Buscar:

A importância do prazo prescricional do título de capitalização

Imprimir PDF
Voltar

Por Anna Guiomar Vieira Nascimento (*)

foto anna guiomarOs títulos de capitalização estão no nosso cotidiano oferecendo no mínimo a possibilidade de poupar com a obrigatoriedade do pagamento de valores mensais para, ao final de um determinado período de tempo, receber este valor corrigido. Antes disso o aplicador pode ser sorteado e sobre o valor deste prêmio não incide o Imposto de Renda. Para quem ainda não tem imóvel próprio, o título de capitalização pode ser utilizado como garantia para o contrato de locação, ou seja, garante o contrato e durante o período da locação, nem o locador, nem tão pouco o locatário podem mexer no valor aplicado.

Mas com essa denominação: título de capitalização, qual é a natureza deste instituto jurídico? Título de crédito ou contrato?

O título de crédito é uma declaração de vontade unilateral através da qual o seu emitente por escrito, sem que haja a necessidade de  aceitação por outro sujeito de direito, obriga-se a pagar uma determinada quantia ao favorecido ou portador daquele documento. O título de crédito tem como uma das suas principais características a liquidez, quer dizer, produz direitos e obrigações pela sua simples emissão. Diante disso já se verifica que o título de capitalização não é título de crédito, porque a parte contratante só recebe algum valor monetário ao final do prazo de validade do ajuste. O contrato de capitalização não possui a liquidez do título de crédito e , na verdade, o denominado título de capitalização nada mais é do que o documento através do qual se comprova a relação contratual. A nosso ver este seria o maior traço distintivo de ambos os institutos.

Sendo assim, qual o motivo dessa denominação “título” de capitalização? O título é o documento pelo qual se comprova a celebração de um contrato de capitalização, ou seja, ali estão as cláusulas gerais do contrato e o número do processo administrativo de seu registro na Susep. O que ocorre é que existe a praxe de se chamar o contrato de capitalização de título de capitalização.

Originalmente, por questões óbvias, o título de capitalização era vendido exclusivamente sob a forma física daí talvez a origem do nome, o que não deve levar ao equívoco de que não se trata de relação contratual. Sim, é uma relação contratual e o denominado título de capitalização apenas é o documento físico ou eletrônico onde se incorporam as condições gerais do contrato através do qual o ajuste é comprovado. De forma sintética, ao celebrar um contrato de capitalização aquele que adere à suas condições gerais, seja pessoa física ou jurídica, obriga-se a pagar valores mensais à sociedade de capitalização, para, ao final de determinado período de tempo, reavê-los devidamente corrigidos. Ao longo desse período o pequeno ou micro investidor pode, ainda, ser sorteado e receber um prêmio sobre o qual, como já dito, não incidirá Imposto de Renda. Ao lado de tudo isso, pode também contribuir para uma causa que simpatize, como para o combate ao câncer de mama ou a defesa de interesse sócio- ambiental, pois em geral os títulos de capitalização são assim pactuados, ou seja, uma parte do pagamento mensal vai para uma entidade de fins não lucrativos.

Já estando definida essa premissa básica de que o investimento em título de capitalização é uma relação contratual, há que se abordar outra questão muito importante e que decorre dessa conclusão. Sendo assim, cabe estabelecer o tempo durante o qual as sociedades de capitalização devem garantir o pagamento do dinheiro aplicado pelo contratante após o termo final do ajuste. Em outras palavras, o contrato de capitalização chega ao seu final e o contratante não reivindica o pagamento do que lhe é devido ou a conta fornecida está inativa e a sociedade de capitalização não consegue entrar em contato com o seu cliente. Até quando o pagamento do investimento deve ser garantido após o que o numerário é revertido em favor da sociedade de capitalização?

Esclareça-se aqui que estamos tratando de um prazo prescricional. O contratante passa a ter direito de receber o que a sociedade de capitalização lhe deve com o advento do termo final do contrato. Nesta data o numerário não lhe é pago, seja qual for o motivo. A partir desse momento o contratante tem o seu direito violado, e pode exercer o respectivo direito de ação contra a empresa de capitalização.

Como os prazos prescricionais são distintos no CC/16 e no CC/02 precisamos, neste ponto, estabelecer o dia a partir do qual este último diploma legal passou a vigorar. Adiante se verificará a importância dessa data. O art . 2.044 do CC/02 estabelece que aquele diploma legal passaria a vigorar 1 (um) ano após a sua publicação. Este dispositivo vai de encontro ao estabelecido no §2º, do art.8º da Lei Complementar Federal nº 95/98 , alterada pela LCF nº107/01,  que determina que  as leis brasileiras devem estatuir prazo de vacância em dias. A lei complementar em termos de hierarquia das normas está acima da Lei nº 10.406/02 (CC/02) e, por este motivo, o disposto na LCF nº 95/98 prevalece. Desta forma, o CC/02 entrou em vigor a partir do dia 11 de janeiro de 2003.

Até este momento está esclarecido que estamos diante de um contrato de capitalização, cujo  denominado título de capitalização é um documento através do qual se comprova o ajuste. Sendo assim, o seu prazo prescricional é aquele constante do inciso I, do §5º, do art. 206 do Código Civil, isto é, prescreve em 5 (cinco) anos “a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.” O prazo prescricional para a cobrança dessa dívida pelo Código Civil de 1916 era de 20 anos. A regra de transição entre as duas leis consta do art. 2028 do Código Civil de 2002 que determina que serão da lei anterior os prazos que tenham sido reduzidos pelo novo Código e se na data da sua entrada em vigência já houver transcorrido mais de metade do tempo estabelecido na lei revogada. Aqui duas conclusões muito importantes que o leitor poderá encontrar no voto do Exmo. Sr. Relator do RE nº 51706-Minas Gerais, Ministro Luiz Galotti  e que passamos a colocar com palavras similares:

(i) se o prazo prescribente é menor na lei nova, faz-se a contagem do prazo prescricional pela lei nova (a partir da sua vigência) e se acontecer desse prazo findar antes do prazo maior fixado na lei anterior, vai se considerar o prazo da lei nova a partir da sua entrada em vigor;

(ii) se o prazo da lei antiga deveria terminar antes do novo prazo da lei nova irá se manter o prazo prescricional da lei antiga. E isso se dá porque a lei nova pretende diminuir o prazo prescricional, então seria contraditório se a mesma pudesse alongar o mesmo.

Agora cabe relembrar que estamos diante de um contrato de capitalização cujo prazo prescricional estabelecido na lei anterior (CC/16) era de 20 (vinte) anos e na lei nova (CC/02) é de 05 (cinco) anos. Para se estipular o tempo durante o qual as sociedades de capitalização devem garantir o pagamento do valor devido ao contratante tem que se levar em conta a regra de transição constante do art. 2028 do CC/02 e outras variantes, quais sejam a data de celebração , de vencimento do contrato de capitalização e de vigência do CC/02. De forma resumida e diante do que foi aqui exposto as conclusões a que se chega são as seguintes:

(i) os contratos de capitalização celebrados e vencidos até a entrada em vigor do CC/02 deveriam ter seus valores garantidos pelas sociedades de capitalização até, no máximo, janeiro de 2008 (conta-se o lapso temporal a partir de 11 de janeiro de 2003) , ou seja, por 05 (cinco) anos, a não ser que o prazo prescricional de 20 (vinte) anos previsto no CC/16 expirasse antes dessa data do ano de 2008. Prevaleceria o menor prazo;

(ii) os títulos de capitalização contratados na vigência do CC/16 e vencidos após a entrada em vigor do CC/02 devem ser garantidos até 5 (cinco) anos após o seu vencimento, pois o prazo prescricional aplicável é o do CC/02, por constar deste diploma legal a diminuição do prazo prescricional. Aqui vale a mesma regra de que o que prevalece é o menor prazo;

(iii) os contratos de capitalização celebrados e vencidos na vigência do CC/02 também devem ser garantidos até 05 (cinco) anos após o seu vencimento ( inciso I, do §5º , do art. 206 do CC/02).

Essa é uma questão aparentemente abstrata, teórica, mas que, na verdade, tem aplicabilidade nos dias atuais, caso haja uma fiscalização na sociedade de capitalização e lhe sejam cobradas as quantias a serem pagas por contratos celebrados ao longo dos anos, cujos prazos de validade estejam expirados mas que ainda não estão prescritos. Um contrato de capitalização celebrado, digamos, em dezembro de 2001 não tem prazo prescricional a se consumar em dezembro de 2021, mas, prescreveu em 12 de janeiro de 2008. Por este motivo a sociedade de capitalização não necessita mais garantir o seu pagamento. Essa repercussão financeira é grande em termos práticos. Enfim, esperamos que a organização dos prazos prescricionais acima elaborada sirva de base para responder a algumas indagações em torno do tema.

(*) Anna Guiomar Vieira Nascimento é Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

(05.07.2016)