSEP imputou a responsabilidade pelo cometimento da infração à pessoa física com base nas atribuições previstas na referida Circular e na aplicação da teoria da culpa in elegendo ou in vigilando, com a pessoa jurídica respondendo solidariamente pelo pagamento da multa.

Após apresentação de defesa, a Coordenação Geral de Julgamentos (CGJUL), com base no Despacho n.º 00310/2016/PF/GABIN/PFSUSEP/PGF/AGU, de 21 de junho de 2016, manifestou-se afirmando que a ocupação de cargos nas entidades supervisionadas seria suficiente somente para a instauração do processo sancionador, tendo por base a teoria supra referida.

Contudo, para que seja possível a condenação administrativa, entendeu a CGJUL que deve ser demonstrada a certeza de que a conduta do administrador tenha concorrido, ao menos culposamente, para a infração. Para tanto, baseia-se no referido Despacho nº 310, destacando o seguinte trecho:

“(...) o mero descumprimento de uma disposição normativa, por si só, não pode levar à responsabilização objetiva do administrador e tampouco ensejar a aplicação de uma sanção (...)”

Examinados e valorados os elementos constantes dos autos e não tendo sido encontradas provas da culpabilidade do administrador, concluiu a CGJUL pela insubsistência da infração, encerrando o processo ainda no âmbito da SUSEP.

A toda evidência, essa decisão significa importante rompimento do paradigma adotado até então pela SUSEP e é indicativa da mudança de entendimento da CGJUL, órgão responsável pelos julgamentos dos processos administrativos sancionadores.

A notícia é sem dúvida alvissareira, mas, melhor ainda será evitar a instauração dos processos administrativos sancionadores baseados em moldura fática similar à ora retratada. Se o caminho natural desaguará na insubsistência dos processos, convém não os instaurar.  



[1] Guilherme Panisset Barreto Bernardes é advogado de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

[2] BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Resolução CNSP nº 243, de 2011: “Art. 4º A multa administrativa será aplicada, de acordo com os limites e critérios indicados nesta Resolução, sempre que, a juízo da SUSEP, a aplicação exclusiva da pena de advertência for inadequada ou insuficiente para cumprir com os objetivos da repressão e da prevenção da pena.

§ 1o Quando a infração ocorrer no âmbito de atividade regularmente autorizada de seguro, cosseguro, resseguro, retrocessão, previdência complementar aberta e capitalização, a multa de que trata o inciso II do art. 2º será imputada somente ao agente responsável, respondendo solidariamente a sociedade de seguro, de resseguro, de previdência complementar aberta ou de capitalização, assegurado o direito de regresso.”

[3] BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Resolução CNSP nº 293, de 2013: “Art.4 o ...................................................................................................................

§ 1º A pena de multa será aplicada à pessoa natural ou jurídica responsável pela infração.

§ 1º “A” Quando não for possível identificar ou atribuir dolo ou culpa a uma pessoa natural, considera-se como agente responsável a sociedade supervisionada.”

[4] BRASIL. Superintendência de Seguros Privados. Resolução CNSP nº 331, em 2015. “Art. 2º [...] § 5.º Para efeito do disposto neste artigo, a Susep poderá considerar como agente responsável pela suposta infração, no caso de pessoa natural, na medida de sua culpabilidade, o titular de cargo ou função de presidente, diretor, administrador, conselheiro de administração ou fiscal, contador, atuário, analista, gestor de ativos, auditor, gerente ou assemelhado, corretor responsável, bem como qualquer outro que, comprovadamente, concorra para a prática da infração, ou deixe de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.”

[5] Em alguns casos, em menor quantidade dentro do total de processos envolvendo administradores, era apresentado também o organograma e normas internas da companhia, que reforçavam a responsabilidade dos administradores pelo cometimento das infrações.

29.06.2020