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A cobrança do ITCMD nos planos de previdência VGBL

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Por Gustavo Yanase Fujimoto (*)

O imposto de transmissão causa mortis e doação de bens e direitos (ITCMD, ITCD ou ITD), está previsto no artigo 155, I, da CF, sendo regulamentado pelas legislações estaduais específicas.

O imposto estadual tem parte de sua competência estabelecida pela CF, sendo que esta define que a competência para instituir este imposto transmissão de bens é de competência dos Estados.

Neste cenário, recentemente o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei nº 7.174/2016, determinando a cobrança do ITCMD na transmissão do plano de previdência privada, tais como o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), quando do recebimento dos valores inerentes a estes pelos beneficiários nomeados.

Este posicionamento adotado pelo Estado do Rio de Janeiro, vem acompanhando a postura adotada também pelos estados de Minas Gerais e Paraná, todos sob o argumento de que os valores atrelados a estes planos securitários seriam considerados “herança”.

Ocorre que a cobrança do ITCMD na transferência dos planos de previdência privada para os beneficiários nomeados não guarda qualquer respaldo jurídico que justifique esta medida.

Isso porque essa interpretação distorce a natureza jurídica dos planos VGBL e PGBL, haja vista que estes foram criados como forma complementar ao regime de previdência social. Tal preocupação surgiu do fato de que o regime de previdência em seu caráter social tem uma finalidade diversa do que visa a de regime privado.

O regime de previdência social tem como objetivo proteger, em caráter universal, o cidadão de determinadas situações futuras (certas ou incertas), considerados como “risco social”, tais como doenças, invalidez, velhice e morte.

Diante deste escopo de atuação esse regime acaba por ser deveras desvantajoso frente a grande massa de segurados que necessita proteger, o que leva evidentemente este modelo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) a uma equação insuficiente em relação ao imenso números de segurados.

Foi daí que em 1977 surgiu a figura da Previdência Privada, em paralelo ao regime de previdência social, com um objetivo visivelmente diverso, qual seja, garantir uma proteção econômica e de padrão de vida dos segurados que optem por contribuir com esse sistema no momento em que estes escolherem “aposentar”.

Com isso, essas previdências privadas acabam por captar recursos dos segurados no decorrer de determinado tempo e, durante este período, manter a maior rentabilidade possível, dentro de determinados padrões de segurança, mas sempre visando uma maior valorização.

Percebe-se então que neste regime não há a preocupações diretas com os já explicados “riscos sociais”, mas, somente, com a valorização do capital aportado.

Assim, analisando a natureza do regime privado face ao regime social, fica evidente que este tem um caráter assecuratório do padrão econômico dos segurados e seus dependentes e não de fundo de investimento qualquer.

O que se percebe então é que este pode até ter certas características de um fundo de investimento, entretanto, analisando mais a fundo fica nítida a figura assecuratória deste em relação aos seus contratados e seus dependentes, o que acaba por definir este como um seguro de vida em sua essência, até porque protege inclusive os dependentes em caso de morte e invalidez do segurado.

Tanto é verdade que as entidades que operam estas previdências privadas são controladas e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privado (SUSEP), nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 73/1966.

O art. 3º deste Decreto-Lei inclusive faz questão de trazer um paralelo direto com o Regime de Previdência Social, onde admite que ambos os regimes são considerados como seguros, conforme veremos:

Art 3º Consideram-se operações de seguros privados os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos e garantias.

Parágrafo único. Ficam excluídos das disposições deste Decreto-lei os seguros do âmbito da Previdência Social, regidos pela legislação especial pertinente.

Corroborando este raciocínio, veio o Código Civil em 2002 e deixou patente em seu artigo 794 que seguros de vida ou de acidentes não podem ser tratados como heranças, como vemos:

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Nesta linha, o próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já se manifestou pela não incidência do ITCMD em relação aos valores referentes a plano de previdência privada quando do resgate pelos beneficiários indicados, conforme trago:

 “INVENTÁRIO – POSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DO ITD – PLANO VGBL – NATUREZA DO BENEFÍCIO -INTELIGÊNCIA DO ART. 794, DO CÓDIGO CIVIL – Considerando a natureza securitária do referido plano, deverá ser aplicada a regra prevista no art.794 do C.Civil. O Juízo singular deu correta solução a controvérsia, uma vez que não sendo a verba em comento considerada herança, deve ser afastada a incidência do imposto de transmissão causa mortis. Isenção que pode ser declara pelo Juízo do inventário. Recurso desprovido” (0062338-20.2014.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 11/02/2015 – DECIMA SETIMA CÂMARA CIVEL)

 “Agravo de instrumento. Alvará judicial. Pretensão do estado de fazer incidir imposto de transmissão causa mortis sobre os valores mantidos em VGBL (vida gerador de benefícios livres). Decisão agravada que indeferiu o pedido de recolhimento de ITCMD sobre os valores mantidos pelo falecido em VGBL. Manutenção da decisão. Não provimento do agravo de instrumento.” (TJRJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0035723-56.2015.8.19.0000 – data do julgamento: 27/01/2016)

Assim, fica claro que a cobrança do ITCMD pelos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, quando do resgate dos valores referentes aos planos de previdência privada na morte do segurado é totalmente ilegal e abusiva, devendo os contribuintes que se encontrarem nesta situação recorrer ao Poder Judiciário para ver estas exigências afastadas.

Por derradeiro, cumpre destacar que até o momento estes são os únicos Estados que alteraram suas legislações para exigir a cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis nesse tipo de operação.

(*) Gustavo Yanase Fujimoto é advogado, especialista em direito tributário pela FGV-SP, sócio do YF Advogados.

Fonte: JOTA, em 11.08.2016.