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A alta incidência de fraudes nos planos de saúde: clínicas não credenciadas e atendimento aos beneficiários

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Por Vitória da Silva Ferreira (*)

As terapias realizadas através de planos de saúde têm se tornado uma escolha cada vez mais comum entre os beneficiários nos últimos anos. Diversos estudos têm destacado um notável aumento nas taxas de utilização desses serviços, indicando o crescente interesse das pessoas em buscar tratamentos para suas condições de saúde.

De acordo com os dados detalhados disponíveis no painel dinâmico "Mapa Assistencial da Saúde Suplementar", no portal da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), publicado em julho de 2023, os índices de uso de terapias do ano de 2022 por meio de planos de saúde tiveram um aumento de cerca de 7,3% em comparação com 2021. Esse incremento pode ser atribuído a uma série de fatores, incluindo uma série de fraudes identificadas. Tanto os provedores de serviços de saúde, quanto os próprios beneficiários foram implicados em várias situações fraudulentas, prejudicando a eficácia e sustentabilidade das apólices assistenciais.

Um levantamento realizado pela Federação Nacional das Operadoras de Planos de Saúde (FenaSaúde) evidencia um passo significativo no enfrentamento das práticas ilegais que têm afetado o setor de saúde suplementar. A federação conduziu e apresentou uma notícia-crime ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), demonstrando um compromisso firme em revelar e reprimir as atividades fraudulentas que prejudicam o mercado.

A denúncia ao MP-SP é resultado direto de uma investigação interna conduzida pelas próprias empresas afiliadas à FenaSaúde. Os resultados dessa investigação apontaram para uma rede complexa de fraudes, envolvendo nada menos que 179 empresas de fachada, 579 beneficiários suspeitos de atuarem como "laranjas", e um volume expressivo de quase 35 mil pedidos de reembolso. De forma surpreendente, os valores reivindicados chegam a aproximadamente R$ 40 milhões.

A fim de combater as alegadas fraudes relacionadas às terapias, especialmente o método ABA, uma investigação minuciosa revelou uma prática preocupante: frequentemente, os pedidos médicos são emitidos por clínicos gerais sem especialização em psiquiatria ou neurologia. Além disso, uma análise mais profunda indicou que muitos profissionais de saúde não estão sequer familiarizados com o conteúdo desses documentos, sugerindo que diversos beneficiários podem estar buscando pedidos médicos fraudulentos para favorecer prestadores de serviços não vinculados ao plano de saúde. Esses prestadores cobram valores excessivos por seus serviços.

As fraudes perpetradas pelos prestadores de serviços de saúde geralmente envolvem práticas como o uso indevido de códigos de procedimentos, cobranças duplicadas e encaminhamento de pacientes para terapias não essenciais. Por outro lado, as fraudes praticadas pelos beneficiários incluem a simulação de doenças ou a aquisição de tratamentos em nome de terceiros.

O aumento nas taxas de terapia por meio de planos de saúde levanta suspeitas de inúmeras fraudes, uma vez que cada vez mais ocorre a busca frequente de clínicas particulares por parte dos beneficiários de planos de saúde, mesmo quando há uma rede credenciada disponível. Essa tendência levanta diversas questões sobre a legitimidade das práticas desses prestadores, especialmente quando há suspeitas de fraudes e cobranças exorbitantes envolvendo pacientes que necessitam dos mesmos tipos de terapia.

A formação de um conluio entre esses prestadores, advogados e pacientes levanta questões éticas e financeiras, prejudicando a credibilidade e sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. A implementação de medidas rigorosas de fiscalização e a conscientização dos beneficiários são essenciais para combater essa prática e assegurar um sistema de saúde mais justo e transparente.

A crescente detecção de documentos nitidamente manipulados para justificar o custeio de tratamentos por parte das operadoras de planos de saúde, em colaboração com clínicas específicas, suscita sérias preocupações sobre a integridade do sistema. Nesse contexto, alegações de supostas negativas de cobertura frequentemente se baseiam em uma carga horária excessiva de tratamento, que muitas vezes não condiz com a realidade da vida de uma criança, que naturalmente precisa de tempo para atividades diárias como frequentar a escola e desfrutar de momentos de lazer.

O modus operandi desse conluio envolve atrair pacientes, muitas vezes através de advogados que também estão envolvidos no esquema, para encaminhá-los às clínicas particulares associadas. Esses pacientes, que necessitam das mesmas terapias, acabam sendo explorados financeiramente, pagando quantias muito acima das cobradas por profissionais credenciados. Esses prestadores frequentemente cobram valores excessivamente altos por terapias, mesmo quando há outros profissionais credenciados capazes de oferecer os mesmos serviços a preços mais justos. Essa prática também sobrecarrega o fundo mútuo do plano de saúde, pois as despesas com esses tratamentos exorbitantes são repassadas a todos os beneficiários.

Um padrão observado em muitos casos é que essas situações frequentemente se desdobram em demandas judiciais. O objetivo é obter a permissão para tratamentos terapêuticos fora da rede credenciada, mesmo quando existem opções de atendimento adequadas disponíveis. Nesses casos, argumenta-se que o tratamento já foi iniciado de forma particular, citando uma suposta negativa por parte da operadora - embora essa informação muitas vezes careça de veracidade - ou aponta-se a distância da residência como uma barreira, ignorando o fato de que a escolha de um plano de saúde implica em ciência e aceitação dos termos de cobertura.

Em resumo, a crescente ameaça representada pelas fraudes e complôs nos planos de saúde demanda atenção especial do Poder Judiciário. A prevenção e punição efetivas dessas práticas fraudulentas são essenciais para proteger os interesses dos beneficiários e a sustentabilidade do sistema como um todo. A colaboração entre operadoras de planos de saúde, órgãos reguladores e o Judiciário é fundamental para garantir a transparência, equidade e eficiência na prestação de serviços de saúde.

(*) Vitória da Silva Ferreira é Especialista Jurídico Jr. da área HealthCare Law do Vigna Advogados Associados. Graduada em direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), e cursando pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pela Escola Paulista de Direito (EPD).

Fonte: Vigna Advogados Associados, em 15.08.2023