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A Nova Lei e a Renovação do Seguro Individual

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Por Voltaire Marenzi. Advogado e Professor

voltaire 2024Tomei ciência na semana próxima passada de um julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, referente a um Recurso Especial, sob número 2.015.204/SP, que ainda não tive acesso ao teor de seu acórdão em razão de não ter sido publicado.

Soube que o pleito do segurado não foi atendido, embora conste na ata final de julgamento um voto divergente, que, em tese, devo comungar de igual entendimento.

A questio juris diz respeito a contratação de um Seguro de Vida Individual, contratado nos anos 90.

No petitório o segurado – Vide processo eletrônico – afirmou que durante mais de 20 anos nunca teria havido atraso no pagamento do prêmio, ou qualquer tipo de infração contratual por parte dele, consumidor.

Disse ainda o segurado em suas razões “que em 01/12/2018 houve uma renovação da apólice com validade até 01/12/2019, contudo, para sua imensa surpresa a seguradora encaminhou uma correspondência datada de 17/06/2019, informando que quando do vencimento do seguro não ocorreria a renovação do produto, sem maiores justificativas, apresentando outros produtos para aquisição, mas nenhum de interesse do segurado”. (Sic).

Que, “após diversas tentativas de manter o seguro todas foram frustradas, se negando a renovação do seguro mesmo com previsão desta situação, não tendo outra alternativa senão se valer de uma demanda judicial”. (Ibidem).

O artigo 124 da Lei nº 15.040, de 2024, em vacatio legis até 09 de novembro do presente ano dispõe, que após dez anos de adimplemento ininterrupto do seguro de vida individual, a seguradora não poderá recusar a renovação do contrato, revelando uma inequívoca inspiração nos princípios estruturantes do direito contratual contemporâneo e, de modo particular, na tutela da parte hipossuficiente nas relações securitárias.

A ratio legis desta novel lei, embora uma lei ainda adormecida, repousa primeiramente, no princípio da função social do contrato, consagrado pelo nosso atual Código Civil, segundo o qual o vínculo obrigacional não pode ser analisado apenas sob a ótica individualista, mas que deve atender a finalidades mais amplas de proteção e equilíbrio social. Pois, de lege lata, o contrato de seguro, por sua natureza, é instrumento de solidariedade privada, destinado a garantir segurança econômica ao segurado e a seus beneficiários em face de riscos existenciais relevantes.

Em outra dimensão, a norma que ainda não vige reflete a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, ora vigente em nosso atual Código Civil,[1] inspirado em parágrafos do Código Civil Alemão[2], que impõe às partes o dever de lealdade, cooperação e coerência.

Este “mandamento de conduta (Boa-fé e o Código Civil) engloba todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam”.[3]

Pois, a recusa injustificada de renovação, após longo período de contribuições, configuraria comportamento contraditório – venire contra factum proprium – e, por conseguinte, atentaria contra a confiança legítima depositada pelo segurado na estabilidade da relação contratual.

Neste sentir, Judith Martins-Costa, doutrinou, verbis:

“É com esse viés específico que incide a boa-fé, como cânone hermenêutico, nas questões relacionadas, por exemplo, à interpretação da apólice, nos contratos de seguro: numa interpretação conforme a boa-fé se impedirá, por exemplo, que seja atribuído às cláusulas da apólice um significado incompatível com o interesse segurado; se relativizará o valor de disposições contraditórias ou que induzam a surpresas desleais; se obstará a alegação de nulidades formais ou a utilização – como escudo para fugir à indenização – de formalismos exacerbados que resultem prejuízo às legítimas expectativas do outro contratante; se entenderão vedados comportamentos contraditórios e reprovadas “práticas oportunistas e vexatórias na fase da gestão e liquidação do sinistro”.[4] Passim, Véra Jacob de Fradera. Informar ou Não Informar nos Contratos, Eis a Questão.[5]

Além disso, o comando normativo embora sem expressa previsão legal, até o advento da vigência da nova lei, se harmoniza com a tutela consumerista, na medida em que o Código de Defesa do Consumidor (art. 51) veda cláusulas contratuais que importem em desvantagem exagerada ou em supressão de direitos do consumidor. A prerrogativa unilateral da seguradora de não renovar o seguro, justamente no momento em que o risco pessoal do contratante tende a se intensificar, seria expressão de prática abusiva, incompatível com a principiologia protetiva do microssistema consumerista.

Por fim, há também um fundamento de ordem atuarial e de política pública. O mutualismo próprio do seguro não se coaduna com a possibilidade de exclusão arbitrária de segurados mais antigos, pois isto implicaria seleção adversa e esvaziaria a confiança social no instituto.

Deverás. A lei assegura uma espécie de direito à continuidade da cobertura, derivado do adimplemento prolongado, de modo a preservar a segurança jurídica e a estabilidade do vínculo obrigacional.

Por outro lado, embora se cuide de um tema que não era tratado com o devido cuidado anteriormente, a nova lei de seguros, vale dizer, especificamente seu artigo 124 – Lei nº 15.040/2024 – que passará a viger a partir de 9 de novembro desde ano, materializa a convergência entre os princípios da função social do contrato, a boa-fé objetiva e a proteção do consumidor, consagrando a proteção da legítima expectativa do segurado evitando a ruptura abusiva de contratos de longa duração no âmbito securitário.

Pois como escrevi em meu livro digital, “essa regra protege o segurado contra cancelamentos abruptos e contra a exclusão de pessoas mais velhas ou doentes, garantindo que elas tenham uma alternativa justa de cobertura”.[6]

Neste pensar, Angelica Carline e Glauce Carvalhal, também enfatizaram:

“Assim, é exigência da racionalidade que os cálculos atuariais sejam tecnicamente corretos e viabilizam fundos mutuais que tenham solvência, de forma que as expectativas dos segurados sejam corretamente atendidas”.[7]

Com a aposição deste artigo 124, a nova Lei de Seguros irá colmatar, definitivamente, uma lacuna que a atual legislação não previu expressamente fazendo com que exista uma regra que atenda o interesse de quem ao longo dos anos contribuiu para que, no final de sua vida, tenha uma segurança absoluta de que seu(s) respectivo(s) beneficiário(s) seja(m) protegido(s) por ato de vontade manifestado quando da contratação securitária.

É o que penso.

Porto Alegre, 18 de agosto de 2025.



[1] Artigo 422.

[2] §§ 242; 157 do BGB.

[3] A Obrigação como processo. Clóvis V. do Couto e Silva, FGV, 2024, página 33.

[4] Judith Martins-Costa. Estudos de direito privado e Processual civil em Homenagem a Clóvis do Couto e Silva. Thomson Reuters. Revista dos Tribunais, 2014, páginas 209/210.

[5] Obra citada, páginas 231 a 253.

[6] Voltaire Marenzi. Análise da Nova Lei de Seguros. Editora Roncarati, 1ª edição, 2025, página 187.

[7] Coordenadoras do livro Lei de Seguros Interpretada. Editora Foco, 2025, página 172.