A extensão (ou não) dos efeitos da cláusula compromissória ao sub-rogado nos contratos securitários: uma análise do acórdão proferido no âmbito da apelação cível nº 0288717-06.2017.8.19.0001, do TJRJ
Por Daniel Mourão Costa e Michel Glatt (*)
“A convenção de arbitragem obriga apenas quem subscreve o documento em que ela conste ou o documento que para ela remeta”. Foi com esse entendimento que, no último dia 28 de março, a 26ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento à apelação nº 0288717-06.2017.8.19.0001 para reformar sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Empresarial, que havia extinguido o processo sem resolução de mérito com fulcro no art. 485, VII, do CPC.
Neste caso, uma seguradora, sub-rogada na posição de sua segurada, ingressou com ação regressiva de ressarcimento contra uma transportadora marítima objetivando reaver os valores pagos à títulos de indenização securitária por danos supostamente causados pela transportadora no âmbito de transporte marítimo de carga.
Dentre outros argumentos, a transportadora alegou a existência de cláusula compromissória no contrato de afretamento firmado entre ela e a segurada e que os efeitos do referido pacto arbitral se estenderiam a seguradora na qualidade de sub-rogada, afirmando, ainda, que a seguradora teria tacitamente anuído com a Cláusula Compromissória, o que ensejaria a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil.
Por sua vez, a seguradora se defendeu alegando que os efeitos da cláusula arbitral não a alcançariam na qualidade de terceira não signatária, mormente considerando que (i) tal disposição seria abusiva inclusive quanto à segurada, (ii) não teria com ela anuído, (iii) os efeitos da sub-rogação se dariam somente quanto aos direitos de ordem substantiva e não processual, e (iv) sua eventual vinculação acarretaria em violação à garantia constitucional de acesso à justiça.
Acatando a alegação da transportadora, a 4ª Vara Empresarial proferiu sentença extinguindo o processo sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil, consignando não ser crível que a seguradora não tivesse conhecimento da convenção arbitral e que, diante disso, na qualidade de sub-rogada, assumiria os direitos, ações, ônus e atributos da relação jurídica a que passou integrar, inclusive no que tange à cláusula compromissória.
Após a interposição de apelação pela seguradora, a 26ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, reformou a sentença, entendendo que os efeitos da cláusula compromissória não se estenderiam a ela na qualidade sub-rogada.
Segundo a Relatora, Des. Sandra Santarém Cardinali, expandir os efeitos do pacto arbitral para a seguradora implicaria em estender indevidamente a renúncia à jurisdição estatal, limitando o direito de acesso à justiça da seguradora e, consequentemente, restringindo o próprio ressarcimento.
Ainda de acordo com a Relatora, apesar de ser plenamente válida no contrato primitivo estabelecido entre a segurada e a transportadora, a cláusula compromissória não abrangeria a seguradora já que sua estipulação depende da manifestação de vontade da parte e que no caso concreto, considerando os termos do contrato securitário, não seria nem possível afirmar que a seguradora teria ou deveria ter conhecimento dos termos do contrato afretamento.
Dessa forma, consignou-se:
“Assim, no caso concreto sob julgamento, o segurador não pode ser obrigado a observar as cláusulas de limitação de responsabilidade e de arbitragem, porque atreladas ao embarcador e ao consignatário da carga, contratantes do transporte marítimo. Com efeito, se o segurador não tomou parte no contrato original, não se admite que seja obrigado a acatar as cláusulas nos moldes inicialmente pactuados, na medida em que sua manifestação de vontade não se viu em momento algum considerada na celebração do ajuste.”
No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, o tema é recorrente. No mesmo sentido do acórdão aqui comentado, quando do julgamento da apelação nº 1002847-62.2018.8.26.0562, os desembargadores da 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob relatoria do Des. Miguel Petroni Neto, decidiram que os efeitos da cláusula arbitral não alcançariam a seguradora sub-rogada da relação originária.[1].
Em âmbito doutrinário, essa posição é defendida pela professora Selma Maria Ferreira Lemes, a qual sustenta a necessidade de se interpretar restritivamente os efeitos da cláusula compromissória.[2]
Conquanto, em sentido oposto, cabe mencionar que no âmbito da Apelação nº 0160745-58.2014.8.19.0001, julgada em 2017, de relatoria da Des. Marília de Castro Neves Vieira, a 20ª Câmara Cível do Tribunal do Justiça do Rio de Janeiro havia entendido que a cláusula compromissória estabelecida no contrato originário firmado pela segurada teria eficácia com relação seguradora sub-rogada, já que esta, com a sub-rogação, haveria assumido não somente os direitos, mas também os deveres assumidos pela segurada.
Nesse mesmo sentido, também verifica-se a existência do julgado paulista de nº 0149349-88.2011.8.26.0100, de relatoria do Des. Tasso Duarte de Melo, da 12ª Câmara de Direito Privado, entendendo que a cláusula compromissória firmada no contrato originário possuiria eficácia em face da seguradora diante da sub-rogação dos direitos e deveres assumidos pela segurada, já que, segundo o magistrado, “a seguradora assume a posição jurídica do segurado, ou seja, passa a ser vista como se contratante do transporte marítimo fosse e, por consequência, submetida às regras contratuais adrede assumidas”, inclusive com a vinculação à cláusula arbitral pactuada no contrato de transporte.[3]
Do mesmo modo, em lição doutrinária, a professora Fabiane Verçosa diverge do entendimento proferido no acórdão carioca estudado, entendendo que, quando sub-rogada, a seguradora ocupa exatamente a mesma posição anterior do segurado e, por isso, as obrigações permanecem incólumes em todos os seus demais aspectos, inclusive quanto à cláusula arbitral, a qual será, portanto, transmitida à seguradora após o pagamento da indenização ao segurado.[4]
A discussão engloba tanto a possibilidade de extensão dos efeitos da cláusula compromissória a terceiros não signatários do pacto, matéria atinente ao direito arbitral, quanto a abrangência da sub-rogação decorrente dos contratos securitários, questão concernente ao direito civil. Dessa forma, percebe-se que é pertinente, não só ao contrato de seguro, mas também à própria utilização da arbitragem como método adequado de resolução de conflitos, a promoção de medidas como a especificação, na cláusula de sub-rogação da apólice securitária, quanto a anuência ou não da seguradora à eventual cláusula compromissória pactuada pelo segurado.
[1] Também com esse entendimento no TJSP, v.: apelação nº 0000254-21.2010.8.26.0002, de relatoria do Des. Heraldo de Oliveira; apelação nº 0030807-20.2010.8.26.0562, de relatoria do Des. José Benedito Franco de Godói; apelação nº 10229303-91.2008.8.26.0100, de relatoria do Des. Gilberto dos Santos; e agravo de instrumento nº 0091567-16.2003.8.26.0000, de relatoria do Des. Paulo Roberto de Santana.
[2] LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem e Seguro. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 27. p. 56 e ss. São Paulo: Revista dos Tribunais, out.-dez. 2010.
[3] Com o mesmo entendimento no TJSP, v. apelação nº 9108101-03.2008.8.26.0000, de relatoria do Des. José Tarciso Beraldo.
[4] VERÇOSA, Fabiane. Arbitragem e Seguros: Transmissão da Cláusula Compromissória à Seguradora em Caso de Sub-rogação. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 11, a. 3, p. 46-55, jul.-set.-, 2006.
(*) Daniel Mourão Costa, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-Rio, mesma faculdade em que se graduou, Advogado no F. Torres Advogados e Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas.
(*) Michel Glatt, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-Rio, mesma faculdade em que se graduou, Advogado no Couto Silva Advogados e Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas.
(18.04.2019)