Buscar:

A Necessária Integração dos Planos Funerários com os Atuários

Imprimir PDF
Voltar

Por Mardey Teixeira, em especial para Editora Roncarati

Mardey Teixeira

Introdução

Um estudo elaborado em 2011 pelo Centre for Financial Regulation and Inclusion (Cenfri) estimou que entre 20 a 25 milhões de brasileiros possuem planos funerários.  O mesmo estudo apontou que 2.000 funerárias ou cemitérios privados pelo país oferecem planos de “seguro funeral”. O Cadastro Nacional de Falecidos (CNF) possui um registro atual de 20.869.234 falecidos. Esses números mostram a abrangência do segmento em nossa sociedade, cujo público alvo contempla, principalmente, pessoas de baixa renda. Conhecendo sua importância social, algumas perguntas se fazem necessárias. Esses planos estão regulamentados por lei? Eles utilizam a expertise do profissional atuário para desenvolver taxas equilibradas e mensurar suas reservas de solvência? Destacamos que esses dois pontos serão o cerne do artigo em pauta.

Necessidade do cálculo atuarial em planos funerários

O Auxílio Funeral oferecido pelas Seguradoras é definido como um seguro, com capital segurado de baixo valor, que tem por objetivo reembolsar os gastos referentes ao funeral no caso de morte do segurado. Para ter direito à cobertura, o segurado paga antecipadamente uma contraprestação pecuniária, denominada “prêmio”. Conforme o art. 5º do Decreto-Lei nº 806/1969, compete ao atuário determinar a tarifação de prêmio de seguro, cujo valor deve ser suficiente para cobrir o possível pagamento de sinistros,. No cálculo do prêmio do Auxílio Funeral, os atuários consideram a probabilidade de morte do segurado, bem como o valor médio dos prováveis reembolsos. É importante frisar que toda a formulação matemática adotada no cálculo do prêmio deve ser encaminhada à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão fiscalizador, para ser submetida à aprovação.

Em nossa opinião, os planos funerários se enquadram, indubitavelmente, como um instrumento de seguro, iniciando com a modelagem da taxa, seguindo com a forma de contribuição e finalizando com o objetivo principal da contratação, que é obter a cobertura total ou parcial de despesas decorrentes de falecimento dos segurados definidos no contrato. Sabendo disso, expomos aqui nossa preocupação com a metodologia de cálculo dos prêmios/contribuições adotada nos planos funerários. Como não existe regulamentação, nem mesmo fiscalização do governo, seu conhecimento não é perceptível. Um grande número de funerárias adota sua própria aceitação de risco sem considerar como base os princípios dos seguros e sem a supervisão de uma agência reguladora. Isso pode deflagrar situações de insolvência, colocando o consumidor em risco. É verdade que, como forma de mitigá-lo, algumas funerárias (a minoria) se associam a seguradoras, promovendo, com isso, uma maior segurança ao usuário.

Consoante o exposto, para uma maior transparência e estabilidade financeira do setor, uma regulamentação se faz urgentemente necessária.

Regulamentação dos planos funerários

A regulamentação do setor de planos de assistência funerária está em via de aprovação. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara nº 50. A proposta já foi examinada pela Câmara dos Deputados e atualmente está sob análise do Senado. O objetivo do projeto de lei é criar regras específicas para a comercialização e fiscalização dos planos de assistência funerária. No entanto, ao lermos o projeto de lei, não observamos nenhuma menção à necessidade do cálculo atuarial como critério técnico para assegurar a solvência financeira dos planos.

Sabendo que o atuário é o profissional técnico habilitado para realizar os cálculos que envolvem a tarifação, a avaliação de solvência e toda a análise técnica do segmento de seguros, entendemos como imprescindível a inclusão no texto do PLC n° 50/2014 de dispositivo que trate do cálculo atuarial, uma vez que o plano de assistência funerária tem como principal propósito a cobertura de sinistros (mortes, no caso), estando, portanto, caracterizado como um seguro.

É de suma importância para o mercado de planos funerários a inclusão de serviços de profissionais qualificados (atuários) para mensurar os riscos envolvidos na área.

Microsseguradora

Enquanto a regulamentação não acontece, uma alternativa para formalizar o segmento de planos funerários é transformar em Microsseguradoras as empresas administradoras de planos funerários.

A Microsseguradora é uma seguradora que comercializa produtos de seguros direcionados, exclusivamente, para suprir as necessidades da população de menor poder aquisitivo e dos microempreendedores individuais. O estudo do Cenfri, citado anteriormente, constatou que o seguro funeral é um dos principais produtos comercializados no mundo por Microsseguradoras; produtos semelhantes àqueles negociados pelas empresas de planos funerários e para o mesmo público alvo.

Ressaltamos que a SUSEP instituiu a figura da Microsseguradora com o propósito de fomentar a inclusão social no segmento securitário, especificamente, a população de baixa renda. Por essa razão, os prêmios cobrados possuem valores módicos e o capital inicial exigido na constituição de uma Microsseguradora equivale a 20% do capital exigido na constituição de uma Seguradora. Na tabela a seguir, apresentamos os capitais mínimos exigidos pela SUSEP para constituição de Microsseguradora (note que cada região possui uma exigência financeira específica):

Regiões de Atuação
Capital Mínimo Exigido (R$)
Região 1 (AM, PA, AC, RR, AP, RO)
264.000,00
Região 2 (PI, MA, CE)
264.000,00
Região 3 (PE, RN, PB, AL)
276.000,00
Região 4 (SE, BA)
276.000,00
Região 5 (GO, DF, TO, MT, MS)
360.000,00
Região 6 (RJ, ES, MG)
800.000,00
Região 7 (SP)
2.000.000,00
Região 8 (PR, SC, RS)
440.000,00
Todo o território brasileiro
3.000.000,00*

*Ressaltamos que não equivale a soma de todas as regiões da tabela.

Além do baixo valor do capital mínimo exigido, outra vantagem à constituição de uma Microsseguradora é a gama de produtos que a empresa poderá oferecer aos seus clientes,  que não fica restrito ao reembolso de despesas com funeral. Dentre os diversos produtos que podem ser desenvolvidos e comercializados por uma Microsseguradora, podemos citar:

  • Seguro de Vida;
  • Seguro Invalidez;
  • Seguro Prestamista;
  • Seguro Desemprego;
  • Seguro Reembolso Funeral, acompanhado da assistência funeral;
  • Seguro Educacional;
  • Seguro para Despesas médicas e odontológicas;
  • Seguro para cobrir Diárias Hospitalares;
  • Seguro Viagem;
  • Seguro Residencial;
  • e muitos outros, conforme Circular SUSEP 440/14.

Como podemos perceber, existe uma diversidade de produtos que poderão ser abordados para alavancar os negócios, ademais, essas empresas poderão aproveitar a experiência com os próprios canais de distribuição como suporte das vendas.

Mais: De acordo com a Circular SUSEP nº 439/12, a Microsseguradora poderá participar dos consórcios DPVAT, cuja receita anual proveniente dos consórcios não poderá ser superior a 50% (cinquenta por cento) da receita global da sociedade seguradora.

Conclusão:

Reiteramos o entendimento de que a integração do atuário no cálculo da solvência dos planos funerários beneficiaria de forma direta a sociedade, tendo em vista que a precificação dos planos seria submetida ao crivo técnico de profissionais capacitados para tal atividade, promovendo-se, assim, o equilíbrio financeiro e atuarial desses planos. Dessa forma, o Projeto de Lei da Câmara nº 50/2014 merece a inclusão de dispositivo que corrobore essa assertiva.

Por fim, compreendemos que a transformação das empresas administradoras de planos funerários em Microsseguradoras é uma alternativa providencial de formalização desse mercado, além de proporcionar ótimos retornos financeiros para elas.

(03.11.2015)


MT Atuarial logoMardey Gomes Teixeira é Sócio-Diretor da MT Atuarial. Graduado em Ciências Atuariais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Pós-Graduado em Mercado Financeiro e Investimentos pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua no segmento atuarial há mais de 14 anos, com ênfase em Previdência Complementar e Sociedades Seguradoras. Primeiro atuário a constituir uma Microsseguradora no Brasil. É membro da Comissão Técnica de Atuária da Abrapp e é Certificado pelo Instituto Brasileiro de Atuária.