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A importância do seguro para o desenvolvimento da sociedade

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victor benes artigo

A importância do seguro para o desenvolvimento da sociedade[1]

Atualmente se fala muito em buscarmos ter uma sociedade fraterna, aquela que dá prioridade ao amor ao próximo, a tolerância, a justiça social e a solidariedade, muito daquilo que vimos na recente tragédia que assolou o Rio Grande do Sul, ante a mobilização do povo brasileiro no auxílio das pessoas que vivem ou que possuem negócios no Estado gaúcho.

Por falar em solidariedade, no âmbito jurídico, se há um contrato solidário por natureza, esse é o contrato de seguro. Essa afirmação é possível de se fazer com toda a tranquilidade, porque basta voltarmos as origens e verificar a razão do surgimento do seguro como um mecanismo de proteção das pessoas e da sociedade como um todo.

O seguro é basicamente estruturado a partir do que se convencionou chamar de mutualismo, onde um número grande de pessoas contribui com uma pequena parcela em dinheiro, tecnicamente chamada de prêmio, que torna possível a criação de um fundo administrado por uma seguradora e fiscalizado pelo Estado, capaz de indenizar aqueles indivíduos dessa coletividade que porventura venham sofrer algum sinistro e consequentemente prejuízos de ordem material.

Essa ideia de diluição do risco perante um grupo de pessoas demonstra ser uma das grandes sacadas da sociedade, coletiva, fraternal, onde a união das pessoas é a maior força para vencer as dificuldades, os obstáculos, os infortúnios, enfim, se proteger dos riscos que a própria sociedade muitas vezes cria.

O seguro é um instituto jurídico secular e foi criado pela sociedade, portanto, a partir da percepção que se teve do risco e dos impactos negativos e financeiros que poderiam gerar em caso de ausência de proteção, o que consequentemente daria ensejo a um ambiente de desorganização social e econômica.

Deste modo, uma sociedade que pensa em desenvolvimento não pode se preocupar apenas com o crédito e o consumo. Nos países desenvolvidos o seguro tem parcela significativa no Produto Interno Bruto (‘PIB’), a revelar a comercialização de apólices de seguro em grande escala, atingindo uma massa significativa de pessoas.

Segundo alguns estudos, há mostras de que nos países mais desenvolvidos a população possui uma percepção dos riscos muito maior do que nos países não desenvolvidos. Por conta disso, naturalmente, procuram mecanismos para se protegerem, e um deles é justamente o seguro.

O seguro nessa perspectiva precisa estar numa primeira lista de prioridades do Estado e das pessoas em geral, porque de fato tem um papel importante na economia, já que tem a capacidade de manter, de preservar o patrimônio, os recursos, a riqueza das pessoas.

Um sinistro que não tem amparo de algum mecanismo de proteção, como o seguro, leva ao empobrecimento da sociedade.

Imaginem um incêndio completo de uma residência, que é um dos mais importantes patrimônios materiais que uma pessoa pode ter. Em algumas horas o relevante patrimônio simplesmente se torna pó, escombros.

Porém, existindo o seguro em tal situação há condições de se ter o recurso necessário para a reconstrução daquele bem, ou seja, não haverá necessidade de a pessoa remar novamente para conquistar aquilo que já se tinha, ao contrário, as remadas continuam, como natural da vida, mas para gerar novas riquezas e não para recuperar aquela perdida.

No mundo dos negócios a regra não é diferente.

O seguro tem a capacidade de aumentar e viabilizar os negócios justamente porque ele traz consigo a segurança de que as relações econômicas em geral terão continuidade mesmo que ocorra um evento adverso.

Um exemplo disso é o seguro garantia para obras, em que a seguradora garante eventual inadimplência da construtora, que é a tomadora do seguro. Nesse sentido oferece o suporte financeiro para a conclusão da obra, o que traz segurança e previsibilidade para o dono, que é o segurado da apólice.

No âmbito da responsabilidade civil o caráter social é igualmente evidente.

Contar com um seguro com essa característica significa não só zelar o patrimônio do segurado, como também garantir e ter a capacidade de indenizar terceiros, priorizando de certo modo a responsabilidade coletiva e social, afinal de contas buscamos ou não uma sociedade fraterna?

Todos os membros de uma sociedade geram externalidades negativas na atividade diária, seja pessoal ou profissional. Caso elas causem dano a um terceiro, é importante que este venha a receber a indenização correspondente, de modo a reparar seu prejuízo e consequentemente manter seu estado de riqueza, pois assim o agente permanece ativo na sua contribuição para um Estado cada vez mais pujante.

Todo esse referencial, diferentemente do que podem pensar alguns, não é abstrato. Ele tem absoluta relevância e conexão com o meio social em que se vive.

Voltemos ao que ocorreu no Rio Grande do Sul. Muitos dos riscos que se materializaram são - ou poderiam ser - objeto de seguro.

De acordo com os últimos levantamentos da Confederação Nacional das Seguradoras (‘CNSEG’) - os mais de 57 mil avisos de sinistros já realizados apontam para o potencial pagamento de quase 5,7 bilhões de reais em indenizações[2].

Esses números não são os finais, mas demonstram a expressividade e a severidade do ocorrido e seu impacto no mercado segurador, nacional e até internacional, porque as seguradoras possuem os seus planos de resseguro.

Só de veículos são quase 20 mil avisos, numa total 1,3 bilhão de reais.

A despeito desse fato, a pergunta como sociedade que temos a fazer é: quanto outros veículos, por exemplo, foram perdidos e que não possuíam seguro?

No seguro residencial são mais de 22 mil avisos, com potencial de pagamento na ordem de meio bilhão de reais.

Aliás, é justamente no residencial que há uma particularidade interessante, porque nesse tipo de produto a cobertura básica contempla tão somente eventos de incêndio, queda de raio e explosão.

Sendo assim, se o interessado comprou apenas a garantia básica, o seguro de nada serviu para as inundações.

A cobertura para inundação e enchente é adicional e demanda o interesse específico na sua contratação e o pagamento de prêmio correspondente para a constituição do fundo e assim haver recursos para indenizações dessa natureza.

No entanto, por certo, muitas dessas apólices no Rio Grande do Sul, senão a maioria, não tinham contratada tal cobertura.

Daí oportuno voltar ao que foi sinalizado no início deste artigo, no sentido de as pessoas terem a percepção dos riscos que possuem e em razão disso buscarem contratar coberturas que de fato tenham o potencial de trazer segurança, tranquilidade, e nisso o corretor de seguros, aquele escolhido pelo segurado, tem um papel extremamente fundamental.

Mais do que intermediar a contratação de uma apólice, o corretor precisa ser mais do que nunca um gestor de riscos. Aquele que entende a vida e a atividade do seu cliente e a partir daí busca no mercado produtos que efetivamente se alinhem com as necessidades dele.

Ainda no seguro residencial, ele precisa se tornar um hábito do brasileiro, sobretudo porque ele tem um preço muito reduzido se comparado ao valor em risco assumido pelas seguradoras e os demais serviços que normalmente acompanham esse tipo de produto (chaveiro, eletricista, encanador etc.).

Nos EUA, sociedade desenvolvida e que estão mais acostumados com os eventos de natureza climática, a contratação de seguro residencial é a tônica. É a regra de mercado. Não se concebe que alguém esteja suscetível a tamanho risco e prefira assumir sozinho os prejuízos que eventualmente ocorram.

Em linhas gerais, o seguro do ponto de vista econômico, garante, a despeito de um evento danoso, a manutenção da riqueza de um povo, garante a continuidade das atividades pessoais e profissionais.

Se olharmos, ainda, pela perspectiva macroeconômica, as seguradoras são obrigadas a realizarem reservas técnicas como garantia de que haverá recursos para fazer frente as indenizações. Essas reservas, atualmente, superam a casa dos 2 trilhões de reais[3], e em grande parte são alocadas em títulos da dívida pública. O mercado segurador é um grande investidor institucional e, portanto, um relevante vetor de financiamento da dívida pública brasileira.

Do ponto de vista social o seguro é capaz de literalmente socializar o prejuízo.

Ao invés do fardo ser grande para apenas poucos agentes econômicos, com o seguro, esse fardo é absorvido em pequenos fragmentos suportados por um grande grupo de pessoas, tornando algo quase que imperceptível ou pouco custoso.

Isso gera um ambiente comum de tranquilidade e bem-estar coletivo.    

Esse bem-estar decorre não só da diminuição dos efeitos danosos, mas também porque se tem consciência de que os custos de um sinistro acabam não sendo completamente internalizados pelo agente econômico, e em não sendo, viabiliza a alocação de recursos em outras atividades que tem potencial de gerar resultados mais eficientes, seja na vida pessoal, seja na vida profissional.

Ou seja, na medida em que há transferência dos efeitos danos dos riscos ao segurador, essa circunstância permite e incentiva o agente a concentrar sua atenção e recursos em atividades que acarretam valor agregado econômico e social, e o resultado disso é a diminuição do próprio custo social.

Deste modo, é triste de se ver tragédias coletivas ou mesmo individuais e observar que haverá um enorme caminho a ser percorrido para reerguer aquilo que materialmente foi perdido, mas, se a sociedade estiver mais protegida pelo seguro, certamente o custo de tudo isso será muito menor.


[1] Victor Augusto Benes Senhora, advogado, especializado na área de (re)seguros, mestre em direito, atualmente Diretor Acadêmico da AIDA Brasil (2024-2026), Presidente do Conselho Fiscal da OABPrevSP (2023-2026), além de sócio do escritório J. Armando Batista e Benes Advogados (‘JAB Advogados’).
 
06.09.2024