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A (in) competência dos Tribunais de Contas na fiscalização direta das entidades fechadas de Previdência Complementar patrocinadas por entes estatais

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Por Daniela Valverde (*)

valverde 14072023

Há muitos anos, a atuação dos Tribunais de Contas na fiscalização direta nas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) com patrocínio de entes estatais é bastante discutido, e quanto mais o tempo passa maior é a insegurança jurídica.

Quais são as possibilidades e limites de atuação dos tribunais de conta no âmbito do segmento fechado de previdência complementar?

Em uma breve análise dos Acórdãos dos Tribunais de Contas da União (TCU), há o entendimento de que o TCU seria competente para fiscalizar diretamente as entidades fechadas de previdência complementar patrocinadas pelo poder público, pelas sociedades de economia mista e empresas públicas federais (Acórdão 576/2006).[1] Em 2012, através do Acórdão 3.133/2012, houve a ratificação do entendimento de que seria competente para fiscalizar diretamente a aplicação de recursos por entidades fechadas de previdência complementar.[2]

Não há discussão que o TCU é órgão de controle externo do governo federal que auxilia o Congresso Nacional na missão de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país e contribuir com o aperfeiçoamento da Administração Pública em benefício da sociedade. Para tanto, realiza a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade.[3]

Conforme disposto no art. 75 da Constituição Federal, as normas relacionadas ao TCU, são aplicadas no que couber aos tribunais de contas estaduais e municipais. Embora as decisões desse Tribunal não vincularem os tribunais de contas do âmbito estadual e municipal, elas são utilizadas como norte, importantes referências no segmento nacional.

Conforme entendimentos do TCU existe um grande equívoco no tocante a sua atuação nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar com patrocínio de entes estatais.

O primeiro ponto é a natureza jurídica das referidas entidades de previdência complementar. Elas não são entidades administrativas, não existe uma relação de subordinação com os entes públicos, e sim possuem a sua natureza privada.

Importante destacar que, Patrocinador e Entidade, são figuras distintas. O Patrocinador é uma empresa ou um grupo de empresas, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas que instituam, para seus empregados ou servidores, Plano de Benefícios de caráter previdenciário. Já a entidade de previdência complementar é a responsável pela gestão e administração dos planos de benefícios de caráter previdenciário.[4]

Dessa forma, por essas definições, fica evidente que a atuação dos tribunais de contas deverá ser restrita aos patrocinadores União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista, não cabendo a fiscalização nas EFPC.

Outro argumento utilizado pelo TCU é que os recursos geridos pelas EFPC com patrocínio de entes estatais têm natureza pública. Mais um grande equívoco, tendo em vista que os recursos transferidos, por força do Convênio de Adesão formalizado pelo ente estatal e a EFPC, ao adentrarem nestas EFPC recebem o carimbo de recursos privados. Não há uma transferência por dotação orçamentária como ocorre com os órgãos integrantes da estrutura organizacional estatal. Dessa forma, não é um gasto público e sim um recurso que passa a integrar a poupança previdenciária dos participantes dos planos de benefícios.

Com a Emenda Constitucional nº 20/1998 ficou evidente o caráter privado do regime de previdência complementar ao estabelecer as suas características: autonomia em relação ao regime geral de previdência social, facultativo, contratual e regulado por leis complementares.

Com a última reforma da previdência trazida pela Emenda Constitucional nº 103/2019, reforçou ainda mais a natureza privada do regime de previdência complementar. Cumpre destacar que ao tornar obrigatória a criação do regime de previdência complementar pelos entes federativos, retirou a expressão “natureza pública” das entidades fechadas de previdência complementar, além de possibilitar a gestão dos planos também pelas entidades abertas.

Dado esse novo cenário fica mais claro que essas entidades não se submetem a fiscalização dos tribunais de contas. Na hipótese de uma entidade de previdência complementar ter vários patrocinadores públicos, como seria viável essa fiscalização? Cada tribunal de contas irá fiscalizar?

O Regime de Previdência Complementar é um segmento altamente regulado, já possui uma rede de controles, tendo ação do Estado os seguintes objetivos:   formular a política de previdência complementar; disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades reguladas por legislação, compatibilizando-as com as políticas previdenciária e de desenvolvimento social e econômico-financeiro; determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, o equilíbrio econômico-financeiro dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades; assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios; fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar penalidades e proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.

Essa rede de controles compreende: a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC (fiscalização), Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC (regulação), Conselho Monetário Nacional – CMN (diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos).

Neste cenário, a atuação dos tribunais de contas na fiscalização das entidades fechadas de previdência complementar provoca uma grande insegurança jurídica, tendo em vista a sobreposição e contradição de controles de fiscalização.

Em suma, dada a natureza privada do regime de previdência complementar, a inexistência de recursos públicos geridos pelas entidades de previdência complementar com patrocínio público, e a preservação do objetivo do segmento – proteger os interesses dos participantes e assistidos, os tribunais de contas são incompetentes para fiscalização as referidas entidades.

[1] Voto Min. Relator do Acórdão 576/2006

[2] Voto Min. Relator do Acórdão nº 3.133/2012

[3] Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/competencias/ Acesso em: 13 de jul.2023

[4] Disponível em: https://www.gov.br/previc/pt-br/previdencia-complementar-fechada/patrocinador-participante-e-assistido#:~:text=Pessoa%20f%C3%ADsica%20que%20adere%20ao%20Plano%20de%20Benef%C3%ADcios%20administrado%20por%20uma%20Entidade/ 
Acesso em: 13 de jul. 2023

(*) Daniela Valverde é advogada, palestrante e consultora, especialista em previdência complementar. 

14.07.2023