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A Resolução nº 416/2021 do CNSP, o influenciador Mister Coso e a importância de Doktor Sigmund

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Por Assizio Oliveira (*)

AssizioOliveira photoEm breve, o mercado segurador estará sob a égide da Resolução nº 416/2021, do CNSP. A bem de sua correta e adequada compreensão, e sem desviar a vista de seu horizonte, é de se voltar no tempo para reconhecer os méritos da Circular Susep nº 249/2004, primeira regra do supervisor brasileiro a tratar do Sistema de Controles Internos para o mercado segurador.

Conciso, aquele regulamento pioneiro, por um lado, já estabelecia a obrigatoriedade da organização das atividades de Gestão de Riscos, Conformidade (Compliance) e Auditoria Interna. E, por outro, já ditava os elementos do Controle Interno que deveriam ser observados: Ambiente de Controle, Objetivos Estratégicos, Identificação, Avaliação e Resposta aos Riscos, Atividades de Controle, Comunicação & Divulgação e Monitoramento. Não bastasse, já vislumbrava que a implantação do Sistema de Controles Internos deveria observar o princípio da proporcionalidade.

Por essas características, evidenciou-se, desde então, que Mister Coso passou a ser o mais importante influenciador do Sistema de Controles Internos do mercado segurador.

Comentava-se, entretanto, de forma injusta, que a Circular Susep nº 249/20 só dizia o que implantar no contexto do Sistema de Controles Internos, mas não direcionava no sentido do como implantar. À época, justiça seja feita, já estavam disponíveis todas as informações e modelos que possibilitavam, a cada companhia, observada sua origem, cultura organizacional e plano de negócios, identificar, adotar e seguir seu próprio como implantar.

Ou seja, em 2004, Mister Coso já estava disponível como influenciador e nunca se negou a responder aos anseios de seus seguidores.

Essa circunstância era – e é – especialmente verdadeira para as companhias com matrizes nos países da Comunidade Econômica Europeia, vinculadas às regras da Solvência II, às empresas com ações negociadas na Bolsa de Nova York, que precisam obedecer aos dispositivos da lei Sarbanes-Oxley, ou às sociedades brasileiras do ramo segurador inscritas nos padrões mais elevados de Governança Corporativa da CVM/B3.

De lá para cá, os dezessete anos percorridos se encarregaram de preencher a suposta lacuna da regra de 2004, primeiro porque o mercado foi ágil no sentido de identificar o como implantar, sob a generosa influência de Mister Coso, e, segundo, porque o CNSP e a Susep buscaram aumentar a aderência aos códigos globais ditados pela IAIS, e editaram regras, para, por exemplo, normatizar em detalhes temas como a transparência, a governança, a instituição do Comitê de Auditoria, a Ouvidoria e o respeito ao consumidor, a qualificação e quantificação de riscos, os capitais e provisões baseados em riscos, o apetite de riscos e a implantação de repositórios de perdas operacionais.

Chegou-se, enfim, à Resolução nº 416/2021 do CNSP, que veio a detalhar, como principal suporte da Governança Corporativa, o Sistema de Controles Internos e a Estrutura de Gestão de Riscos, a especificar a organização das funções de Gestão de Riscos, Conformidade (Compliance) e Auditoria Interna, a estabelecer o Comitê de Riscos e a obrigar a aprovação e edição das políticas internas pertinentes.

Em complemento à linha da Circular nº 249/2004 da Susep, a Resolução nº 416/2021 do CNSP deixou esmiuçado o como implantar, segundo o porte da companhia (S1, S2, S3 e S4).

De novo, evidente a influência de Mister Coso, que, nesse meio tempo, não dormiu em berço esplêndido e tratou de enfatizar alguns princípios para reforçar suas premissas originais.

Evidente que as questões técnicas e operacionais decorrentes da nova regra demandariam comentários que iriam muito além dos limites deste artigo; não é este aqui o propósito.

No entanto, é de se focar aqui o mais importante aspecto do Sistema de Controles Internos, que está a permear todos os pontos da norma, qual seja, o Ambiente de Controle. A relevância desse aspecto reside no fato de que nenhum dos demais elementos do Controle Interno, por mais forte, bem desenvolvido, custoso e abrangente, sobreviverá sem, antes, se ter o estado da arte do Ambiente de Controle, cuja definição foi assim anteriormente estabelecida pela Susep (grifo nosso):

“Cultura de controles da supervisionada na qual as atividades de negócio são executadas, especialmente a postura da supervisionada e a consciência de controles das pessoas que a compõe.”

A respeito, da nova regra se extraem passagens que se repetem e que, em suma, mandam (grifos nossos):

adotar “elevados padrões éticos e de conduta, estabelecer “política de conformidade e/ou um código de ética com diretrizes para a promoção e disseminação de valores éticos e da cultura de controle”, e assegurar a “aplicação de ações disciplinares adequadas e a comunicação às instâncias pertinentes”.

Cultura de controles, pois, tem, essencialmente, conotação humanística, dado que dependente de características de comportamento, de personalidade e psicológicas, inexistindo um padrão, modelo ou framework que se possa lançar mão. Indivíduos psicologicamente desequilibrados não têm, infelizmente, capacidade de entender o que é necessário para a formação e existência do Ambiente de Controle e tendem a aviltá-lo mediante o cometimento de ações e omissões.

Ensinou Doktor Sigmund que as causas da prática de delitos estão na psique dos indivíduos e decorrem de um desequilíbrio das partes que compõem a personalidade: o ego, o superego e o id.

Quando o superego, que abarca um código moral, seja ele da sociedade ou de uma empresa, é fraco, o indivíduo fica impossibilitado de controlar o id, no qual residem seus desejos e instintos, advindo daí uma deficiência do ego que leva à extrapolação dos limites morais, sociais e empresariais, e ao cometimento de delitos.

Em vertente análoga, estudos e pesquisas de criminalística indicam que, no Brasil, em média, 1,8% dos indivíduos, não importa a condição material, social, educacional ou cultural, têm propensão a cometer algum tipo de conduta antissocial, delitiva ou desviante. Em termos relativos parece não ser muito, até porque dentro da famosa “margem de erro”. Entretanto, considerada uma estimativa de 210 milhões de habitantes, isso daria algo como 3,78 milhões de indivíduos de braço dado com o coisa-ruim vivendo entre nós; relevante, pois, em números absolutos.

Nesse contexto, os últimos levantamentos do Conselho Nacional de Justiça revelam que a população carcerária do Brasil ronda os 700 mil indivíduos; ou seja, há muita gente solta por aí, parte da qual no exercício de cargos e posições de poder sobre pessoas, negócios, números e, principalmente, controles.

Poder-se-ia, portanto, dizer que, a despeito da notória e benéfica influência de Mister Coso, o sucesso de suas orientações depende diretamente de se prestar atenção às conclusões científicas de Doktor Sigmund.

Isso porque, ainda que os ditames de Mister Coso tenham sido implementados com algum defeito, se a companhia estiver atenta aos ensinamentos de Doktor Sigmund, o Sistema de Controles Internos, a Estrutura de Gestão de Riscos e a atividade de Auditoria Interna terão a fortaleza necessária para contribuir para a melhoria contínua da governança.

Em contrapartida, ainda que Mister Coso tenha sido seguido no sentido da eficiência, eficácia e robustez, se houver negligência, omissão ou miopia com relação às conclusões de Doktor Sigmund, a companhia correrá sérios riscos em termos de reputação, imagem e patrimônio, com prejuízos a seus investidores, segurados e demais stakeholders.

Minimizar a importância do que ensinou Doktor Sigmund pode levar não só a pequenos delitos, no mais das vezes do conhecimento restrito dos que foram prejudicados e precisaram ser ressarcidos, mas também a relevantes e públicos problemas de má gestão e de desvios da ética e da conformidade por membros dos altos escalões.

Ter “comportamento ético distraído”, leva, por exemplo, a demonstrações financeiras manipuladas, pouco transparentes e superficialmente auditadas, que transformam prejuízos em lucros e tornam suficientes escassos índices de solvência e de liquidez, “distrações” essas quase sempre voltadas a propiciar a obtenção de bônus estratosféricos.

Portanto, em paralelo aos estudos técnicos e à contratação de profissionais e consultores para bem desenvolver e implementar o que é tecnicamente possível, ou seja, a Gestão de Riscos, as Atividades de Controle, a Comunicação & Divulgação e o Monitoramento, corretamente influenciados por Mister Coso, é importante que a companhia dê força e atenção especial às conclusões dos estudos de Doktor Sigmund.

Pode-se iniciar por uma avaliação sobre a capacidade de seus administradores, gestores e demais colaboradores de obedecerem aos códigos estabelecidos, ou, pelo menos, de estarem dispostos a um trabalho de autoconhecimento com vistas a equilibrar ego, superego e id, e, por consequência, lograr aderência total e incondicional à essência da definição de Ambiente de Controle.

Não há lugar para pruridos de se livrar dos que não se enquadram nas exigências do Ambiente de Controle, de reconhecer e corrigir anomalias no processo de seleção de colaboradores e gestores, bem assim de escolha e eleição de ocupantes de posições estatutárias, nem de se levar aos órgãos oficiais de investigação e de Justiça aqueles que se desviarem do bom caminho.

Afortunadamente, nota-se um engajamento crescente do mercado segurador e das instituições que o representam nessa linha. Alvissareiro!

Sem iniciativas dessa espécie, modelos tecnicamente perfeitos de Gestão Riscos, de Conformidade (Compliance) e de Auditoria Interna, ainda que na exata linha com o que preconiza a Resolução nº 416/2021 do CNSP, não passarão de esforço desperdiçado e de colheita perdida.

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(*) Consultor e membro de Comitês de Auditoria de seguradoras e resseguradoras.