Por Gloria Faria (*)
Declarada a independência em 1822 e coroado Imperador, D. Pedro I manifestou-se pela criação da primeira constituição brasileira. A Carta Magna seria assim a espinha dorsal de uma legislação brasileira, que reafirmaria a legitimidade e os contornos políticos do novo governo, as atribuições e competência do Imperador e dos membros dos três Poderes, afastados [portanto] dos códigos e leis portuguesas. O novo Chefe da Nação brasileira apontava de forma clara e definitiva para o reconhecimento da cidadania brasileira para todos.
Com a ideia de que “os três poderes sejam bem divididos” ... “pondo barreiras ao despotismo quer real, aristocrático, quer democrático; afugente a anarquia e plante a árvore da liberdade...” a mensagem do monarca aos membros da Assembleia Constituinte anunciava seu ideal de liberdade.
Entretanto, em seguida ao pronunciamento de D. Pedro I, já nas primeiras reuniões da Constituinte o clima era de acirrada rivalidade o que inaugurou um período conturbado de enfrentamento entre os radicais e conservadores. A Assembleia Constituinte criada em maio de 1823 era formada por deputados sem partido e indiretamente eleitos por voto censitário, que utilizaram a oportunidade para defender seus interesses particulares, o que levou à sua dissolução.
A missão da elaboração de um novo projeto coube então, a um Conselho de Estado criado por D. Pedro I em novembro de 1823 para este fim e formado por, entre outros, CARNEIRO DE CAMPOS, principal autor, VILELA BARBOSA, MACIEL DA COSTA, NOGUEIRA DA GAMA e CARVALHO e MELO, juristas e políticos reconhecidamente qualificados para a difícil e urgente missão.
A Carta de 1824 traz também, claramente, a influência das Constituições francesa de 1791 e espanhola de 1812 e, entre os principais comandos e definições que a integram vale destacar os que se seguem.
• O Império do Brasil é a associação política de todos os brasileiros e formam uma nação livre.
• O governo é monárquico, hereditário, constitucional e representativo.
• A Religião Católica Apostólica Romana é a religião do Império. Outras religiões são permitidas desde que em cultos domésticos.
• A eleições são censitárias e indiretas; a Câmara dos Deputados eletiva e temporária.
• O Imperador é inimputável, não respondendo judicialmente por seus atos.
• O Imperador exerce de forma delegada e exclusiva o Poder Moderador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante.
Por fim, vale ressaltar que foi uma das primeiras constituições em todo o mundo a reconhecer e incluir em seu texto (artigo 179) um rol de direitos e garantias individuais e a explicitá-los em comandos, alguns até hoje constantes da Constituição de 1988.
Artigo 179 - A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base liberdade, segurança individual, e propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
1. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei;
2. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade pública;
3. Nenhuma lei terá efeito retroativo;
4. Todos podem comunicar seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los na imprensa sem censura, desde que respondam pelos abusos cometidos no exercício deste direito;
5. Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública;
6. Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável;
7. Ninguém será preso sem culpa formada, exceto nos casos previstos em lei;
8. A exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legitima;
9. A lei será igual para todos;
10. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis;
11. É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude;
12. Todo cidadão poderá apresentar por escrito, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, reclamações, queixas ou petições;
13. A Instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.
Os comandos dos 13 incisos do artigo 179 da Constituição de 1824, adiantavam ao Brasil de então um cenário de garantia de direitos que o Brasil de agora ainda não consegue cumprir. Hoje temos um texto constitucional abrangente, generoso, democrático que na prática se verifica irreal.
(*) Gloria Faria é advogada, sócia do escritório MOTTA, SOITO & SOUSA Advocacia Empresarial e Organizadora da Revista Jurídica de Seguros da CNseg.
(10 de setembro de 2019)